É hora de eliminar tudo que nos envenena e recuperar o espírito gaúcho
Segredos são venenos. Disso não há quem duvide. Ter que esconder segredos torna as pessoas amargas. E o medo do auto desmascaramento, que sempre ocorre no final da história, acaba obrigando a cautelas que entre parentes e amigos só contribuem para reduzir a naturalidade e a importância dos relacionamentos positivos.
Além do mais, a ocultação da verdade provoca sofrimentos que geram doenças de fundo psicossomático. Por isso, na cumplicidade com pessoas que não nos merecem, na ocultação de segredos que, se desvelados, contribuiriam para avanços na qualidade de vida de todos, ocorre algo que opera como veneno para a sociedade. Nestes casos, a saída, a cura, está na coragem da revelação. Afinal, e não há quem o ignore: a verdade liberta e a coragem contagia.
Mas isto tende a ser especialmente difícil de ser realizado quando envolve também a necessidade de reconhecer (e assumir) o fato de que, não raro, nos permitimos ser parte do problema.
Ocorre com frequência. A população é generosa, muitas vezes se deixa envolver por promotores do ódio, e assim eventualmente acaba contribuindo para a fragilização do que nos é mais caro. Mas isso, quando ocorre, não dura muito tempo. E é neste sentido que vejo enorme mérito na coragem daqueles que assumem a necessidade de romper com alianças que mantiveram em favor de atores sociais que hoje estão sendo desmascarados.
Me refiro especificamente a políticos daqueles grupos que historicamente vêm contribuindo para a tragédia ambiental e a degradação moral que hoje afeta a vida de todos os gaúchos. Eles estão sendo postos a nu e os moradores das regiões destruídas pela água, que nos últimos anos votaram em favor daqueles golpistas, estão acordando para isso.
Eles sabem, e é importante destacar que a necessidade de reformular conceitos e avançar por outros rumos, com outros parceiros, corresponde a algo tão importante e difícil como a realização de corte em nó cego invisível e psicologicamente profundo.
É uma realidade triste que este Estado e cidades do RS que já estiveram na liderança da consciência política nacional, atualmente, por descuidos do nosso povo para com a escolha de representações políticas responsáveis, sofram a consequência das administrações que se instalaram entre nós depois da consolidação do antipetismo.
Gestores e legisladores envolvidos com mecanismos de degradação da democracia participativa, afiliados menores de um agronegócio ecocida que dilapida o território gaúcho, subordinados a interesses que operam como metástase destrutiva da civilidade em escala internacional, e cavalgando sobre a mentira de um Estado mínimo que na real é Máximo para os milionários, assumiram o controle do navio e nos trouxeram ao caos.
Nada ilustra melhor este fato do que as consequências da vista grossa dos prefeitos que controlaram Porto Alegre nos últimos 20 anos. O descaso em relação à importância dos muros e portões da Mauá, o abandono das bombas do DMAE/DEP, da limpeza dos esgotos e da qualidade/credibilidade dos serviços públicos abriu oportunidades de negócio que não ocorreriam em situação de normalidade.
Para o capitalismo da catástrofe aqui estão disponíveis alternativas inéditas para lucros extraordinários: as áreas inundadas, que perderam valor, serão compradas a preço de banana e, após incorporadas ao patrimônio das empresas que comandam a cidade, serão recuperadas por investimentos custeados com recursos repassados pelo governo federal petista.
Não é difícil entender que os responsáveis, pessoas transformadas em produtos do mercado político da direita afirmem que não é hora de buscar culpados. Se colocam como vítimas do acaso e são protegidos pelas mídias controladas por seus donos.
Confiam numa impunidade que não ocorrerá.
Está crescendo a consciência social dos gaúchos em relação a quem é quem na política regional. Em outubro, todos lembrarão das diferenças que existem entre as pessoas que trabalham pela redução das desigualdades e todo o vasto leque de golpistas associados àquela família que comprou dezenas de imóveis em dinheiro vivo. Aqueles criminosos e seus cúmplices concentrados entre nós, estão desmascarados e, se a justiça acontecer, serão punidos como os bagrinhos do 8 de janeiro.
Aliás espera-se mais. Espera-se que em nome da justiça também sejam punidos todos os maus brasileiros envolvidos com o acobertamento das maracutaias que elevaram a 700 mil o número de mortos pela covid, com as privatizações entreguistas, com a destruição das leis protetivas ao ambiente, com o criminoso teto de gastos e as chantagens promovidas pelas bancadas do boi-bala-bíblia-agropop sobre o governo Lula.
O fato do qual não há como escapar é simples: a trajetória em vida corresponde a uma disputa interior, individual, onde o marketing pode ajudar, mas não é suficiente e nem garantido. Suspensas as verbas, some a proteção. E ao fim das contas, toda pessoa se revelará pelas atitudes que tomou durante a vida. Aliás, onde estão aqueles políticos que no passado tratavam de enxovalhar o Brizola? Seus filhos e netos, hoje, não andam de cabeça baixa pelas ruas?
Enfim, e ainda que a justiça formal lhes falte, o julgamento social, da história, com as chacotas em bares, o desprezo dos vizinhos e a vergonha dos netos será inevitável.
Nosso papel neste processo de recuperação do espírito gaúcho exigirá empenho no esclarecimento e na acolhida de todos que foram por eles enganados, para que juntos tratemos da eliminação do que nos envenena e da extirpação de todas as células cancerígenas.
Ou fazemos isso, juntos, ou o medo da chuva, nunca mais nos permitirá dormir em paz.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko