Rio Grande do Sul

HISTÓRIA

Há 90 anos, Noite dos Longos Punhais transformou Alemanha em nazista

Chanceler, presidente e ditador Adolf Hitler elimina oposição e transforma país na mais cruel máquina de matar

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Adolf Hitler (1889-1945) é recebido por apoiadores em Nuremberg, em 1933 - Divulgação

No dia 30 de junho de 1934, há 90 anos, a história lembra a Noite dos Longos Punhais. Foi na noite deste dia que o nazismo se transformou radicalmente e virou um “rebanho” único, a mais feroz e cruel ditadura da humanidade de todos os tempos. A partir desta data, tudo que era teoria, hostilidade, brigas, tumultos nas ruas e mortes aqui e ali, virou regra e passo a passo acabou na Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Nesta noite, chamada pelos alemães de Nacht der Langen Messer, o nazismo de Adolf Hitler obrigou, aos poucos, os alemães a serem obedientes ao regime, do nascimento à morte.

Foi unanimidade na marra e nas ameaças. Obediência cega. Quem era nazista, era, quem não era, começou a conhecer o inferno. Foi inaugurada a maior “deduragem” de todos os tempos. Quase todo mundo entregava o vizinho, o amigo, o padrinho e até a mãe, se ela não comungasse das ideias dos novos tempos, salvo aquelas exceções que todo mundo sabe  – para eles estava reservado algo bem pior. O maior expurgo de nazistas não alinhados com a ideologia do partido também tinha que ser executado a qualquer custo em operação preparada com antecedência e rigor.

Assim, os amigos e aliados foram motivo de caçada impiedosa. Foi isso que aconteceu na Noite dos Longos Punhais. Eles representavam inquietação aos donos do poder e poderiam ser possíveis ou futuros inimigos ou golpistas. O principal alvo de Hitler, Herman Göring, Henrich Himmler e Reinhard Heydrich, os chefões do partido, era acabar com os milicianos nazistas, os Sturmabteilung, organização paramilitar nazista conhecida como AS, ou Tropa de Assalto, que teve muita importância durante o período de ascensão nazista ao poder em 1933, e principalmente seu líder Ernst Röhm.

Usando diversas forças repressivas do regime, como a SS, a Gestapo e a polícia secreta de Göring, uma série de ações extrajudiciais foi decretada e executada, mirando principalmente aqueles que não apoiavam o regime nazista, ou aqueles integrantes do partido considerados uma ameaça à consolidação do poder de Hitler após chegar ao cargo de chanceler alemão em 1933. Foi um massacre cruel, com centenas de mortes e prisões.

De 1919 a 1933, o fuhrer – líder, guia, comandante, chefe – foi paulatinamente conquistando e consolidando o partido nazista. Era um boquirroto, falava e discursava em qualquer cervejaria ou circo, principalmente as de Munique, na Baviera, ganhava pouco a pouco uma legião cega de seguidores alemães, destroçados pela economia e sofrendo as consequências do Acordo de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial.

Derrotada no conflito (1914-1918), a Alemanha perdeu muito, teve que entregar a sua alma aos vencedores e entrou em parafuso social. Hitler, soldado na guerra e depois cabo, foi aos poucos ganhando espaço, impondo suas ideias por meio de inflamados discursos. Ele incendiava, botava fogo e ganhava adeptos aos borbotões. Uma máquina de criar seguidores. Mas estava insatisfeito com algumas coisas.

Razões

Uma espécie de indignação era o desempenho da SA e os rumos que a organização estava tomando. Röhm apoiava abertamente a ideia de uma Segunda Revolução, sob o seu comando, que teria o objetivo de redistribuir a riqueza entre as várias camadas da população. Ele também desejava transformar seus três milhões de soldados no núcleo do Exército Nazista, o que ameaçava o Reichswehr, o Exército oficial alemão, e seu líder, Werner von Blomberg.

Além disso, Röhm não era bem visto entre os nazistas. Era acusado de ser fraco e egoísta – a qualquer momento, suas ambições pessoais poderiam causar uma revolta popular e derrubar o regime. Sua homossexualidade era tolerada enquanto ele demonstrava utilidade, agora era levantada como uma escandalosa acusação.

Poucas dias antes da Longa Noite dos Punhais, em 24 de junho, o chefe da SS, Heinrich Himmler, e o chefe de segurança da SS, Reinhard Heydrich, falsificaram documentos que sugeriram que Röhm planejava um golpe para derrubar Hitler. Em seguida, listaram todas as pessoas que poderiam ameaçar o partido e, por conta disso, deveriam ser eliminadas.

Na noite de 30 de junho para 1º de julho, o grupo armado de Hitler seguiu para um hotel em Bad Wiessee, onde havia sido marcado um encontro entre os membros da SA. A maioria dos chefes e soldados foi retirada de suas camas, presa e executada no local.

Röhm foi detido pelo próprio Hitler – que, marchando para dentro de seu quarto, gritou: "Você está preso, seu porco!" – e foi levado a uma prisão em Munique. Em 1º de julho, Röhm recebeu um revólver e 10 minutos para cometer suicídio, ao que teria dito: “Se eu serei morto, deixe o Sr. Hitler fazer isso”. Quando o tempo esgotou, um oficial da SS matou Röhm com um tiro à queima roupa.

O líder nazista aproveitou o expurgo para perseguir antigos inimigos e opositores. Entre eles estava o vice-chanceler Franz Von Papen, que havia discursado contra o nazismo. Preso, ele foi liberado e proibido de fazer qualquer referência ao regime. Mas o secretário de Papen, Herbert von Bose, e o autor de seu discurso antinazista, Edgar Jung, foram perseguidos e mortos. Gregor Strasser, ex-nazista que deixou o partido em 1932, também foi executado. E, assim, outros tantos. As portas estavam abertas para o fuhrer.

Poucos dias depois, em 2 de agosto de 1934, Hitler virou presidente da Alemanha. Paul von Hindenburg morreu e deixou vago o cargo para o maior genocida de todos os tempos. Estava como o diabo gosta, como a adoção da “solução final” contra os judeus, que ele culpava por todos os males da Alemanha. O último documentário da Netflix Hitler e o nazismo, começo, meio e fim, que entrou em cartaz há pouco tempo, é perfeito na análise da personalidade do ditador.

Origem austríaca 

Hitler era austríaco de nascimento, em Braunau am Inn, um pequeno município no norte do país, na fronteira com a Hungria, a 60 quilômetros de Salzburgo. A localidade situa-se à beira do rio Inn, que separa a região do estado alemão da Baviera. Do outro lado do rio está a localidade bávara de Simbach am Inn, sendo que as duas cidades são conectadas por uma ponte. A cidade até hoje se orgulha dele, de uma forma diferente, sem citá-lo. Quando se passeia por ali, os guias turísticos locais se vangloriam e dizem que ali nasceu “o maior orador do século XX”, sem se referir às atrocidades que ele cometeu contra judeus, ciganos, homossexuais, deficientes, ou qualquer inimigo que imaginava na sua mente torpe e doentia.

Pois bem, em 1925, o cabo se tornou alemão, renegou a Áustria, e foi aplaudido estupidamente como um cara que representava bem a sua nova pátria. Tinha muitos opositores. Social-democratas, comunistas, governo central da Alemanha, e um jornal, um só, que alertava para o perigo que vinha das palavras de Hitler e das ações milicianas de seu “gado”, o Münchener Post, bem retratado no livro A Cozinha Venenosa, da jornalista brasileira, radicada na Alemanha, Sílvia Bittencourt.

* Eugênio Bortolon é jornalista.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira