O desenvolvimento urbano deve ser verdadeiramente inclusivo, assegurando que os moradores das comunidades locais não sejam despejados, mas integrados no processo de transformação como sujeitos ativos. A gentrificação, que frequentemente acompanha grandes projetos de revitalização, é uma ameaça real que expulsa os habitantes originais e desfigura o tecido social das regiões afetadas. Para evitá-la, é essencial a implementação de medidas de inclusão, como a regularização fundiária e o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), especialmente o MCMV Entidades nas regiões que se procura desenvolver, tendo sempre em mente as aptidões locais e a construção de arranjos produtivos locais que aproveitem a mão de obra da região.
A regularização fundiária oferece segurança jurídica aos moradores, transformando-os em proprietários legais de suas residências e protegendo-os da especulação imobiliária. O MCMV Entidades envolve diretamente associações comunitárias na construção e gestão das moradias, garantindo soluções habitacionais adequadas às necessidades locais e prevenindo a gentrificação.
É fundamental aprender com cidades ao redor do mundo que estão adotando medidas eficazes contra a gentrificação. Em Barcelona, 30% da área de novos empreendimentos com mais de 600m² é reservada para habitação social, com preços regulados para compra ou aluguel. Em determinados bairros de Chicago, 21% da área de construção de projetos imobiliários deve ser reservada para casas com preços acessíveis. Bairros como Pilsen possuem um comitê do uso da terra local, composto de representantes dos bairros e organizações. Cidades como Chicago e Portland também implementaram legislações anti-gentrificação. Em Portland, a lei "Right to Return" (Direito a Regressar) permite que a comunidade negra, deslocada durante os anos 60 e 70, retorne às suas áreas de origem.
Em Chicago, as comunidades combatem a gentrificação, o racismo ambiental e a crise climática através do conceito de "desenvolvimento orientado ao transporte coletivo", o que podemos trazer para Porto Alegre e para o Quarto Distrito, numa política em que o Trensurb terá papel estratégico, a partir da expansão do aeromóvel pelo Humaitá e Quarto Distrito, que é uma possibilidade que merece atenção, sobretudo pelo preço muito abaixo da expansão da linha térrea. Garantindo que os moradores cadastrados no CadÚnico tenham acesso gratuito ao Trensurb, a partir do cartão social, e a gratuidade do aeromóvel para a população local, tal como os teleféricos no RJ, o que não apenas facilitará o acesso ao transporte, mas também corrige uma dívida histórica do Trensurb com a região. As estações podem incluir uma série de serviços e políticas públicas que hoje faltam nas vilas.
A inclusão dos catadores e coletores de materiais recicláveis é outro pilar desse projeto. Investir nas unidades de triagem e nos galpões de reciclagem pode criar um ciclo virtuoso de geração de emprego e renda. A reciclagem de sucata, pneus e entulho beneficia o meio ambiente e fornece insumos para a reconstrução de moradias, promovendo a sustentabilidade. Essa abordagem não só melhora a qualidade de vida dos moradores, mas também cria um modelo de desenvolvimento econômico sustentável e justo.
Nos governos das Administrações Populares, o Programa Integrado Entrada da Cidade (PIEC) foi um exemplo de transformação urbana inclusiva. Desenvolvido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o PIEC visava melhorar as condições de vida nos assentamentos precários e zonas de risco, integrando habitação, geração de renda, desenvolvimento comunitário e educação sanitária e ambiental. Infelizmente, esse programa foi abandonado nos últimos 16 anos, deixando um vácuo que precisa ser preenchido por novas iniciativas.
Para garantir que essas iniciativas sejam eficazes, a Câmara Municipal precisa atuar decisivamente contra a gentrificação, que já está ocorrendo nas áreas atingidas pela enchente em Porto Alegre. É fundamental criticar as grandes construtoras e incorporadoras que, em busca do lucro, desrespeitam o Plano Diretor e o Estatuto das Cidades. Este debate é central para o futuro de Porto Alegre.
Em suma, o Quarto Distrito que queremos é um lugar onde o desenvolvimento urbano respeita e inclui todos os seus moradores, evitando a gentrificação e promovendo uma economia verde e justa. Com planejamento, investimento e vontade política, é possível transformar essa visão em realidade, criando um futuro sustentável para todos.
* Brunno Mattos da Silva, Secretário-geral da União das Associações de Moradores de Porto Alegre.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko