Rio Grande do Sul

Crise climática

Obras da Fraport enfraqueceram Sistema de Proteção Contra Cheias de Porto Alegre, denuncia deputado

Matheus Gomes (PSOL) teve acesso a documentos que apontam que ampliação do aeroporto não seguiu diretrizes obrigatórias

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O Aeroporto Internacional Salgado Filho ficou por mais de 30 dias inundado pela enchente - Foto: Ricardo Stuckert

O deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) denunciou, nesta quinta-feira (27), com base em diversos documentos, que as obras para ampliação do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, realizada pela Fraport, fragilizaram o Sistema de Proteção Contra Cheias (SPCC) de Porto Alegre. O que potencialmente agravou a inundação que atingiu a Zona Norte entre maio e junho, uma das regiões mais afetadas da capital gaúcha. 

O Aeroporto Internacional Salgado Filho ficou por mais de 30 dias inundado pela enchente que atingiu o Rio Grande do Sul. A água acumulou tanto na área externa, onde fica a pista de partida dos aviões, quanto na interna, em que estão áreas de embarque, desembarque, esteiras de bagagem e lojas. 

De acordo com a denúncia, os problemas iniciaram ainda em 2017, quando a empresa Fraport ganhou a concessão e iniciou o processo junto ao Executivo municipal a fim de aprovar o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) para permissão das obras de ampliação de infraestrutura, incluindo a ampliação da pista, novo terminal e prédio do estacionamento.

A denúncia teve como base  documentos do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), da Fraport, além de pareceres técnicos, como da Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge) e atas de reuniões. 

“A Fraport desde o princípio das tratativas com o Poder Público municipal, em novembro de 2017, sobre o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) para as obras de ampliação do aeroporto de Porto Alegre e adequações do sistema de drenagem detinha conhecimento dos riscos de cheias e enchentes do sítio portuário e do entorno imediato”, frisa a denúncia. 

Em março de 2018, a Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento analisou e aprovou o EVU a partir de diretrizes obrigatórias estabelecidas pelo DEP. Estas diretrizes foram colocadas como condicionantes para a aprovação porque o sistema de proteção contra cheias passa por dentro do aeroporto.

Entre as medidas exigidas, estavam:

1) Que a drenagem do aeroporto deveria escoar para o Arroio Areia e de que não poderia sobrecarregar a Casa de Bombas nº 6, localizada na Av. dos Estados;

2) Que a Fraport atualizasse os dados dos cálculos hidráulicos sobre o escoamento do Salgado Filho para o rio Gravataí e o sistema de drenagem da região para que fosse possível identificar a necessidade de obras de adequação.

Alertas do DEP ignorados sobre perigos das obras

Segundo aponta a denúncia, a Fraport apresentou ao DEP o projeto de drenagem do aeroporto, em outubro de 2018, contendo uma série de imprecisões e erros que iam contra as diretrizes do EVU aprovado anteriormente. “No entanto, o processo sofreu diversas interferências políticas de cargos comissionados da gestão de Nelson Marchezan Júnior, o que permitiu o andamento das obras”, ressalta Matheus Gomes.

Ainda no material obtido pelo parlamentar, durante todo o processo, os engenheiros do DEP tentaram alertar para os perigos que as obras da Fraport representariam para o Sistema de Proteção Contra Cheias de Porto Alegre, mas foram ignorados.

Em 2019, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), órgão que tem a responsabilidade de fazer a aprovação final de processos de licenciamento, tem a análise das obras interrompidas. O que, segundo aponta a denúncia, teria sido devido à interferência de um cargo comissionado do ex-prefeito Marchezan.

“Logo depois, a Fraport inicia as obras mesmo sem apresentar as adequações ao projeto ao que os engenheiros do DEP tomam providências para tentar impedir. Nesse momento, outro CC do prefeito Marchezan dá aval para as obras, sem fazer análise técnica do projeto. Dessa forma, a Fraport segue com as obras e não aceita nenhum tipo de fiscalização da prefeitura”, afirma.

De acordo com os documentos divulgados pelo deputado, ao longo de todo o processo houve uma série de troca de documentos a respeito da fiscalização das obras, o que foi acompanhado pela Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público (MPRS).

 
Vistorias foram feitas somente com obras já concluídas

Técnicos do município só realizaram vistoria entre 2021 e 2022 com as obras já concluídas, na gestão de Sebastião Melo (MDB). O relatório da visita afirma que a obra apresentada divergia das orientações apresentadas pelo DEP no início das obras. De acordo com a denúncia o Executivo municipal não questionou e nem impôs correções das irregularidades em relação às diretrizes .

Os documentos pontuam diversas mudanças estruturais no sistema de drenagem do terreno onde se encontra o aeroporto e na integridade dos diques realizadas pela Fraport. O que acarretou em uma alteração na região, criando uma espécie de sistema de drenagem concorrente com o Sistema de Prevenção Contra Enchentes. Os elementos indicam que as alterações levaram ao seu enfraquecimento e podem ter agravado os alagamentos na região durante a enchente de maio deste ano.

Conforme afirmou Gomes, todos os documentos serão encaminhados ao Ministério da Reconstrução, à Agência Nacional de Aviação Civil, responsáveis pela fiscalização do contrato, e também ao Ministério Público do Rio Grande do Sul e ao Ministério Público Federal.

“A multinacional Fraport tem lucros bilionários e deve ser responsabilizada pelos seus atos. Todos esses erros cometidos com a conivência dos prefeitos Marchezan e Sebastião Melo não podem ser esquecidos, muito menos pagos com o dinheiro da população”, afirma o parlamentar. 

Após a denúncia, o vereador Giovani Culau (PCdoB) informou que protocolou na Câmara de Porto Alegre uma Comissão Especial para investigar as obras feitas pela Fraport.

O Brasil de Fato RS entrou em contato com a prefeitura de Porto Alegre solicitando um posicionamento. Através do Dmae, o Executivo informa que a denúncia não veio até a prefeitura e que teve conhecimento pelas redes sociais. Contudo, informa que será verificada internamente. O espaço segue aberto para manifestação.

A redação também entrou em contato com a Fraport. Até o fechamento não obtivemos resposta. Espaço segue aberto para manifestação. 


Edição: Marcelo Ferreira