“Em momentos como esse, de grande crise, de grande desestabilização, a arte nos faz o convite de imaginar. E devemos conseguir fazer isso, imaginar como gostaria que fosse”, afirma a atriz/atuadora Tânia Farias.
É com esse convite, de imaginar, que a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz e os músicos e compositores Johann Alex de Souza, Mário Falcão e Carlos Eduardo Falcão começam um circuito de apresentações em abrigos para os atingidos da enchente, neste final de semana, em Porto Alegre.
No sábado (22), o sarau com performance, música e poesia terá como atração principal Gol de Cabeça, com músicas autorais dos compositores. Já no domingo (23), a atração principal será Violeta Parra – Uma Atuadora. As apresentações acontecem às 15h , no Vida Centro Humanístico, na Av. Baltazar Oliveira Garcia 2.132, zona Norte da Capital. A tribo posteriormente seguirá para Belo Horizonte, onde apresentará, entre os dias 28, 29 e 30 de junho, a peça Ubu Tropical.
“A arte nos faz também pensar para construir de forma diferente, construir em outras bases. É a chance que temos, não só repetir as fórmulas que já deram errado, mas ousar imaginar que pode ser de outra forma. E imaginando, única maneira de tornar real é conseguir imaginar, é conseguir o sonho, conseguir sonhar, a gente realmente construir essa transformação. Tudo que for erguido daqui para frente pode ser melhor do que era, no sentido bem amplo disso”, pontua a atuadora.
Nessa perspectiva, segue Tânia, está a importância de levar arte aos abrigados/refugiados climáticos. E no caso do teatro, pontua, ele faz o convite ao olhar para o outro, a prestar atenção no outro. "E prestando atenção, reconhecer a tua própria fragilidade, a tua própria humanidade e também a tua potência." Ela pontua que "o teatro é esse lugar da presença e do encontro, que gera comunidade ou comunidades efêmeras, e a potência dessas comunidades, ainda que elas terminem logo que acaba o espetáculo, permanece em quem fez parte dela”.
Restabelecer condições de trabalho
Como muitos espaços de arte em Porto Alegre, o espaço Terreira da Tribo, do Ói Nóis Aqui Traveiz, no 4º Distrito, foi impactado pelas águas. “Todos os nossos espetáculos estão afogados. Não existe mais figurinos, máscaras, adereços, instrumentos musicais. E vocês devem imaginar o quanto isso custa. Custa de afeto, tempo, mas também de dinheiro”, destacou Tânia na no ato de reabertura da Terreira, no início de junho. Segundo ela, o atual espaço é alugado, assim como o galpão onde são guardados os cenários.
Conforme pontua a atuadora, assim como acontece com muitos profissionais da cadeia produtiva cultural, o momento agora é de restabelecer as condições de trabalho.
“É o figurino, o cenário, elementos cênicos, os instrumentos. É o espaço de trabalho, de ensaio, enfim. É agenda que desaparece ou, se aparece, tu ainda não tem condições de fazer. Existe uma série de questões, mas a primeira é restabelecer as condições de trabalho, que é os materiais que nós necessitamos para realizar o nosso trabalho. A outra é reestabelecer os espaços de trabalho, para que a gente tenha onde se organizar, onde ensaiar, onde dar as aula. Espaços como o da Terreira precisam ser reestruturados, ou se encontrar outras alternativas para esses lugares”, expõe.
Outro ponto importante para esse momento, complementa Tânia, é gerar trabalho para suprir o vácuo das agendas que desapareceram. “O nosso trabalho é a agenda, a apresentação que a gente vende. Se agente não tem, não temos a renda necessária para a sobrevivência. Eu penso que outra política pública interessante é pensar de que forma gerar trabalho para esses tantos trabalhadores das artes e da cultura que nós temos.”
Ela conta que o grupo está tentando salvar o máximo pode, higienizando figurinos e elementos que restaram e tentando salvar o acervo. "Nós temos que sair desses dois espaços que alugamos, porque neste momento não temos como arcar com esses dois aluguéis. O da Terreira, o espaço em que nós mantínhamos o teatro e a escola, e o depósito de cenários. Precisamos imediatamente ir para outro lugar para conseguir voltar com a escola, para conseguir se estabelecer, se reorganizar, para conseguir levar adiante todos os nossos planos. Nós não desistiremos dos nossos sonhos, que não são só do Ói Nóis, são de todos dessa cidade, estado, país.”
Para a apresentação no festival de Belo Horizonte, os organizadores do evento fizeram uma produção de buscar os instrumentos usados pela Tribo para a apresentação.
Sobre a apresentação do Ubu
A peça Ubu Tropical foi a última estreada pela Tribo, em março deste ano. Ela conta a história de um grande tirano, "uma pessoa grotesca e autoritária que vai, através da violência, dando uma série de golpes para chamar o poder para si", explica Tânia.
“É uma alusão muito clara ao que nós vivemos recentemente no Brasil, com a eleição do inominável, inelegível. Quando escolhemos esse texto, ou essa personagem, o Pai Ubu, que aparece em diferentes textos do Alfred Jarry, nós queríamos fazer essa, esse paralelo, com o nosso Bolsonaro Tupiniquim”, explica.
Nos figurinos criados por Tânia, há a lama de Mariana, simbolizando a sequência de tragédias brasileiras através do couro de bufus. “Que são consequência de um descaso enorme com a vida. E de uma negligência política, em nome do lucro, em nome de estabelecer relações com grandes corporações. Toda relação de poder acaba sendo financeira. Mariana foi uma grande tragédia, então eu quis trazer isso, esses são os brasileiros cobertos de lama de Mariana, e eles vão contar a história do Brasil.”
Durante a enchente que atingiu o RS, prossegue a atriz, a Tribo se deu conta que o couro de bufos, ele vai ser o couro coberto da lama da enchente de 2024. “A gente vai estar falando da negligência política aqui do RS. Desses governos que fazem as escolhas erradas e de todas as pessoas da sociedade como um todo, que fazem essas alianças com esses representantes, em detrimento do cuidado com a vida, com o lugar em que nós vivemos. A gente vai levar esse planeta, vai levar Pacha Mama à exaustão ao ponto dela começar a dar esse tipo de respostas. Sabemos o que aconteceu não vai ficar parado aqui, vai começar a acontecer num lugar depois do outro, porque os abusos são muitos.”
Sobre a peça cênico-musical Violeta Parra
A performance cênico musical "Violeta Parra – Uma Atuadora" se solidariza com o povo chileno neste momento de luta por melhores condições de vida e apresenta um repertório que mistura o andino com ritmos brasileiros na voz da atuadora Tânia Farias e do violonista e compositor Mário Falcão. Com esse viés mestiço a performance veste as canções deste ícone da arte da América do Sul.
Violeta Parra cantora e violonista desde criança, pesquisou ritmos, danças e canções populares, transformando-se em ponta de lança do movimento da "nueva canción" que projetou a música chilena no mundo. Conhecida no Brasil principalmente pelas composições "Gracias a la Vida" e "Volver a los 17", seu legado é inestimável para a música engajada latino-americana. Sua história foi contada em 2011 no filme "Violeta foi para o Céu", do diretor Andrés Wood.
Edição: Marcelo Ferreira