Depois de percorrer áreas rurais atingidas na região do Vale do Taquari durante uma semana, tanto as terras baixas pelas enchentes, quanto as terras altas pelos deslizamentos, o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e representante do Fórum das Entidades Populares do Campo, Miquéli Sturbelle Schiavon, fez um forte pronunciamento durante a audiência pública realizada por uma comissão do Senado Federal no município de Encantado (RS), na última quinta-feira (20).
Além do MPA, também comõem o fórum organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), a Cooperativa Central dos Assentados do RS (Coceargs) e a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do RS (Fetraf/CUT).
"Estamos aqui para reafirmar uma denúncia que está muito clara: os pobres do campo, assim como os pobres da cidade, são os que mais foram atingidos pela tragédia sociambiental que está acontecendo no RS", afirmou. Para ele é preciso ter muita atenção ao diferenciar as necessidades daqueles atingidos que têm autonomia financeira para conduzir sua própria reestruturação, em relação aos pequenos que já vinham passando por diversos momentos de dificuldade nos últimos anos e têm, agora, um agravamento extremo de sua situação.
"O que nós estamos presenciando nas áreas atingidas é um exemplo daquilo que alguns especialistas estão chamando de injustiça climática, porque justamente os pequenos, que preservam a natureza e trabalham em harmonia com o meio ambiente, estão sofrendo os piores efeitos de uma mudança climática que não foi gerada pelas suas ações e sim pelas ações de outros", acrescentou Schiavon.
Durante a fala, pontuou dois destaques de um documento mais amplo elaborado pelas entidades que representa, chamando a atenção para o endividamento dos agricultores familiares e pedindo a anistia das dívidas das famílias que perderam suas casas e suas produções. E solicitando ainda novas linhas de financiamento que contemplem prioritariamente os atingidos e atingidas, mas que possam ser estendidas a toda classe camponesa e familiar da agricultura gaúcha.
Ao final da atividade, Schiavon entregou aos senadores Paulo Paim (PT-RS), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Jorge Cajuru (PRP-GO) e Leila Barros (PDT-DF) um documento detalhando todos os pontos elencados pelo Fórum. Ele ressaltou que historicamente são os pequenos que se dedicam à produção de alimentos que de fato chegam a mesa das pessoas e não de comodities que sustentam os mercados financeiros. "Se os pequenos não foram socorridos neste momento, vai faltar comida na mesa do povo."
A pauta completa apresentada contempla a necessidade de reconstrução da produção e comercialização de alimentos do RS, propondo desenvolvimento e fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, dos assentamentos da reforma agrária, territórios quilombolas e cooperativas solidárias.
Como diretrizes gerais para a reconstrução solicitam:
- conceber a produção de alimentos, a água e a energia como bens comuns da humanidade, sobre as quais a agricultura familiar, camponesa, quilombolas, assentados da reforma agrária e as cooperativas solidárias têm um papel fundamental;
- conceber o campo como um espaço de vida e não apenas como um espaço de produção e negócios, o que implica, por exemplo, em políticas para além da produção;
- priorizar investimentos em produção de alimentos, especialmente saudáveis e agroecológicos, e a recolocação dos Agricultores Familiares, Camponeses, Assentados Pescadores Artesanais, Quilombolas, Indígenas, Agroindústrias Familiares e Cooperativas nos Orçamentos Públicos de Reconstrução;
- desburocratizar, reduzir custos financeiros e facilitar o acesso às políticas públicas para a Agricultura Familiar, Camponesa, Quilombolas, Assentados da Reforma Agrária e cooperativas solidárias;
- incentivar a produção e o consumo de alimentos saudáveis é parte da estratégia de fortalecimento da soberania alimentar e valorização das cadeias produtivas de alimentos organizadas pelas cooperativas, agricultura familiar, camponesa, quilombolas e assentados da reforma agrária.
Conheça as propostas e reivindicações das organizações sociais e populares do campo
No tema do crédito, os pequenos agricultores solicitam a anistia das dívidas, tanto do agricultor familiar quanto da cooperativa, com 70% de DAP, em municípios que declararam calamidade ou emergência, excluídas apenas as operações de custeio amparadas com o Proagro ou outro tipo de seguro. Requerem também a disponibilização de três linhas de investimento para reestruturação da cooperativa e da propriedade do agricultor (casa, armazém, galpão, animais, maquinários e equipamentos), sendo que: 1) até R$ 150 mil ter 3 anos de carência, 10 anos para pagar e um rebate de 50%, com risco da união. 2) Até R$ 500 mil ter 3 anos de carência, 10 anos para pagar e juro zero. 3) Acima de 500 mil ter 3 anos de carência, 10 anos para pagar e juro Pronaf.
Outro ponto apresentado é a necessidade de disponibilizar recursos não reembolsáveis de custeio no valor de R$ 30 mil reais por família e R$ 50 mil por cooperativa, permitindo que possam utilizar deste recurso para manutenção da cooperativa e da família. Será necessário, segundo os representantes do Fórum, reeditar a medida de prorrogação das parcelas de investimento do Pronaf vinculados a produção de leite, carne, soja e milho, tirar o recorte de 70% ser cadeia do leite e referendar que a cooperativa tenha 70% de número de DAP para ter direito a prorrogação.
Busca-se ampliar e simplificar o acesso das famílias ao Programa Fomento Rural para todos os municípios com decreto de emergência ou calamidades, ampliando o valor de R$ 4.600,00 para R$ 15.000,00, independente do CadÚnico e a realização de um programa semelhante ao “Desenrola”, do governo federal, para o agricultores familiares, camponeses, quilombolas, assentados da reforma agrária e cooperativas solidárias, visto que, muitos rurais não estão nos programas oficiais do governo federal. Por fim, neste primeiro segmento da pauta, propõem a constituição de um Fundo Ambiental voltado ao incentivo, à preservação e à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, compensação a serviços ambientais, apoio ao armazenamento de água e irrigação para cooperativas e produtores da agricultura familiar, camponesa e reforma agrária.
No segundo ponto da pauta requerem a implementação e fortalecimento de ações de assistência técnica via cooperativas e organizações associativas sem fins lucrativos especializadas nesta área, visando ampliar a produção de alimentos saudáveis, atender à produção diversificada de alimentos, produção agroecológica e transição agroecológica, considerando o fortalecimento dos processos associativos e cooperativados. “Entendemos a assistência técnica rural como um Sistema Público, no qual, as organizações sociais precisam estar incluídas, equipadas, pois, são estas que estão próximas ao produtor de alimentos”, afirmam. Solicitam ainda que os recursos do Sistema S sejam compartilhados com outras organizações da sociedade civil que não estão representadas no sindicato patronal, atendendo a pluralidade institucional reconhecida pelos movimentos sociais e entidades.
No terceiro ponto apresentado, as organizações que compõem o Fórum sugerem a criação de um seguro agrícola “Proagro Mais” que responda aos sistemas produtivos da Agricultura Familiar, Camponesa, Quilombolas e da Reforma Agrária, de forma diferenciada para os sistemas produtivos de base familiar voltados para grãos (feijão, trigo, arroz), pecuária, hortaliças e fruticultura. “É preciso incluir os agricultores agroecológicos no Proagro, pois, hoje quem produz de forma agroecológica e manipula os insumos, mudas, sementes, tem hora máquina, não consegue comprovar as despesas por notas fiscais como requer o programa atual". Finalizando este ponto ainda indicam a necessidade de qualificar o sistema de fiscalização do Seguro Agrícola e do Proagro Mais, de forma a impedir possíveis desvios de objetivo, o que pode inviabilizar o acesso por parte de quem mais necessita.
No ponto seguinte, referente à comercialização, a organizações sociais e populares indicam que é preciso fortalecer as compras institucionais do Programa de aquisição de Alimentos (PAA), em todas as suas modalidades, garantindo a compra de forma sistemática da produção das cooperativas da agricultura familiar, camponesa e reforma agrária. Ou seja, do ponto de vista estratégico, assim como o Programa Nacional Alimentação na Escola (PNAE), o PAA deve ser transformado em uma política de Estado, superando a vontade política dos governos de plantão.
Também afirmam ser preciso fortalecer a Conab nas modalidades PAA formação de estoque, Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (PEPRO) e Prêmio para Escoamento do Produto (PEP), visando estimular os sistemas de produção voltados à soberania alimentar (produção de alimentos), transição produtiva com vistas à diversificação da produção, transição e produção agroecológica, bem como ter alimentos em momentos de necessidade como nessa calamidade gaúcha. E disponibilizar recursos financeiros subsidiados para as cooperativas poderem se reconstruir e reestruturar armazéns, câmaras frias, equipamentos, agroindustrialização e veículos para atender a demanda das compras públicas. Outros dois destaques neste tema são a compensação financeira das perdas de estoques das cooperativas e a liberação de milho via Conab com 40% de subsídio e ampliação dos espaços de distribuição a fim de viabilizar a aquisição de alimento para os animais.
No tema da infraestrutura os destaques iniciam pela necessidade de reconstrução da habitação dos agricultores familiares, camponeses e assentados da reforma agrária atingidos pela enchente, da reconstrução das estruturas produtivas das cooperativas, agroindústrias e dos produtores atingidos pela enchente, da recomposição dos bens móveis e equipamentos de produtores, agroindústrias e cooperativas atingidas e da recomposição ou indenização do plantel de animais dos produtores, perdidos na ocorrência.
Por fim, no que se refere ao tema do Meio Ambiente Sustentável, MPA, MST, Unicafes, Coceargs e Fetraf/CUT propõem estimular a produção e a utilização de insumos biológicos – em parceria com centros de pesquisa, universidades e cooperativas da agricultura familiar - produzidos no Brasil e com vistas de reduzir a dependência dos produtores rurais em relação aos insumos importados e uso de químicos altamente prejudiciais ao meio ambiente. Também é solicitada a criação de um programa de compensação aos agricultores por serviços socioambientais e um plano Básico de revitalização dos sistemas produtivos, que considere água no solo, recuperação da qualidade do solo, matéria orgânica, sistemas de rotação de cultivos e consórcio com pecuária, incentivo ao aumento de lavouras permanentes e com replantio de mata nativa e recuperação de nascentes.
Edição: Marcelo Ferreira