Uma heroína de Troia transformada em uma migrante de nossos tempos. Em Kassandra, do dramaturgo Sergio Blanco, a personagem mítica assume a voz da atemporalidade, pois se refere aos acontecimentos que levaram à Guerra de Troia com a mesma naturalidade que conta da sua predileção pelo Bugs Bunny (Pernalonga), chora a perda da sua família lendária, fala de seus amantes, tenta vender cigarros Marlboro ao público ou se oferece para adivinhar-lhes o futuro.
A heroína de Blanco se perde nas palavras de uma língua que não é a sua, um inglês risível que fala com dificuldade. Kassandra - a estrangeira - acolhe o público e se entrega a ele, contando-se sem filtros, através de um texto irônico, com forte humor, mas profundamente comovente, que fala de hoje através do mito. Através das suas histórias passadas, a personagem remete ao nosso presente.
A encenação de Kassandra transforma o Estúdio Stravaganza em um bar noturno - o Stravaganza Night Club, um espaço underground e de gosto duvidoso que traz uma atmosfera autêntica e imersiva para os mistérios a serem desvendados durante a performance que poderá ser vista nos dias 5, 6, 7, 12, 19 e 26 de julho, sempre às 20h. O bar abre a partir das 19h.
Além de proporcionar uma experiência teatral diversa, a proposta da montagem é mergulhar o espectador na narrativa de Sergio Blanco de uma maneira visceral, criando uma sensação de intimidade e proximidade e convidando o público a se envolver profundamente com a história de Kassandra.
Os elementos do cenário, como a iluminação sutil e a música ambiente, contribuem para criar uma ambientação vívida, onde os limites entre o palco e a plateia se dissolvem.
Sergio Blanco é um dos maiores dramaturgos de língua espanhola da atualidade. As suas obras são de uma profundidade, um rigor, uma intensidade e uma inteligência que são literalmente excepcionais nestes tempos de leveza. E ao fundo, sempre, a tensão entre os dois princípios talvez mais permanentes e sombrios do teatro: a morte e o jogo. Princípios também presentes em Kassandra, que é sua peça de maior difusão internacional, tanto em montagens como em edições.
A sobrevivência de Kassandra no campo teatral graças a diversas produções e à sua projeção internacional mostram uma ligação com aspectos sensíveis da nossa vida contemporânea, como a marginalidade, a exclusão, a imigração ou a dissidência sexual.
Em cena, a atriz e bailarina trans Estrela Dinn, graduada em Direção Teatral pela Ufrgs em 2014, e que desde 2006 participa de projetos artísticos diversos nos palcos gaúchos, é a intérprete-criadora de Kassandra.
Os ensaios iniciaram em março de 2024 e esse é o primeiro solo da atriz. "Essa parceria me fez muito feliz, pois ela (diretora) transformou o processo de ensaio quase que num playground, para que eu pudesse explorar, improvisar, estudar, entender as dinâmicas e os mecanismos. Ela buscou diversas maneiras para que eu pudesse encarar esse texto e essa história. Para que ela pudesse não só ser contada por mim, mas que me atravessasse."
A direção é de Adriane Mottola, diretora artística da Cia Stravaganza, com mais de 40 anos de trajetória no teatro gaúcho.
Edição: Katia Marko