Está difícil suportar o papo do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para justificar a manutenção dos juros altos (hoje a taxa é de 10,50% ano). Ele é inflexível, só vê o invisível, ou mais do que visível, dependendo de como se olha o cenário econômico, o tal de mercado financeiro. Este tal mercado é especulativo, assanhado, só vê o horizonte de lucros fenomenais. Os efeitos das falas irritam e deixam o presidente Lula fulo da vida. Ele quer governar, criar uma dinâmica mais social, em favor dos desfavorecidos e oprimidos, e só é atacado.
Os jornalões, da chamada mídia corporativa ou tradicional, que estão com tiragens abaixo da linha do Equador (a Folha de São Paulo, por exemplo, tão chata e arrogante em suas análises, tem apenas 64 mil exemplares por edição) se acham no direito de garantir que só Lula tem culpa. O acusam diariamente, nos noticiários e nos seus editoriais, de ser o responsável pela alta do dólar, com consequências para a inflação, alta de preços e economia descendo a escadaria de dois em dois degraus.
Bolsonarista, defensor de corpo e alma do liberalismo total, formado nos Estados Unidos, Campos Neto é um fascista econômico. Só vê a Faria Lima – a rua financeira de São Paulo – no seu ângulo de visão. A periferia, para ele, é uma chatice, lugar a ser evitado, a ser rejeitado no desenrolar das suas teses. As questões próprias de um país pobre, do tempo das cavernas, do tempo do troca-troca, devem ser deixadas bem longe do seu radar. Ele é um defensor inato e perspicaz da manutenção do desequilíbrio social. Nós, mercado, aqui deste lado cheio de grama e campos de golfe; vocês, para lá, no outro canto, lutando por um prato de comida, ou sobrevivendo com salários magros, paupérrimos, que mal dão para o feijão e arroz e um pedaço de carne de vez em quando.
Roberto Campos Neto não é o joãozinho do passo certo que os jornalões e os economistas de plantão sempre acharam que ele era. Os jornalões ou jornalecos o defendem com unhas e dentes. Com clareza ou com subterfúgios. Em outubro de 2021, por exemplo, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos revelou nos mais importantes veículos da imprensa mundial que 35 líderes de nações, atuais e antigos chefes de Estado, além de 300 funcionários públicos de diversos países escondiam dinheiro, por meio de empresas offshore, em paraísos fiscais.
O escândalo batizado de Pandora Papers jogou luz sobre a dinheirama mocozada por milionários e bilionários em diversos países. No Brasil, 2 mil ricaços foram identificados como sócios de empresas abertas em paraísos fiscais. Entre eles, dois funcionários públicos pegos com a boca na botija: o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, segundo revelou o Focus Brasil, da Fundação Perseu Abramo.
Guedes sempre foi rico, mas sempre quer mais, achou que, sem ele, o Brasil ia virar uma Venezuela até o fim de 2023. Errou feio e merece uma sonora vaia. Foi uma declaração magoada e ressentida de quem perdeu a eleição junto com o seu guru, Jair Bolsonaro. Mas ele sacaneava o país que ele devia defender como ministro da Economia ao manter offshore no exterior e ganhando horrores de dinheiro por lá.
Já Campos Neto, o cara que devia guardar e preservar como cão de guarda a moeda brasileira, como é o papel de um dirigente do BC, era dono da Cor Assets S.A., uma offshore no Panamá, paraíso fiscal situado na América Central, com capital de US$ 1,09 milhão de dólares. Depois de ser denunciado, demorou quase dois anos para fechar a empresa. Neste período ele teve acesso a dados estratégicos, como câmbio e taxas de juros, capazes de afetar positivamente seus investimentos lá fora.
Em julho do 2020, por exemplo, assinou uma portaria mudando as regras para a declaração de ativos no exterior. Até então, todo brasileiro que tivesse mais de US$ 100 mil fora do país tinha que informar o BC. Com a portaria, o valor subiu para 1 milhão de dólares – uma mudança que, dizem especialistas e gente do mercado financeiro, reduziu a transparência dos investimentos de brasileiros no exterior, conforme o Focus Brasil.
Pois é, isso é bonito, legal, justo? Claro que não, hoje Campos Neto se acha o justiceiro do mercado. Sabe-se lá o que esconde atrás de suas explicações mirabolantes para a manutenção dos juros altos. Raros são os economistas conscientes que acham que o BC deve ter atuação dupla: regular o mercado, controlar a moeda, mas também enxergar, ver, analisar, o que se passa com a classe média e com os pobres. Não encher apenas os cofres de quem só pensa em ganhar com suas especulações com o dólar, com a bolsa e com o mercado de commodities (produtos básicos não industrializados), que dá mais grana para o agronegócio com a moeda americana em alta.
Então, esta falácia de Campos Neto merece uma advertência, como Lula tem feito. Querem calar o presidente, querem que ele fique em silêncio, sem o direito de falar, criticar e expor suas dúvidas. Ele quer governar para os que o elegeram e não está conseguindo fazer isso na integralidade dos seus desejos.
* Jornalista
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko