As recentes eleições mexicanas, para o Executivo e o Legislativo do país, não ganharam maior destaque na mídia brasileira. O protocolar registro do fato, apontar números e reconhecer a vitória da candidata do Presidente Lopez Obrador e da Frente liderada por seu partido, o Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) foi o que predominou na imprensa brasileira.
Apesar do Mercosul, do crescimento das relações econômicas, das tentativas de consolidar instituições de integração política e cultural, continuamos desconhecendo nossos vizinhos e suas experiências históricas. Principalmente pela alienante e dirigida cobertura da grande mídia nacional especializada em nos trazer escândalos, personalidades, catástrofes e pouquíssimos conhecimento sobre o processo histórico e o comportamento de seus povos, de suas classes sociais.
O México faz parte da América Latina, viveu conosco o domínio colonial europeu e como, dizem os mexicanos, viveu sempre “tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Este, inclusive, invadiu grandes áreas de seu território ao longo do século XIX, exerceu sempre forte influência sobre o vizinho e na era da globalização fez do México um dos exemplos da indústria “maquiladora”.
Apesar disso, hoje, se constitui na segunda economia da América Latina, uma população de 130 milhões de habitantes e com períodos de crescimento baseado num nacionalismo econômico com forte presença do Estado, em especial no petróleo, e de caráter reformista frente aos Estados oligárquicos pós independência. Viveu um profundo processo revolucionário no início do século XX de caráter popular e camponês que garantiu mudanças significativas na estrutura fundiária do país. O Cardenismo (governo de Lázaro Cárdenas) dos anos 30 assemelha-se, em muito, com os períodos vividos com Vargas no Brasil e Perón na Argentina.
Nesses países, esses períodos de crescimento econômico e forte urbanização ocasionaram transformações políticas com a crescente participação popular na vida pública. Os grandes centros urbanos, as universidades públicas, as empresas estatais e, no caso mexicano, a forte presença física e cultural dos povos originários, colocaram estes países numa vanguarda de experiências políticas na América Latina.
Nestas eleições, agora, as lições da experiência mexicana são importantes e necessárias de serem observadas pois revelam como os sistemas eleitorais podem ter um peso importante nos processos democráticos. Mostram, claramente, que o sistema eleitoral necessita partidos fortes que sejam identificados por seu programa, por suas práticas de governo por sua história e representação social, sem o que os processos eleitorais transformam-se em mera contagem de votos, apuram-se os vencedores, e “borrão e conta nova”.
O sistema eleitoral mexicano assenta-se no voto partidário, no voto de legenda e coligação partidária. Claudia Sheinbaum alcançou a presidência – 60% dos votos – depois de governar a Capital, eleger sua sucessora, Clara Brugada, na Cidade do México, e estar alinhada ao projeto do presidente Lopez Obrador e seu partido, o MORENA.
Os aliados do bloco vencedor, Partido do Trabalho (PT) e Partido Verde (PV), junto com o MORENA apresentaram uma unidade programática, de campo social e de tradições de lutas populares, classistas e ambientalistas que caracterizavam com facilidade sua identidade. Isso era reforçado pela liderança de Lopez Obrador, por sua histórica luta social no México, desde o período de crise do antigo PRI que governou o país por mais de meio século e a formação do Partido da Revolução Democrática (PRD) (1989), do qual participou e foi candidato presidencial em 2006.
Derrotado, em eleição contestada por fraude, manteve-se ativo na construção e disputa partidária. Mais tarde, afastou-se do PRD por crítica a sua burocratização, eleitoralismo e o envolvimento partidário em processos de corrupção administrativa. Esse afastamento levou-o à formação do Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) e a posterior eleição como prefeito da Capital.
Queremos ressaltar nesta análise o voto partidário, o voto no partido ou partidos de uma frente política. A identificação com a trajetória de origem do MORENA, os votos no PT e no PV têm um significado político mais consciente e duradouro, mais coerente do que o voto nominal predominante no Brasil.
Só para reforçar a memória, no Brasil, em 2018, Bolsonaro foi candidato e eleito pelo Partido Social Liberal (PSL), elegendo 52 deputados federais. Quatro anos depois, o partido não existia mais.
No México, a candidata derrotada foi Xochitl Galvez, representando a coligação: Partido de Ação Nacional (PAN), Partido Revolucionário Institucional (PRI) e Partido da Revolução Democrática (PRD). O dois primeiros, adversários históricos desde o Cardenismo dos anos 30 e o PRD, com todo o processo de institucionalização e perda de identidade política de suas origens. Apesar de histórias distintas e contraditórias essa coligação expressava o pensamento neoliberal predominante e alcançou em torno de 30% dos votos.
Comparando com a explosão partidária vivida no Brasil nas últimas décadas, o voto nominal no Legislativo, a esdrúxula figura da emenda parlamentar impositiva no orçamento público e a fraude da “janela” para a troca de partido em ano eleitoral sem perda de mandato, não é difícil compreender o resultado antidemocrático que vivemos no presidencialismo brasileiro. O eleitor vota num programa para governar e elege outro para legislar.
A professora Cláudia Scheinbaum foi eleita presidenta da República do México e terá maioria para governar graças a um sistema eleitoral melhor que o nosso. Mais coerente, mais racional, mais democrático.
Outra lição do pleito mexicano também pouco destacada pela mídia foi a garantia da paridade de gênero na composição do Legislativo. A legislação eleitoral já havia determinado um percentual crescente nas últimas eleições e que alcançou, nesta, a paridade.
As listas partidárias já compostas com igualdade de homens e mulheres garantem o resultado final da paridade de gênero no Legislativo.
Não é mais o exemplo de países europeus, vários países da América Latina já adotam sistemas semelhantes para garantir a paridade de gênero ou avançar nessa direção. No caso brasileiro, o atraso é histórico e agravado pelo voto nominal, principal estímulo à corrupção, ao clientelismo e à degeneração partidária. Mesmo com as medidas recentes de garantir recursos do Fundo Eleitoral para as candidaturas femininas, os percentuais de representação quase não se alteraram. Não alcançamos nem 20% de representação de mulheres nos legislativos dos entes federados.
Com o voto nominal, financiamento privado disfarçado, histórico patriarcalismo cultural e partidos transformados em balcões de negócios e charlatanismo político-religioso, o sistema eleitoral brasileiro continuará sendo pouco democrático.
Esperemos que a experiência mexicana sirva de exemplo para reacender a urgente luta por reforma eleitoral no Brasil e as mulheres, maiores vítimas hoje dessa desigualdade, tenham nisso papel relevante na defesa da paridade de gênero nos Legislativos. Precisamos combinar a luta unitária das mulheres de todos os partidos democráticos pelo voto em lista pré-ordenada com projeto de lei que tramite com rapidez e a mesmo unidade no Congresso.
* Professor e ex-prefeito de Porto Alegre
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira