Rio Grande do Sul

Coluna

50 anos de Hip Hop no mundo e a caminhada no Brasil

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O Museu do Hip Hop, gestado desde 2018 pela Associação de Cultura Hip Hop de Esteio, é o primeiro museu nacional voltado a valorização dessa expressão - Foto: Carlos Messalla
É inegável a capacidade do Hip Hop de dar voz às comunidades periféricas

"Ao trazer conhecimento para nossa comunidade, também estamos compartilhando conhecimento com todos os outros, permitindo-lhes compreender nossa realidade. Embora direcionado à cultura negra, é um conhecimento que enriquece a consciência de todos."

Lauryn Hill

O Hip Hop surge no Bronx, na cidade Nova Iorque, nos USA, em 1973. O dia 11 de agosto, aniversário de Cindy Campbell, é a data simbólica entendida como o dia do surgimento dessa expressão cultural.

Ainda que haja antecessores do surgimento do Hip Hop, como o grupo The Last Poets, com rimas de conteúdo político, já que a afirmação da negritude norte-americana era feita sobre a batida de tambores, a festa realizada pelo DJ Kool Herc é considerada o marco inicial do Hip Hop. Áfrika Bambaataa no mesmo ano cria a gravadora Zulu Nation e dá nomes aos elementos desse movimento de arte urbana que tem em sua base ainda a dança (break), a expressão gráfica (o grafite), a performance (DJ) e a música (rap).

No Brasil, a década de 1980 e a cidade de São Paulo atualizam em nosso país a efervescência do Hip Hop através de territórios como a Galeria 24 de Maio e a Estação São Bento do metrô, onde o break foi a expressão catalisadora dessa nova cena em que se destacaram dentre outros Thaíde e ainda Nelson Triunfo. Esse período teve importância fundamental, pois foi ali que gestou-se a semente junto às periferias da cidade que se viram no centro de algo que elevava a autoestima de jovens diante de uma sociedade preconceituosa e ainda perante um regime ditatorial.

Coube à coletânea “Hip Hop Cultura de Rua” de 1988 trazer à tona o trabalho sólido já dos primeiros expoentes do Rap nacional como Código 13, MC Jack e Thaíde e DJ Hum dentre outros. Porém, o ano seguinte seria definitivamente o grande marco da cultura Hip Hop brasileira, pois ali em outra coletânea, “Consciência Black, Volume I” surge um grupo fundamental: Racionais MCs, com Mano Brown e KL Jay que juntam-se a Edi Rock e Ice Blue.

A importância do grupo reside no fato de apresentar um perfeito equilíbrio entre ética e estética, denunciando as desigualdades sociais, o cotidiano das periferias permeado de injustiças históricas, priorizando o lugar de fala da população negra. Depois, em 1997 o grupo lançaria “Sobrevivendo no Inferno”, um clássico da Música Popular Brasileira, conteúdo cultural que se tornaria leitura obrigatória do vestibular da Unicamp e levaria o grupo também a obter o título de Doutor Honoris Causa por essa importante universidade nacional sediada em Campinas/SP. 

Mais do que a faceta artística ligada a indústria fonográfica o Hip Hop no século XXI teve protagonismo e importância ímpar em questões políticas de relevância no Brasil. O movimento vem pautando a política de cotas em âmbito nacional já há bastante tempo, iniciando nas universidades e agora em toda política pública. É inegável a capacidade do Hip Hop de dar voz às comunidades periféricas e nisso ressalte-se ainda sua capilaridade e consequente abrangência em todo território nacional.

O Movimento Hip Hop tem pautado ainda a transversalidade das políticas públicas nas áreas da cultura, saúde, educação, mulheres, justiça, população LGBTQIA+ e também junto a tribunais federais, embaixadas, assim como organizações internacionais como Unesco, ONU, OEA, etc.

No RS, o Hip Hop passa a existir a partir dos bailes black realizados na década de 1980 como o Jara Musi Som e Gê Powers e no âmbito artístico começa a marcar presença através de grupos como LORDS e depois Revolução RS, Da Guedes, ZHAMMP, Manos do Rap, As Anastácias, Ritmo Sol, Unidade Rap Restinga (URT), Piá, Preconceito Zero com a presença do Tamboreiro, artivista ativo no Vale do Sinos, etc.

Na área do grafite o artista Trampo puxou a fila também impactando as gerações futuras tendo inclusive ido à Alemanha para expor sua arte. Na nobre arte das pick ups DJ Anderson, Duke Jay, DJ DeeLay, DJ Tim Maia da Restinga, dentre outros. Na dança o Restinga Crew solidifica atuação desde 2002 com trabalho continuado e em constante evolução. Necessário destacar ainda o importante trabalho de Mário Pezão (homenageado com Prêmio Hip Hop em 2022) e ainda o Festival Trocando Ideia (1999 a 2006) em que a cena Hip Hop passa a se encontrar, se enxergar e então definir ações a serem empreendidas coletivamente.

Ressalte-se num contexto mais recente a importância da criação do Museu do Hip Hop, gestado desde 2018 pela Associação de Cultura Hip Hop de Esteio. Trata-se do primeiro museu nacional voltado a valorização dessa expressão que assim interliga educação, cidadania, arte, cultura dentre outras áreas de fundamental relevância na contemporaneidade.

Rafa Rafuagi, coordenador de Autogestão e Sustentabilidade da Associação da Cultura Hip Hop, destaca a potencialidade do “aquilombamento” a partir desse espaço: “Por viver em um estado mais branco, um ambiente onde possamos nos aquilombar novamente é extremamente importante. Estamos fazendo isso para mostrar que a negritude no Rio Grande do Sul sempre foi de vanguarda e ativa. Os movimentos das culturas populares seguem vivos.”

Agora em 2024 ao retomar as andanças da Gira Negra Gaúcha, para encerrar esse breve histórico do Hip Hop, é preciso ressaltar o lançamento do Edital Prêmio Cultura Viva do atual governo federal que destina 6 milhões de reais para a cadeia produtiva do Hip Hop denominado “Construção Nacional do Hip Hop”. Tal iniciativa teve por base articulações do Cultura Viva, política central histórica do MINC que também foi alicerce para implementação da Lei Aldir Blanc e Lei Paulo Gustavo. Assim constata-se a força de inserção social e capacidade transformadora do Hip Hop ao completar 50 anos no mundo e 40 anos no Brasil.

* André de Jesus, Ator/Ponteiro de Cultura, Locutor, ArteAtivista e Produtor Cultural.

** Richard Serraria, poeta/cancionista e tocador de Sopapo, Dr. Estudos Literários Ufrgs.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko