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Maria da Conceição Tavares: uma economista sempre à esquerda

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Em entrevista recente, Maria da Conceição Tavares se dizia confiante no futuro do Brasil: 'Eu não desisto desse país' - Fernando Frazão/Agência Brasil
As pessoas não comem PIB, comem alimentos

“Se você não se preocupa com justiça social, com quem paga a conta, você não é um economista sério. Você é um tecnocrata”.

Maria da Conceição Tavares, autora da frase acima, foi a economista mais admirada por nós, estudantes de esquerda dos anos 70. Nesses anos, 70 e 80, ela participava de palestras e debates com muitos economistas, sociólogos, e outros cientistas de esquerda. Tanto na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, quanto nas melhores universidades em que foi professora, como Campinas, Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e nas palestras do Instituto Franco Montoro era uma presença marcante, eram momentos cheios de luz, alegria e esperança do que iríamos construir. 

Conforme sua visão, repetidamente referida: “As pessoas não comem PIB, comem alimentos”.

Sua morte, em 8 de junho, ocorre no contexto da decadência das políticas sociais e da ascensão sem limites do neoliberalismo e do machismo. Como é o caso do Projeto de Lei 1904, conhecido como PL do Estupro, ápice das propostas reacionárias desse atual quadro político.

Em 1994, Conceição sai do PMDB e filia-se ao PT, elegendo-se deputada federal de 1995 até 1999, tornando-se uma das mais críticas vozes contra a implementação do Plano Real, e também contra o Teto de Gastos, aprovado em 2016.

Recomendo, para quem quiser se aprofundar na obra da nossa Conceição, o livro Mais Além da Estagnação (Conceição e José Serra, 1998, Cepal), que procura dar uma explicação nova para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) durante a ditadura. Ela critica a teoria do crescer para depois distribuir, que aliás continua cada vez com mais vigor. O PIB já cresceu, já caiu, já estabilizou, mas a redução da miséria só ocorreu durante alguns períodos dos governos Lula e Dilma.

Conceição, como mulher, era uma ativista que não seguia uma única causa, mas múltiplas. Suas intervenções públicas eram tão radicais e ditas de forma tão explícita, que os políticos da ditadura, e mesmo os pós-ditadura, a rejeitavam muito. Mas na universidade era idolatrada, apesar de seu estilo truculento e inadaptado ao padrão feminino.

Pode-se dizer sem errar que Conceição era feminista na prática. Fazia críticas profundas e diretas à pequena participação de mulheres no Parlamento. As poucas representantes, dentre elas a própria Conceição, eram frequentemente agredidas pela maioria de seus colegas parlamentares e também acadêmicos. Os homens, mesmo os de esquerda, não gostavam de seus “modos” e, por isso, a criticavam. 

É interessante citar Mészáros, no livro Mais além do Capital (2002, Boitempo): “Todos os limites das classes sociais, a emancipação feminina comprova ser o ‘calcanhar de Aquiles’ do capital: ao demonstrar a total incompatibilidade de uma verdadeira igualdade com o sistema do capital”. 

O cerne da luta da Conceição como economista era pelo crescimento com igualdade. Atualmente, a situação se agravou. O Brasil já havia saído da linha de pobreza, mas não é o que se vê neste momento, apesar dos esforços do atual governo, enquanto a maioria dos economistas continua apegada à “teoria” de crescer para depois distribuir. A luta de Conceição era pela economia como ciência social.

O que nos cabe reforçar é a direitização de muitos economistas no Brasil, unindo-se à extrema direita internacional. E também a ascensão dos evangélicos.

Nesse contexto de declínio programado da chamada democracia capitalista, muitos movimentos sociais, como feministas, LGBTQIA, negritude, povos originários, luta pela moradia, sem terra etc, conseguiram barrar, ao menos parcialmente, a ascensão da extrema direita.

Como exemplo disso, a melhor forma de lembrar uma grande pensadora e ativista como Maria da Conceição Tavares é, quatro dias depois da sua morte, que a ocupação feita pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no prédio do INSS, em Porto Alegre, leve seu nome. Um prédio tão enorme quanto ela. 

* Clarisse Chiappini Castilhos é feminista desde os anos 70, economista aposentada. 

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira