Um incêndio se alastrou por uma extensa área de vegetação do Morro Santana, em Porto Alegre, na quarta-feira (3), e rapidamente a notícia se espalhou pelas redes sociais. Vídeos mostram moradores tentando apagar os focos de incêndio que iniciaram durante a tarde e se aproximaram de suas residências. A contenção do fogo pelo Corpo de Bombeiros encerrou perto da meia-noite e, na manhã desta quinta-feira (4), a Capital acordou com um rastro de cinzas sobre o morro.
A página no Instagram do Preserve Morro Santana, vinculado ao programa de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), construído por coletivos territorializados na região, deu ampla visibilidade ao incêndio e aos pedidos de socorro da população. Há relatos de que os canais oficiais dos Bombeiros não estavam atendendo os contatos.
Um dos moradores mais antigos do Morro Santana, há 37 anos, Paulo César Oliveira, de 69 anos e mais conhecido como Paulinho, critica a demora dos Bombeiros em chegar no local. Segundo ele, restou aos moradores “apagar o fogo no galho e na mão”, a fim de evitar que suas casas queimassem. Ele conta que ligou às 14h para a corporação, mas que o efetivo só chegou às 19h30.
O Preserve Morro Santana tambem lançou uma nota em que aponta problemas relacionados à demora dos Bombeiros. Além disso, destaca a dificuldade em apurar a origem do fogo e o racismo ambiental sofrido pela população da região, lembrando que "quem mais sofre com os eventos climáticos extremos são os mais pobres, que devido a falta de políticas de habitação popular são pressionados a morar em locais de risco".
"Cinco horas de fogo, era um pavor"
“Foram cinco horas de fogo com vento, era um pavor, era medo, choro, corre-corre, eram 100 pessoas correndo pra lá e pra cá. Se o fogo continuasse por mais dez minutos a gente não tinha mais casa”, relata, chateado com a situação.
Paulinho, que é instrutor de trilha do Morro Santana, lamenta a situação dos moradores da região, que segundo ele estão esquecidos e abandonados pelo poder público. Ele lembra que o local é uma área de preservação que conta inclusive com nascentes, mas chama a atenção para o perigo constante que a comunidade enfrenta pela especulação imobiliária.
O comandante do 1º Batalhão de Bombeiros Militares, tenente-coronel Lúcio Júnior Lemes da Silva, afirma que o efetivo total que o Corpo de Bombeiros utilizou chegou a 60 oficiais. “Foram cinco guarnições,viaturas de combate a incêndio, mais uma viatura e uma equipe do Batalhão de Busca e Salvamento, mais um pelotão de alunos em formação.”
Segundo ele, a primeira guarnição foi despachada por volta de 14h15 da tarde para fazer o combate em três focos de incêndio numa parte do Morro Santana, em local de difícil acesso, onde ficou até o final da tarde. “Momento em que houve a ignição de outros focos em razão do aumento do vento, da virada do vento, que fez com que o incêndio se alastrasse em parte de cima do morro e descendo em direção ao pé do morro, próximo às residências”, quando foi deslocado o restante do efetivo.
O tenente-coronel Lúcio avalia que a população pode não ter visto o combate pelos Bombeiros desde a tarde porque o morro é grande. “Se eu tenho uma equipe atuando em um lado do morro, eu não tenho a visão do outro lado, e às vezes até da parte de cima. Então as pessoas, com certeza, não viram as equipes que estavam, inicialmente atuando lá”, diz.
Ele confirma que o início do combate na área próxima às residências foi feito pelos moradores. “Até a chegada das nossas viaturas que fizeram efetivamente o combate, através do estabelecimento de linhas de mangueira, evitando que o incêndio chegasse próximo às residências”, afirma. Conforme o oficial, as chamas chegaram a cerca de 15 metros das casas.
A Defesa Civil de Porto Alegre também esteve presente no Morro Santana para prestar informações sobre o incêndio aos moradores. Chegou a orientar a evacuação das proximidades em função do vento forte, que aproximou as chamas das residências. Com o fogo controlado, o órgão informou que não houve necessidade de remoções.
Local de incêndios constantes
O tenente-coronel Lúcio aponta que não há como dizer qual a causa do incidente, mas que somente 3% dos incêndios em vegetação ocorrem devido a um evento natural, como queda de raio. "O restante, 97% das ocorrências e incêndios em vegetação, são decorrentes da ação humana. Ou seja, o uso indevido do fogo, seja para colocar fogo no lixo, seja para fazer a limpeza das podas de vegetação, seja para daqui a pouco queimar algum tipo de metal, de fiação, ou alguma outra situação."
Incêndios no Morro Santana ocorrem com frequência, recorda Paulinho. O morador desconfia que os casos são atos criminosos relacionados com a especulação imobiliária "pra correr com o pobre".
Ausência de manejo
Segundo o professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Ufrgs, Valério Pillar, a vegetação do local “é formada predominantemente por campos nas encostas norte e oeste, que na ausência de manejo, acumulam biomassa inflamável”. Já as matas do morro, na encosta sul, não sofreram danos.
“Esses campos fazem parte do bioma Pampa. As espécies de plantas que os caracterizam, além de serem muito bem adaptadas ao uso pastoril pelo gado bovino, equino e ovino (ausente no Morro Santana), também o são ao fogo, principalmente pela capacidade de rebrotarem em poucas semanas após uma queimada”, afirma.
O professor explica que esse remanescente do bioma não sofre as mesmas ameaças que regiões do interior afetadas pela expansão da agricultura, “principal atividade que causa perda dos campos nativos no Rio Grande do Sul”. Na verdade, “a principal ameaça aos campos dos morros de Porto Alegre, além da expansão urbana, é a ausência de manejo”, o que aumenta o risco de incêndios.
“Esses campos precisam de manejo", reforça Pillar. "Há algumas décadas, sugeri à prefeitura que promovesse o uso pastoril dos morros de Porto Alegre pelos cavalos de carroceiros”, conta o professor. Segundo ele, queimadas prescritas e uso pastoril reduziriam os riscos de incêndios.
Edição: Katia Marko