Rio Grande do Sul

Coluna

Mudanças climáticas: a gestão de recursos hídricos e as cidades

Imagem de perfil do Colunistaesd
Regurgitos do Guaíba (plásticos, na praia de Ipanema, que o Guaíba devolveu com as enchentes) - Foto: Bianca Campani
A humanidade parece apresentar poucos suspiros no sentido de entender a complexidade do momento

- Pobre, pobre Guaíba. O que fizestes para merecer isto. Me lembro do último banho que tomei na praia de Ipanema, foi em 1975, lá se vão quase 50 anos e já estavas levemente poluído. De lá para cá algumas poucas iniciativas para te salvar. Já passaste pelo Pró Guaíba, pelo Guaíba Vive, mas parece que nos últimos anos o Guaíba Morre.

E não é só o Guaíba, são todas as Bacias Hidrográficas de nosso estado. Que não sirvam estas façanhas de modelo a toda a Terra, pois nossos rios morrem abandonados, a não ser pelo esforço de poucos voluntários, que tentam tocar os Comitês de Bacias em nosso estado.

Onde se encontram a gestão de recursos hídricos e as mudanças climáticas?

Não só nos efeitos, como estas toneladas de rejeitos que o Guaíba devolveu para a cidade, misturada com toneladas de lodo de esgoto, mas também na sua origem, pois é o pensamento negacionista, que não vê que são frutos de uma mesma mentalidade, a de que tudo podemos e que a natureza tudo tem que aguentar. Pensamento antropocentrista, que coloca o ser humano como o centro de tudo, sob o qual tudo deve se subjugar.

Pensamento no qual tanto jogamos resíduos na natureza, como emissões atmosféricas, como se nada fosse ser alterado.

A ciência evolui tanto, mas parece que algumas mentes acham que o Mercado deve ser o Imperador, a população em geral seus súditos e a natureza sua escrava.

A ciência nos diz, se pegamos uma molécula de petróleo e a dividimos a tal ponto de ela se tornar numa molécula de CO2, podemos obter energia, mas esta mesma ciência nos diz que estaremos transformando algo pastoso em um gás, que irá se dispersar pela atmosfera, de uma forma totalmente diferente. Mais ainda esta transformação ao liberar calor, determina que este calor irá ser liberado para a atmosfera, portanto naturalmente aumentando a temperatura da mesma. A discussão até pouco era do quanto esta liberação de calor, iria realmente aumentar a temperatura da atmosfera, os dados recentes comprovam que são valores significativos para provocarem mudanças no clima.

E a questão seguinte é onde se encontram as cidades, a Gestão dos Recursos Hídricos e as Mudanças Climáticas nesta história?

No princípio de todo o nosso raciocínio.

Raciocínio de como deve se estruturar nossa sociedade, raciocínio de que o crescimento da economia é que deve reger todas as nossas ações. Raciocínio no qual um real gerado em Produto Interno Bruto (PIB) é sempre uma boa medida, mesmo que este real gerado seja fruto de ineficiência de algum processo, pois sempre a geração de resíduos significará geração de PIB, por pior que possa ser.

A Gestão Urbana passa pela mesma lógica, não interessa onde está o déficit habitacional, interessa o interesse do Mercado Imobiliário, produção de unidades habitacionais a qualquer custo, não interessando se apenas para ser jogado na especulação imobiliária, mas produzir para gerar as chamadas “riquezas”.

Sem levar em conta que esta “riqueza” gerada, significa morros destruídos para a obtenção de matéria prima, que signifiquem a formação de ilhas de calor, com o concreto aumentando a temperatura do ambiente, principalmente pela remoção das árvores, como visto a poucos dias em Porto Alegre, onde um imenso Guapuruvu foi cortado sem a mínima necessidade, para dar espaço para um edifício, que podia ser realocado por centímetros, salvando a árvore.

Estas ilhas de calor formadas pela concentração de áreas edificadas, transformam o ambiente urbano, provocando mudanças climáticas em pequenas áreas, mas o somatório destas pequenas áreas de uma cidade, provocam mudanças climáticas em uma região inteira, que se somando são os fatores geradores das mudanças climáticas que sofre o nosso planeta.

Planos Diretores que não prevejam tais condições, são Planos Diretores que levam a construção de cidades doentes.

Doentes pelo calor que armazenam, doentes pelo esgoto que lançam em seus rios, doentes pelos resíduos que não conseguem reabsorver nos seus processos produtivos.

A humanidade parece apresentar alguns poucos suspiros no sentido de entender a complexidade do momento, pois mesmo com um Papa falando de nossa Casa Mãe, mesmo com a Organização das Nações Unidas (ONU), nos seus encontros de cúpulas, alertando para a necessidade de praticarmos a sustentabilidade e pararmos de apenas falarmos nela, mesmo assim ainda as boiadas passam em nossos parlamentos, através da desestruturação de todo o Sistema de Gestão Ambiental, que deveria evoluir, mas que nas últimas décadas só vem regredindo, com a passagem de muitas boiadas.

E qual a tarefa de nossas cidades?

Muito tem se falado na palavra resiliência, na maioria das vezes de forma errada, pois resiliência é um conceito que vem da Mecânica dos Sólidos e representa o quanto um material pode sofrer de esforço até que se deforme em definitivo, na Mecânica se quero mudar a resiliência, tenho que mudar o material, ou alterar as suas propriedades para que aguente as pressões que preciso para atender as condições do meu projeto.

Ao se falar em aumentar a resiliência das cidades, estaríamos dizendo que temos que mudar as cidades para a nova realidade, numa posição extremamente passiva, frente as mudanças climáticas. Só que assim como na Mecânica dos Sólidos, o material de maior resiliência pode ser inviável financeiramente.

Nas cidades o mais barato é atacar as fontes das mudanças climáticas, com políticas públicas que envolvam o transporte urbano, utilizando veículos elétricos e não a combustão; com políticas que reduzam a geração de resíduos, ou que leve ao aumento do reaproveitamento dos resíduos que não sejam possíveis de serem evitados, aumentando a coleta seletiva e a consequente reciclagem; aumentando a compostagem, com o retorno de toneladas de resíduos que deixarão de irem para os aterros, indo para a agricultura, inclusive reduzindo nossa dependência de adubos químicos importados; evitando que os esgotos cheguem em nossos recursos hídricos, pois lá irão gerar metano de forma descontrolada e sem a mínima possibilidade de reaproveitamento, o que é possível através das Estações de Tratamento de Esgoto; preservando a arborização da cidade, com corredores vegetais de forma a criar conexão não só para os animais silvestres, mas também para a circulação do ar.

Concluindo, muito temos por fazer numa cidade para a redução dos fatores que causam as mudanças climáticas e Adiarmos o Fim do Mundo, como nos pede nosso Imortal Ailton Krenak.

* Darci Barnech Campani, Engenheiro Agrônomo, Professor da Escola de Engenharia da Ufrgs e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Núcleo Porto Alegre.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko