A Vila Nova Brasília, no bairro Sarandi, um dos mais atingidos pela enchente histórica em Porto Alegre, tenta se recuperar do período mais crítico dos alagamentos, onde sofreu duras perdas, mas o momento de limpeza pós-enchente não está sendo nada fácil também.
A moradora do Quilombo dos Machados Tamires da Silva Antunes guiou o fotógrafo do Brasil de Fato RS Carlos Messalla pelas ruas da comunidade, que nos relata o que viu.
Tamires está grávida de oito meses e caminha com destreza entre a lama e os escombros daquilo que um dia foi uma rua de seu bairro, hoje um amontoado de entulhos.
Chegamos até o epicentro do alagamento, a moradora fala com muita indignação sobre a forma que o prefeito Sebastião Melo tratou tudo desde o início.
“O prefeito falou que não estava rompendo o dique, que no máximo era um transbordamento, 'mas tudo controlado', muitos acreditaram principalmente aqueles que tinham casa de dois andares. A prefeitura só falou para sair quando perceberam que não conseguiriam conter mais. Já havia um vazamento grande no muro atrás da casa que existia aqui (Tamires mostra o espaço vazio). O dique destruiu a casa e inundou a vila. O descaso foi grande conosco, e continua porque até agora ninguém veio ver nossas casas, pois está muito temeroso voltarmos sem orientação. Em sua maioria as estruturas das casas foram abaladas, estão cheias de rachaduras”, relata.
Em nossa caminhada feita entre os escombros, passamos por ruas muito estreitas, que ficaram mais apertadas por conta do entulho exposto. Entre os restos de móveis, estavam colchões e utensílios domésticos em geral, tudo misturado com grades retorcidas arrancadas pela força da água, além de muita alvenaria destruída como se fosse papel, em meio a tudo isso muito lodo e um odor fortíssimo.
Estas imagens parecem aquelas que nós vimos nos primeiros dias pós alagamentos em vários locais do Rio Grande do Sul, mas hoje em muitos destes felizmente já estão conseguindo pouco a pouco se recuperar, mas pelos lados do Sarandi e mais propriamente na Vila Nova Brasília parece que o tempo parou.
O morador Clênio Gonçalves Vargas, que residi em frente à casa que foi engolida na ruptura do dique, fala um pouco sobre o que viveu e o que estava vivendo neste momento.
“Foi algo estarrecedor, sou serralheiro de profissão e ver a forma que os ferros todos foram retorcidos é impressionante! Como vocês podem ver a casa da frente sumiu, a força foi tanta que entrou em nossas casas. Na minha entrou com tamanha força que chegou a fazer um buraco na parede e não parou, atingiu violentamente todas as casas ao redor e na sequência a rua e o bairro todo. Minha casa não tenho mais como morar, estou aqui para tentar buscar alguma lembrança de minha vida", diz o morador.
Subimos entre os escombros da casa onde rompeu o dique, lá podemos verificar como é curta a distância entre o dique e as casas. Tamires chama a atenção para um vazamento de água que insiste atravessar do dique entre a casa destruída e a rua do bairro. Se preocupa com as chuvas que segundo a meteorologia virão com uma certa força.
“Tudo muito frágil aqui, o que vai ser de nós se vier uma chuva forte novamente? Boa parte dos moradores são Griôs (idosos, sábios na tradição africana). Está sendo desesperador, perdemos tudo. A prefeitura não atua da melhor forma, veja as escavadeiras estão aí desde cedo e não estão trabalhando, só ligaram os motores porque te viram aqui, mas logo que saímos de perto já desligaram tudo, não tem caminhão para juntar os entulhos então ficam parados.”
Estivemos acompanhando os moradores boa parte da manhã e realmente não teve movimentação das escavadeiras, talvez pelo constrangimento de estarmos lá, por volta das 13h30 um caminhão apareceu timidamente para começar recolher os entulhos da vila tão castigada.
Edição: Katia Marko