Rio Grande do Sul

Efeitos do clima

Aquecimento global é realidade, e pode ser enfrentado com inteligência social, propõe cientista

Debate reuniu os geólogos Rualdo Menegat e Rafael Fernandes para discutir impactos da crise climática

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Debate, realizado no dia 22 de junho, discutiu impactos da crise climática e papel dos servidores públicos - Foto: Caco Argemi / CPERS Sindicato

Com o tema O impacto da crise climática: desafios, ações necessárias e o papel dos servidores públicos, foi realizado, neste sábado (22), o debate sobre os efeitos do desastre climático que atingiu o Rio Grande do Sul. Organizado pela Frente dos Servidores Públicos, o debate ocorreu de forma híbrida na sede do Cpers, tendo como convidados Rualdo Menegat, geólogo, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e coordenador do Atlas Ambiental de Porto Alegre; e Rafael Fernandes, geólogo e servidor público da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).

“Hoje nós iniciamos um processo de discussão do clima, trazendo pessoas qualificadas para uma discussão séria, uma preocupação que nós temos. Os eventos climáticos já aconteceram no ano passado, em julho, setembro, novembro e agora em maio. E a perspectiva colocada neste primeiro debate, é que vai piorar”, pontuou a presidente do Cpers, Helenir Aguiar Schürer. 

Conforme pontua Helenir, é preciso conhecer o conteúdo da discussão para poder fazer pressão em cima dos agentes públicos, prefeitos, governadores. “Que ouçam a ciência para proteger a população, porque sabemos que esses desastres climáticos atingem muito mais a população mais vulnerável”, frisou. 

Para o coordenador-geral do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do RS (Sindjus/RS), a defesa do meio ambiente e do serviço público diante da tragédia climática tornou-se debate fundamental. “São temas que estão encadeados. Tudo o que está acontecendo agora deriva também da ausência de políticas públicas, do desmanche do Estado, nada é por acaso. Nós temos que evitar que tragédias como esta aconteçam a partir da conscientização, da educação, da nossa organização também, como entidades dos servidores e da defesa, e da cobrança para que a gente tenha mais políticas públicas e sociais”, defendeu.

Consequências da emergência climática

Para o professor Rualdo Menegat, a mudança do clima faz com que olhemos para o lugar onde moramos. De acordo com ele, a mudança do clima mexe com enormes componentes do planeta, mudando a configuração do território. “Porto Alegre era uma ilha até Novo Hamburgo. Somos parte do clima, a vida é um fenômeno climático. O clima interfere no nosso corpo." 

Ele reforçou que já estamos vivendo as consequências da emergência climática. Em relação ao desastre climático que se abateu sobre o Rio Grand do Sul, o professor destacou cinco pontos que teriam contribuído na produção da catástrofe hidrogeoclimática e socioambiental no estado.

Em primeiro lugar, a precipitação extraordinária, com 800 milímetros em cinco dias. Em segundo, situação geomorfológica, convergência fluvial e lacustre do mar de dentro. “Estamos no nível no mar, e não nos demos conta disso”, salientou. 

Há também os serviços ecossistêmico, de como a água escoa pela superfície; as condições infraestruturais, com o colapso de serviços essenciais; e, por fim, aspectos ligdos à defesa civil e educação, marcado pela ausência de um plano de alertas.

Ele destacou a destruição do serviço ecossistêmico, como banhados e mata auxiliar, que foram diminuindo ao longo dos anos. “Os serviços ecosistêmcios, a maneira como ocupamos os solos é muito importante para aumentar ou diminuir o impacto das chuvas. O agronegócio, como a soja, tem destruído o serviço ecossistêmico da região. Esse serviço, nos últimos 20 anos, tem sido desestruturado de forma acelerada. Essa desestruturação se deu por desmantelamento das leis de proteção." 

Menagat também pontuou sobre o desmantelamento do serviço público nos últimos anos. “É o caos dentro caos. Não podemos deter a chuva, mas podemos melhorar o guarda chuva."

Ele cita o serviço de proteção de Porto Alegre deixado pela geração de 1941. “O serviço ficou sem manutenção. Pelo menos 80% poderia ter sido evitado. Eu sou o Guaíba, o Guaíba é nosso destino, o que acontecer com ele acontecerá conosco. Porto Alegre perdeu a inteligência dos ancestrais. A educação é chave." 

Gestão ambiental 

Rafael Fernandes lembrou que a gestão ambiental reflete na governança. O servidor chama atenção para Politica Nacional de Meio Ambiente e destaca o Atlas Ambiental de Porto Alegre, desenvolvido por Rualdo Menegat, como uma ferramenta importante de gestão ambiental. “É uma ferramenta que prefeitura de Porto Alegre tem para fazer a sua gestão."

De acordo com o servidor, os governos têm pecado no planejamento do uso do território, principalmente na implementação dos planos já existentes. “Temos uma série de estudos, como o zoneamento ecológico já finalizado, planos diretores, Atlas ambiental que não estão sendo colocados na prática", criticou. 


“Não é à toa que existe esse conceito, que existe essa percepção da ciência com relação às áreas de preservação permanente, elas têm uma função" / Foto: Caco Argemi / CPERS Sindicato

Ele destacou ainda ações necessárias frente às mudanças climáticas e a reconstrução do RS, entre elas: integração das atividades e coordenação dos trabalhos pelas instituições do Poder Público; inclusão das instituições da sociedade civil que estão na linha de frente deste debate e na operação de políticas públicas; instauração de medidas preventivas (como sistema de alertas) e execução integrada do planejamento existente; e reordenamento territorial.

Alertas não ouvidos 

Ao Brasil de Fato RS, Rafael frisou a importância da participação de servidores e sindicatos nos plano de ação de reconstrução do estado, assim como organizações ambientalistas. Na avaliação dele, elas foram deixadas de lado no projeto apresentado pelo governo do estado.

Sobre o desastre climático, ele ressalta que, há décadas, cientistas e pesquisadores vêm alertando sobre as mudanças climáticas, mas foram ignorados. Ele chama atenção também para a falta de manutenção do sistema de proteção. 

“Uma série de perdas que, em alguma medida, poderiam ter sido minimamente mitigados, especialmente para a região metropolitana, onde havia esse sistema de contenção. A percepção dos ambientalistas com relação, por exemplo, à ocupação de áreas de preservação permanente, as margens dos rios, que não foram levadas em consideração. Temos a ocupação antrópica desses locais. Temos municípios instalados nessas áreas, fazendo um devido planejamento e vendo o que já se detém de entendimento do espaço, do território, do ambiente natural, não deveríamos ocupar." 

Ele avalia que este é um momento de reflexão, de olhar para a ocupação desses espaços. “Não é à toa que existe esse conceito, que existe essa percepção da ciência com relação às áreas de preservação permanente, elas têm uma função. Muitas vezes as áreas de planície de inundação dos rios, em algum momento, vão ocupar aqueles locais e devemos, como sociedade, como indivíduos, como humanidade, ver essa nossa forma de organizar e ocupar o território." 

Para Menegat, os avisos não são ouvidos porque há um negacionismo persistente. “Um lobby muito grande, que procura negar as consequências do aquecimento global. E hoje, em 2024, nós já não estamos anunciando um aquecimento global e suas consequências. Estamos vivendo as consequências, não podemos mais negar o aquecimento global”, afirmou.


"Estamos vivendo as consequências, não podemos mais negar o aquecimento global”, afirmou / Foto: Caco Argemi / CPERS Sindicato

Aquecimento global

Em relação ao Rio Grande do Sul, ele cita os casos do Furacão Catarina (primeiro e, até agora, único furacão a ser oficialmente registrado no Atlântico Sul), em 2004; a grande enchente de 2015 e toda a sequência de 2022, 2023 e 2024.

“Quando eu fiz o Atlas Ambiental de Porto Alegre, junto com uma maravilhosa equipe em 1998, tem um capítulo ali sobre aquecimento global. Mas sempre houve uma desconfiança em relação a isso. Por quê? Porque é difícil para as pessoas acreditarem que o clima é uma ciência. E é uma ciência tão precisa quanto a lei da gravidade. Ninguém duvida da lei da gravidade porque é uma equação, mas o clima também é uma equação, não é previsão meteorológica. Eu não estou falando da previsão meteorológica. Estou falando do seguinte, que a quantidade de gás carbônico e de gases feitos estufa na atmosfera faz variar a temperatura”, explicou.

Para o professor, é preciso que a sociedade incorpore a ideia de que o aquecimento global é uma coisa séria, mas que pode ser enfrentado.

“Nós temos que nos capacitar para enfrentar o clima. A mudança do clima não é uma inevitabilidade, ele é um perigo apenas. Se nós soubermos como lidar com esse perigo, nós podemos enfrentá-lo, assim como nós voamos num avião. As pessoas podem ter medo de voar num avião, mas sabem que ele é seguro de alguma maneira. E por isso que nós voamos. O aquecimento global é um perigo apenas. Nós podemos enfrentá-lo se tivermos inteligência social”, finaliza.

Edição: Marcelo Ferreira