Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

Transição energética – o que temos a ver com isto?

O engenheiro Vicente Rauber acredita que devemos construir um novo normal sustentável ambiental e economicamente

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Para o Engenheiro Especialista em Planejamento Energético e Ambiental Vicente Rauber não é possível e nem razoável aceitarmos a atual situação como “normal” - Foto: Arquivo Pessoal

Em 2023 a natureza nos deu inúmeros avisos no RS, no Brasil e no mundo. Em 2024 resolveu gritar, especialmente através de uma catástrofe climática no RS, para ver se ouvimos e entendemos: Ou os seres humanos, especialmente governantes, legisladores e juízes, me ajudam a reverter a minha situação de degradação ou iremos para um caminho sem volta!

Os eventos climáticos classificados como desastres atingiram (e atingem) o RS, o Brasil e o mundo. Inundações, secas extremas, desmoronamentos, queimadas, derrubadas de florestas e outros eventos ou foram causa ou consequência da elevação da temperatura planetária, gerando mortes, doenças e outros prejuízos ambientais, econômicos e sociais.

É comum ouvirmos a necessidade de nos prepararmos para o “novo normal”! Para o Engenheiro Especialista em Planejamento Energético e Ambiental Vicente Rauber não é possível e nem razoável aceitarmos esta situação como “normal”. “É preciso revertê-la ou será um caminho cada vez pior! Vamos morrer abraçados? Já passamos da hora de negarmos os negacionistas de todas as categorias”, defende.

Sobre isso e a necessidade de uma transição energética que deve ser efetivada com absoluta urgência que conversamos nesta entrevista. Também já fica o convite para a Live Especial sobre o tema na próxima quarta-feira (17), às 16h, no Youtube do Brasil de Fato RS.

Confira a entrevista.

Brasil de Fato RS – Na sua avaliação, por que aconteceu esta catástrofe climática no RS?

Vicente Rauber – Temos dois planos para avaliar. Primeiro, o que está acontecendo em nosso Planeta, e segundo, como enfrentamos esta catástrofe no RS e em especial em Porto Alegre.

No Planeta, há anos a natureza vem clamando com calor e secas excessivas, matando centenas de pessoas nos ricos países do chamado Primeiro Mundo. Na maior reserva de água doce do Planeta, na Amazônia, tivemos uma seca sem precedentes, deixando rios secos ou quase secos, com as casas flutuantes dos pescadores penduradas nos barrancos secos ao lado de peixes mortos, em cenas dantescas que assustariam o próprio Dante!

Clamando com frios excessivos e/ou chuvas extraordinárias, acompanhadas de tormentas em alguns casos, causando prejuízos de toda ordem, inclusive muitas mortes.

Estes eventos excepcionais têm ocorrido com enorme frequência. O que a natureza está nos dizendo: Ou vocês humanos, especialmente governantes, legisladores e juízes, me ajudam a me recuperar ou eu não seguro mais a peteca deste mundão e podemos morrer abraçados!

E para ajudar a natureza a reverter este quadro precisamos negar os negacionistas de todas as espécies. A começar pelos falsos cientistas que dizem que é normal o aquecimento global ocorrer de tempos em tempos. Esquecem que agora temos eventos com dimensões muito maiores e mais abrangentes e com extraordinária frequência, não mais de tempos em tempos. Mais ainda devemos negar os governantes destruidores de estruturas públicas essenciais e praticantes de medidas nada sustentáveis com a natureza.

Aqui no RS, a natureza já havia nos dado dois avisos em setembro e dezembro do ano passado. Desta vez resolveu gritar forte, provando todo o equívoco de grande parte de nossas políticas estaduais e municipais, demonstrando em alguns casos a irresponsabilidade do não cumprimento de aspectos essenciais para a proteção e segurança das populações.

Devemos negar os governantes destruidores de estruturas públicas essenciais e praticantes de medidas nada sustentáveis com a natureza

Em Porto Alegre, sofremos uma situação escandalosa. Mesmo tendo o melhor Sistema de Proteção contra Cheias entre todas as capitais brasileiras e um Sistema de Drenagem bastante completo, tivemos que suportar uma inundação e alagamentos superiores a 1941, justamente tendo estes sistemas sido construídos para evitar esta situação. Tudo porque alguns diques no Sarandi estão deteriorados há anos e não foram recuperados.

As comportas e os defeitos com reparos urgentes nas Casas de Bombas em nada recebem manutenção desde 2020. As Casas de Bombas, para sua ampliação e modernização, ainda em 2014, receberam R$ 124 milhões a fundo perdido, que foram perdidos em 2019 porque em 5 anos não foram apresentados os projetos de engenharia para sua execução. Plano que a Prefeitura também não executou nos 5 anos seguintes, mesmo o DMAE acumulando R$ 430 milhões em aplicações financeiras. Os Arroios, essenciais à drenagem e ao meio ambiente de qualquer cidade, não possuem um plano de recuperação eficiente. As redes e galerias da drenagem recebem muito pouca manutenção.

Resultado: A cidade inundada e alagada como nunca antes na história, com prejuízos extraordinários, o que poderia ter sido evitado em grande parte se os Sistemas de Proteção contra Cheias e de Drenagem Urbana tivessem recebido as manutenções mais essenciais.

Em 1973, para resolver os alagamentos de Porto Alegre e fazer a manutenção do Sistema de Proteção contra Cheias e de Drenagem Urbana foi criado o DEP - Departamento de Esgotos Pluviais, fazendo com que fôssemos a única capital brasileira com uma estrutura de primeiro escalão a cuidar destes essenciais temas para a segurança e proteção das pessoas e do meio ambiente.

BdF RS – O que a Transição Energética tem a ver com isto?

Vicente – Tem tudo a ver com os desequilíbrios da natureza, o que causa estas distorções e catástrofes climáticas.

A única fonte de energia que temos no Planeta é o sol, com seus raios de calor e luz. As outras formas de energia que conhecemos e utilizamos são todas derivadas do sol, inclusive o petróleo e o carvão mineral, formados com a transformação de matérias orgânicas em mais de 120 milhões de anos, graças ao calor solar.

Sem o Sol seríamos uma grande bola completamente gélida e escura e certamente sem vida.

Para estarmos aquecidos, precisamos reter parte do calor trazido pelos raios solares, o que ocorre na atmosfera, na Estufa de Ozônio. Ocorre que os Gases de Efeito Estufa – GEEs –, especialmente óxidos de carbono, emitidos pela queima de combustíveis fósseis (petróleo e carvão mineral são os principais) e outras atividades, estão aumentando a camada de ozônio onde os raios solares infravermelhos são retidos.

Precisamos substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis

Produzimos um excesso de GEEs, retendo calor em excesso, gerando aumento da temperatura terrestre, derretendo geleiras polares e causando as desastrosas consequências climáticas que sofremos.

Precisamos substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis, reduzindo os GEEs, e ao mesmo tempo, reter o máximo dos GEEs. Este processo chamamos de transição energética.

As principais energias renováveis predominantes em nosso país são as quedas d’água, o sol, tanto em seu uso direto, como na fotossíntese das plantas e na geração de energia elétrica, os ventos e os biocombustíveis como o etanol e o biodiesel. O gás natural, embora não-renovável, por possuir uma eficiência grande e gerar pouca poluição em seu uso, deve ser considerado um energético intermediário.

Aqui cabe uma referência à mais essencial de todas as energias, que é a energia elétrica, a mais eficiente de todas e praticamente sem poluição em seu uso. Detalhe relevante: Ela necessita de uma outra energia (energia primária) para ser produzida. Neste aspecto vamos bem no Brasil: em 2023, 93% da energia elétrica produzida no Brasil ocorreu com energias renováveis: quedas d´água, sol, ventos, etanol, bagaço de cana e outros resíduos vegetais.

BdF RS – Como está a geração dos Gases de Efeito Estufa – GEEs – no Brasil e em nossos municípios?

Vicente – Os números que aqui apresentamos não estão bem atualizados (são os disponíveis), porém são suficientes para sabermos onde precisamos agir mais.

No Brasil os GEEs são produzidos: pelas queimadas e desmatamentos e destruição dos biomas, especialmente Amazônia e Pantanal – 44%; agropecuária – 25%; Energia, especialmente combustíveis fósseis – 21%; indústrias – 5% e resíduos, especialmente os lixos urbanos – 5%.

Já nos municípios, vamos encontrar diferentes percentuais, a depender das características de cada localidade. Vamos citar os dados de Porto Alegre, representativos da região Metropolitana e de grandes municípios: Transportes, essencialmente combustíveis fósseis – 67%; Indústrias, construções, agricultura e outros – 24%; resíduos, especialmente os lixos urbanos – 9%.

Obviamente em municípios com maior base agrícola e/ou pecuária, estes percentuais mudam significativamente.

BdF RS – Como devemos agir?

Vicente – Devemos nos preparar para enfrentar novos eventos climáticos, sem aceitar que este seja o “novo normal”! Não podemos seguir neste rumo ou vamos simplesmente acabar com nosso Planeta! Temos que construir um novo normal sustentável ambiental e economicamente.

As decisões das COPs – Conferências entre os Países –, das quais o Brasil participa ativamente, especialmente aquelas relacionadas com o clima e meio ambiente, precisam ser implantadas bem mais rapidamente por todos os países, já perdemos tempo!

Com certeza a União e os estados têm muito o que fazer. Mas é nos municípios, onde moramos, trabalhamos, estudamos e nos divertimos, é onde a vida torna-se realidade.

Está equivocada a afirmação de que ao realizarmos a produção urbana e rural de forma sustentável a tornamos mais cara. Ao contrário, a eficiência é maior e os custos serão menores.

Podemos e devemos produzir cidades sustentáveis, com muito maior qualidade de vida a todos(as) e menos caras.

Tomando por referência os percentuais de emissões citadas na pergunta anterior, bem como orientações internacionais, listamos um conjunto de medidas para diminuir a geração de GEEs, realizar a captação dos gases excedentes, conquistar uma vida melhor e dar a nossa contribuição para um Planeta melhor:

- O povo precisa participar – desenvolver e realizar amplo programa de educação ambiental;

- Transformar o saneamento básico (água tratada, esgotos, resíduos, drenagem urbana e proteção contra Cheias) uma política prioritária, não só reduzindo a geração dos gases de efeito estufa como usando seu enorme potencial de captação destes gases, além de reduzir a maioria das doenças e promover empregos e renda.

Podemos e devemos produzir cidades sustentáveis, com muito maior qualidade de vida a todos(as) e menos caras

Em especial os municípios devem: (i) fazer coleta regular dos lixos orgânicos, fazendo compostagem para adubos e gerando metanos nos aterros sanitários; valorizar a coleta seletiva, fazendo a reciclagem dos materiais através de cooperativas. Todos – indústrias, lojas, escritórios, restaurantes, habitações – devem reusar e reciclar ao máximo seus próprios resíduos; (ii) coletar e realizar o tratamento dos esgotos; (iii) muito cuidado com as águas: recuperar arroios, implantar drenagem urbana e medidas e obras de contenção de cheias e realizar ordinariamente a sua manutenção.

A responsabilidade por todos os itens do saneamento básico, conforme a Constituição Federal e o Marco Legal do Saneamento, é dos municípios. Podem realizar estes serviços diretamente ou por concessão, porém necessitam de um órgão específico para fazer a gestão e a fiscalização de todas as atividades, e até para ajudar a reivindicar ao Estado e à União a cooperação financeira e técnica na realização das obras maiores;

- Racionalizar o transporte, valorizar o transporte coletivo, valorizar o uso das bicicletas, e, principalmente atuar para viabilizar o uso de veículos elétricos – ônibus, caminhões, camionetes, carros. Os veículos elétricos serão uma revolução de nossa época: imagine as cidades e estradas praticamente sem ruídos e sem jogar venenos no ar! É nos transportes que temos a enorme possibilidade de reduzir a produção de gases de efeito estufa;

- Desenvolver com o Estado e a União um programa habitacional social de reassentamento de moradores em áreas de risco, especialmente em beiras de águas e encostas de morros. As áreas liberadas devem ser transformadas em áreas verdes;

- Ampliar as áreas verdes tanto no meio urbano como rural. Orientar para que nunca exista terra nua.

- Valorizar a geração própria de energia elétrica, seja nas indústrias ou nas casas com as placas fotovoltaicas. Implantar lâmpadas LED na iluminação pública;

- No meio rural – valorizar a implantação do Plano ABC – Agricultura de Baixo Carbono – Decidido na COP-15, Copenhague/Dinamarca, ainda em 2009 e coordenado pela Embrapa e Secretarias da Agricultura. Tem como eixos fundamentais: Plantio direto, Terraços (curvas de nível); bioinsumos; recuperação de pastagens e áreas degradadas; sistemas de irrigação; integração agricultura/floresta/pecuária, florestas plantadas em áreas sem uso e manejo dos resíduos da produção animal e outros.


Edição: Katia Marko