Rio Grande do Sul

LITERATURA

Letícia Chimini lança livro que une campesinato, militância e pesquisa acadêmica

‘A Questão Agrária no Capitalismo Dependente’ será lançado neste domingo (14), na 30ª Feicoop, em Santa Maria

Brasil de Fato | Santa Maria |
O lançamento nacional do livro ocorre em um espaço simbólico no domingo (14), durante a programação da 30ª Feira Internacional da Economia Solidária e Cooperativismo, em Santa Maria - Divulgação

Uma voz camponesa que se expressa com força, determinação e legitimidade, mergulhando nos aspectos que fundamentam não apenas uma luta social, mas uma classe – a classe camponesa. Essa é a impressão que se tem ao percorrer as páginas do livro “A Questão Agrária no Capitalismo Dependente: Elementos da Questão Social e a Resistência do Campesinato Brasileiro”, resultado da tese de doutoramento da autora, Letícia Chimini – porém mais do que isso, resultado de uma vida inteira de militância e afirmação.

O lançamento nacional do livro ocorre em um espaço simbólico no domingo próximo (14), durante a programação da 30ª Feira Internacional da Economia Solidária e Cooperativismo, em Santa Maria. Nada mais justo que o evento que mantém viva a utopia do Fórum Social Mundial – “Um outro mundo é possível!” – abra espaço para esta voz, feminina e camponesa, apresentar seu livro e enunciar também as suas lutas e utopias.

O Brasil de Fato teve acesso a parte da obra e conversou com a autora para reforçar o convite para o lançamento, mas sobretudo chamar para a leitura deste livro que já nasce com status de essencial para a compreensão do papel do campesinato na luta de classes e suas ressignificações construídas ao longo do tempo e que culminam neste período histórico repleto de desafios e contradições.

“Essa pesquisa foi inspirada por preocupações coletivas, profissionais e políticas, provenientes da vivência de 18 anos com os movimentos sociais do campo, sobretudo com o Movimento das Pequenas e Pequenos Agricultores”, comenta Letícia logo no início da conversa. “Foi atuando junto ao MPA que a perspectiva histórica, dialética e crítica, forjada na construção desta assistente social, pesquisadora, mulher adensou-se e estimulou as reflexões sobre a importância de desvendar a realidade e seus recursos sociais e de que forma essa construção pode contribuir para a emancipação social.”

Letícia Chimini também será a convidada desta semana no podcast De Fato, a ser exibido no sábado (13), às 11h, nos canais do Youtube do BdF-RS e nacional, onde a publicação será colocada em debate com os apresentadores Katia Marko e Ayrton Centeno.

Ao longo dos anos quem tem acompanhado as falas da autora nos diferentes espaços – desde a roça até a mais alta instância da pesquisa acadêmica – se recordará de sua insistência a respeito da necessidade do despertar para a consciência de classe e, sobretudo, da necessidade de se compreender a ressignificação do processo de luta de classes na sociedade contemporânea. Dito isso, não surpreende que o embasamento teórico da publicação seja a teoria social de Karl Marx, “tendo o método da economia política utilizado, como forma que dá coesão entre a teoria e a prática e para os vários desvelamentos e resultados da pesquisa, que têm total implicação com o objeto, que, ao mesmo tempo, é o sujeito da tese: o campesinato organizado”.

O livro aborda os processos emancipatórios na América Latina, com foco na questão agrária no Brasil e na atuação do campesinato frente ao avanço do capital entre os anos de 1960 e 2020. “A questão agrária perpassa pela questão social e ambas têm uma origem comum: a exploração da América Latina, de capitalismo dependente, que resulta em desigualdade no acesso à terra e na fome como causa e consequência do sistema capitalista. E todas essas categorias e conceitos são abordados, com o intento, também, de contribuir com a compreensão de termos que utilizamos no cotidiano”, explica a autora.

Campesinato como sujeito político

A obra destaca o campesinato como sujeito político de uma história marcada por expropriação, mas também pela resistência, desempenhando um papel fundamental na superação das crises geradas pelo capital. “No entanto, além de superar as crises periódicas, é necessário construir novas formas de organização da sociedade que não se baseiem na exploração da força de trabalho e no acúmulo de capital”, afirma Letícia.

A autora aponta ainda que no livro “são desvelados processos geradores de autonomia, defesa dos direitos humanos, fortalecimento das identidades coletivas, produção agroecológica e formas de circulação que redirecionam a renda, tudo isso como resistência ao sistema capitalista, anunciando o campesinato como um sujeito político e revolucionário em uma sociedade em construção”.

Segundo ela, a escrita dá sentido às vivências, aos processos de trabalho, às constantes trocas e aprendizados, que transcendem, em muito, a academia e se coloca para um rural diverso e cada vez mais ameaçado pelo agronegócio e por aqueles que o defende. “Um sentido que atenta para a prática revolucionária e para as teorias revolucionárias e que as orientam. Um sentido que fez sentir e por isso fez sentido. Um sentido de luta, de razão e que perpassa todos os dias pelo trabalho profissional de um cotidiano encoberto de aparências.”

Dito isso, será que Letícia Chimini considera a “tarefa” cumprida com a materialização de seus escritos no livro a ser lançado? A resposta não surpreende: “Tenho a pretensão de contribuir e de somar. Não dou como um projeto pronto. A história está sempre em construção e as teorias que se fazem a partir dela também. Assim sendo, tenho a humilde certeza de que esse livro se completará com o sentido e a percepção das leitoras e leitores e suas resistências”. A leitura, portanto – e aqui falamos nós, não a autora – faz com que o livro deixe de ser expressão da luta para ressignificar-se como instrumento de luta.

Impressões

Rosíele Lüdtke, da coordenação do Coletivo de Gênero do MPA, ressalta a importância da publicação, que representa a opção da autora em manter um pé na luta e outro na academia. 

“Retrata claramente a importância da construção da soberania pelo campesinato ao construir ferramentas para garantir a sua reprodução social ao mesmo tempo em que busca superar a sociedade Capitalista que tudo expropria e mercantiliza”.

Para Rosiele, que é camponesa, e mestra em Agroecologia, portanto também dividindo seu tempo entre a produção, a militância e a pesquisa, a forma dialética que o Campesinato realiza a construção da sua autonomia/soberania é uma das formas de enfrentamento ao avanço do capital:

“O trabalho da Letícia, faz a gente pensar um rural brasileiro livre e soberano, no qual seus sujeitos possam desenvolver suas atividades, sendo protagonistas de um processo revolucionário, que possa contar com políticas públicas e através de processos coletivos, dos movimentos sociais e conjunto de organizações que compõem a Via Campesina, possam fortalecer as lutas de enfrentamento do capital em todos os territórios.”

“Em tempos de propaganda massiva para convencer que o ‘Agro é Pop’, o ‘Agro é Tech’, fazer o contraponto é um ato revolucionário”, afirma o economista e mestre em Política Social e Serviço Social, Herval de Souza Vieira Jr. “Letícia consegue com maestria demonstrar que não há nada de moderno e tecnológico no agronegócio brasileiro, exceto a crescente quantidade de venenos contida na comida que comemos”.

Para ele, que assina a apresentação da publicação, “o livro vai além da descrição de que a formação social e econômica do Brasil foi, e continua sendo sustentada na violência, no latifúndio, na monocultura para exportação e com base no trabalho compulsório, a grande contribuição é demonstrar que é o movimento organizado dos/as camponeses/as que impõe limites ao avanço capital sobre terras alheias, não é o Estado com suas leis e aparatos reguladores, mas sim a luta e a resistência do povo organizado do campo, de norte a sul do Brasil. Para ele está dado que ao mostrar a história de lutas do povo do campo, “a história que a história não conta”, Letícia fornece subsídios teóricos e energia para a luta coletiva por uma nova ordem societária.

“A tese de Chimini comprova que a forma mercantil simples com que o campesinato lida na produção de valores de uso e a necessidade de acessar meios como financiamento, assistência técnica e canais de distribuição dos bens que produz para a sociedade – alimentos saudáveis e livres de venenos – é um elemento que se vê atravessado e antagonizados pelas tendências dominantes do padrão de reprodução do capital e do ciclo do capital na economia dependente, as quais se enfrenta. E consiste em uma das batalhas mais importantes na construção de um novo porvir”, aponta Mathias Seibel Luce, professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Este livro entrega uma contribuição destacada para o Serviço Social Crítico, para a teoria marxista da dependência e para as lutas de que participa, ao demonstrar como um movimento cuja gênese imediata esteve relacionada à demanda por uma política social mediante a reivindicação de um ‘auxílio seca’, foi trilhando um admirável caminho, como um dos protagonistas de um sujeito coletivo e poderoso movimento popular, que disputa os rumos da sociedade e questiona a lógica do padrão de reprodução do capital, em defesa daqueles e daquelas que produzem a riqueza, mas são expropriados do que lhes verdadeiramente pertence. Mas os quais podem assumir as rédeas de seu destino contribuindo, ao emancipar a si próprios, para o processo de emancipação de toda a humanidade.”

Serviço:

- O que? Lançamento do Livro ‘A Questão Agrária no Capitalismo Dependente: Elementos da Questão Social e a Resistência do Campesinato Brasileiro’

- Onde? Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter, Santa Maria, RS

- Quando? Dia 14/07/2024, às 9h

- Quanto? O livro está à venda pelo site da Editora Apriss ou diretamente com a autora, pelo valor de R$ 68,00

- Observação: O lançamento do livro faz parte da programação oficial da 30ª Feicoop, o acesso ao território do evento é gratuito.


Edição: Katia Marko