Rio Grande do Sul

ARTIGO

CAMP debate Porto Alegre: nosso bem comum

Ciclo de debates de 2 a 3 de agosto vai formular propostas voltadas à construção de uma Capital inclusiva e sustentável

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Nos dias 2 e 3 de agosto, o CAMP - Centro de Assessoria Multiprofissional promoverá o Ciclo de Debates "Porto Alegre: Nosso Bem Comum” - Foto: Rogério Soares

O CAMP - Centro de Assessoria Multiprofissional é uma organização da sociedade civil gaúcha, fundado em março de 1983, no processo de reabertura democrática brasileiro, portanto, completou 40 anos de atuação ano passado. Quem acompanha a luta política e social no Rio Grande do Sul sabe que o CAMP participou de forma direta em vários momentos históricos ao longo destas quatro décadas. Cumpriu tarefas relevantes em apoio as ocupações dos sem terra e na retomada das lutas sindicais urbanas no início da década de 1980, tendo sido fundamental na fundação do próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e no processo de fundação da Central Única dos Trabalhadores - CUT, ambos em 1984.

Ao longo de quase uma década, contribuiu na articulação e organização das oposições sindicais urbanas e rurais, sendo base de apoio para a construção de um sindicalismo combativo, democrático e de massas no estado. Destaque para a Comissão Sindical do Alto Uruguai – COSAU, que resultou na conquista de vários sindicatos rurais na região e nas conquistas e fortalecimento dos Sindicatos dos Metalúrgicos de Canoas, de São Leopoldo e de Porto Alegre e do Sindicato dos Sapateiros de Sapiranga, dentre outros.

Nos anos 1990, com a conquista de governos democráticos e populares em Porto Alegre e em várias outras cidades, o CAMP direcionou sua atuação para a promoção de projetos regionais de desenvolvimento alternativo (PDRA), com destacada atuação na Região Metropolitana de Porto Alegre, no Vale dos Sinos e na Região do Alto Uruguai. Foram articulados, apoiados e desenvolvidos processos participativos de discussão e elaboração de um outro modelo de desenvolvimento, critico a concepção capitalista de acumulação da riqueza e de exclusão dos trabalhadores e trabalhadoras na distribuição desta riqueza acumulada.

Neste processo, envolvendo sindicatos, organizações e movimentos sociais, comunidade acadêmica e lideranças locais, já naquela época, foi aprofundada a crítica a concepção de crescimento econômico que tem orientado o pensamento neoliberal e, em contrapartida, construída a concepção de um desenvolvimento de baixo impacto, integrado com o respeito e a proteção ao meio ambiente. Ainda neste período, desenvolveu uma linha de atuação no diálogo entre os movimentos sociais e governos locais a partir de processos de Planejamento, Projeto e Gestão (PPG). Também foram desenvolvidas ações e iniciativas em defesa da Reforma Urbana e Participação Popular (RUPP) em articulação com o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU).

Nestas experiências, foram gestadas propostas que ainda hoje são fundamentais, como o protagonismo do trabalho no pensar da uma nova economia, o papel das políticas sociais como direitos essenciais para a garantia da qualidade da vida, condição necessária para qualquer projeto de desenvolvimento sustentável e a democracia participativa como forma de governo.

A partir de 2003, a entidade participou diretamente dos processos de reconstrução democrática no Brasil com a vitória do Presidente Lula, líder metalúrgico que implementou uma agenda de desenvolvimento econômico com inclusão social. O CAMP, desenvolveu e implementou metodologia participativa para várias das políticas sociais implementadas pelo Governo Brasileiro, executando assessorias técnico-social através de projetos de parceria vinculados ao Plano Nacional de Segurança Alimentar (PNSA), ao Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), ao Programa Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) e a Política Nacional de Economia Solidária (PNES). Neste período, destaca-se a participação da entidade na coordenação nacional dos processos de educação e organização popular através da Rede de Educação Cidadã – RECID. Em parceria com as entidades, organizações e movimentos sociais de todo país, a tônica do CAMP, era de que, junto com a inclusão econômica, era necessário um processo amplo, consciente e organizado de inclusão política.

O risco de uma adesão da base social ao projeto em andamento baseada apenas em conquistas econômicas, é que seus efeitos acabam quando a comunidade tem acesso a mais renda, bens e serviços. A experiência tem demonstrado que, sem consciência política, a sensação da conquista econômica se esvai em pouco tempo. Infelizmente, este processo, somados ao programa Cultura Viva, ao Programa de Aquisição de Alimentos, ao PRONAF e a tantos outros, deram conta de organizar um movimento crítico capaz de conter o golpe que se seguiu em 2016. Apesar disto, a Rede de Educação Cidadã foi um importante laboratório para os processos de educação e organização popular em todo país, formando e forjando novas lideranças que seguem liderando e organizando o povo brasileiro nos dias de hoje.

Sobre o golpe, as mobilizações sociais de 2013 ainda geram muitas controvérsias. Inicialmente, organizada entorno de bandeiras em defesa da ampliação das políticas defendidas e implementadas pelos Governos Lula/Dilma, rapidamente o sentimento de insatisfação com o atual sistema político e econômico foi capturado pela extrema-direita que vinha acumulando organização e força desde os processos do mensalão em 2005. Continuo com o sentimento de que a demora do governo em entender a radicalidade do momento, permitiu essa captura da insatisfação social que, como sabemos, era e é, real e legitima. Não é o caso de aprofundar o debate. O que interessa para este texto, é que o CAMP se incorporou de forma direta, num primeiro momento, na luta em defesa do governo Dilma e, consumado o golpe jurídico-parlamentar-midiático, nas lutas e mobilizações de resistências. Foram anos de enfrentamentos, derrotas, aprendizados, reconstrução de utopias e reposicionamento frente a uma nova conjuntura que se abriu em âmbito local e global. O CAMP soube reler a conjuntura e reorganizar seu posicionamento político, técnico e organizativo.

Como entidade que participou da fundação da ABONG, o CAMP sempre esteve conectado com os processos em defesa da democracia, atuando em conjunto com as demais entidades e organizações sociais na construção de um ambiente propício para a atuação autônoma da sociedade civil brasileira e internacional. É a partir desta compreensão que, ao longo destes últimos 20 anos, a entidade esteve profundamente envolvida nos processos do Conselho de Educação de Adultos da América Latina – CEAAL e da organização do Fórum Social Mundial (FSM), dos Fóruns Sociais Temáticos e do Fórum Social das Resistências, processos coletivos internacionais de discussão, reflexão, articulação e ações em busca de um outro mundo possível.

Teço essa breve linha do tempo para dizer que é essencial reconhecer que, desde sua fundação em 1983, o CAMP sempre prezou em fomentar processos de formação de coletivos de trabalhadoras e trabalhadores, cientes de si e de seu papel numa sociedade divida em classes. Primou por estudar e desenvolver metodologias efetivamente democráticas, orientadas pela ética do respeito ao outro, ao diferente, ao divergente. Uma metodologia que busca desenvolver em cada sujeito a capacidade de aprendizado na diversidade, reconhecendo nas contradições do capitalismo e na dialética da vida, a força para a construção do novo. Essa capacidade da entidade, resultou no reconhecimento de que o CAMP é uma escola, não no sentido tradicional, catedrático, acadêmico. Mas uma escola do bem viver, que promove um ambiente seguro, aberto e amoroso para o compartilhamento de vivências, a experimentação de novas linguagens, num processo democrático de construção coletiva do saber popular.

É essa experiência, conhecimento e capacidade que a entidade disponibiliza para a cidadania porto-alegrense, através do Ciclo de Debates Porto Alegre, nosso bem comum. Uma oportunidade para discutir e elaborar alternativas urgentes e necessárias de reconstrução frente as consequências da calamidade climática que assolou a cidade neste mês de maio passado. Com essa iniciativa, o CAMP reafirma seu compromisso com o fortalecimento do protagonismo das organizações e movimentos sociais para a construção de uma cidade verdadeiramente democrática, justa e inclusiva.

Finalizo dizendo que sinto orgulho de fazer parte desta história. O CAMP, apesar de quarentão, não esqueceu de rejuvenescer, de se reinventar, sempre preservando os valores e princípios que originaram sua fundação. Te convido a se somar a esta experiência de vida, sendo protagonista na construção desse nosso pequeno outro mundo possível.

* Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, diretor executivo do IDhES – Instituto de Direitos Humanos, sócio do CAMP – Escola do Bem Viver, da consultoria Usideias e membro do Conselho Internacional do FSM.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


Edição: Katia Marko