Rio Grande do Sul

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Ame-se: clínica estética

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"No capitalismo, onde tudo é passível de virar bem de consumo, a busca pelo status magro é alicerçada nos inúmeros procedimentos estéticos, fórmulas milagrosas de emagrecimento" - Imagem de A Grande Odalisca, de Auguste Dominique Ingres
O discurso capitalista dominante segue construindo existências dentro de um determinado padrão

A morte de uma modelo de 33 anos, após um procedimento estético, reacendeu o alerta sobre o alto custo pago para se enquadrar nos padrões de beleza. O tragicômico é que a clínica estética onde tudo ocorreu se chama “Ame-se”. Na cultura, escutamos que o excesso de procedimentos estéticos anda de mãos dadas com a autoestima baixa. Mas o ponto central é que a autoestima não existe; a estima vem sempre do outro.

É do outro que recebemos as prescrições da maneira “ideal” de existir. Ainda não nascemos e já há todo um projeto a nosso respeito: “ele será como o papai, jogará futebol e terá várias mulheres”, “ela vai ser uma moça educada, comportada, bonita e inteligente”. Os estereótipos de gênero atravessam o discurso daqueles que aguardam nosso nascimento, mesmo que nossos pais não percebam. Nós, antes mesmo de nascer, já começamos a ser capturados pelas narrativas. E são a partir dessas palavras que entendemos nosso lugar no mundo, quem somos, o que devemos desejar, e a maneira que precisamos agir para sermos amados.

Com o passar do tempo, na melhor das hipóteses, construímos pequenos intervalos e instauramos algumas separações: “Eu não deixarei de ser amado por ser um pouco diferente do que sonharam que eu seria”. Mas o discurso social reverbera constantemente em todos. E nele se apresentam os elementos premium que formam a ideologia dominante: a branquitude, o masculino, o heterossexual, o cisgênero e o magro. E o “Ame-se” está diretamente alinhado ao imperativo: seja magro!

A magreza está ancorada na noção de beleza e na ideia de corpo saudável. É apenas no estatuto de magreza que o corpo se torna desejável. A relação que temos com o nosso corpo passa pela linguagem. Sentir-se atraente, ter boa aparência, ser objeto de desejo, no discurso, são condicionais do ser magro. E no capitalismo, onde tudo é passível de virar bem de consumo, a busca pelo status magro é alicerçada nos inúmeros procedimentos estéticos, fórmulas milagrosas de emagrecimento, dietas altamente restritivas e todo e qualquer elemento que formate o corpo a um ideal social.

A psicanalista Isildinha Baptista Nogueira nos lembra muito bem que o corpo é uma imagem considerada real como se reflete no espelho, mas o corpo também é uma imagem atribuída pelo semelhante, uma imagem percebida fora do corpo, que fala mais forte que a imagem do espelho. O que escutamos nos impacta mais do que a imagem que vemos no espelho! Logo, a estima vem, sim, do outro.

E assim, o discurso capitalista dominante segue construindo existências dentro de um determinado padrão. Controla corpos, cria ideais estéticos, modela desejos, dentre tantas outras condicionalidades. Pensar e interrogar as diversas camadas discursivas que nos atravessam e constituem é uma das possibilidades de resistência. E você, já pensou sobre quais ideais te capturam? Talvez esse sim seja um exercício de amor-próprio.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko