Rio Grande do Sul

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De volta ao Portinho nada alegre

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"Experiência inesquecível na Porto Alegre de tanta história, desde a enchente de 1941" - Foto: Rogério Soares
Hora de recomeçar: o cuidado com a Casa Comum no centro da vida, mais que nunca

“Perdi muita coisa, mas a vida ficou.” Foram as palavras de José Fernando Araújo dos Santos (“Comerciantes atingidos pelas chuvas projetam recomeço”, Brasil de Fato RS, 04.06.24).

Dez de junho de dois mil e vinte e quatro: data a ser registrada e marcada na memória e na história de uma vida de 73 anos. Saí de Porto Alegre em 27.04.24, um dia depois de completar 73 anos, rumo a Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul, casa da família, para mais comemorações no fim de semana. Daí, seguir para Passo Fundo dias 29 e 30 de abril, Encontro Sul da PNEPS-SUS, Política nacional de Educação Popular em Saúde, com representantes do Ministério da Saúde. E retornar para Porto Alegre para as comemorações e mobilizações do Primeiro de Maio, Dia das Trabalhadoras e Trabalhadores.

Apartamento sujo, ainda que não atingido diretamente pelas águas, mas roupas e paredes mofadas. Retornei a Porto Alegre no dia 10 de junho de 2024, exatos 45 dias depois. Não havia como voltar antes, depois das tempestades, ventos, chuvaradas: estradas interrompidas, carro rebentado na viagem de volta, etc., etc., etc.

Primeira coisa a fazer, depois de 45 dias não programados e jamais imaginados na vida: dar uma caminhada pelo centro de Porto Alegre, onde moro desde 1971. Ver os estragos, a sujeira ainda existente, o lixo nas ruas. A Agência do Banco do Brasil, ao lado do prédio da Prefeitura, onde tenho conta, fechada. Mercado Público, também fechado. O Edifício DABDAB, ao lado do Largo Glênio Peres e da Praça XV, onde fica a sede da CAMP, Centro de Assessoria Multiprofissional, da qual sou fundador há 40 anos e membro atual da direção, já está limpo, mas apenas só com um elevador funcionando, nos seus mais de dez andares. E onde o zelador, seu Carlos, ficou ´preso´, ´ilhado´ no décimo sexto andar por 5 dias, sendo resgatado por barco quando já acabava a comida e a água. E claro, visitar a Banca de jornais, onde, religiosamente, compro a edição de sextas-feiras do Valor Econômico, que eu e João Pedro Stédile religiosamente lemos (a burguesia não mente nos seus jornais de confiança), e onde busco os jornais locais do final de semana.

Encontro José Fernando Araújo dos Santos e sua irmã Nara, donos da Banca, e sua frase quase definitiva: ´Perdi muita coisa, mas a vida ficou´. Conto a eles parte das minhas aventuras e desventuras nestes 45 dias intermináveis, quando, aliás, não havia jornais para vender e comprar.

Experiência inesquecível na Porto Alegre de tanta história, desde a enchente de 1941, da resistência à ditadura na Campanha da Legalidade nos anos 1960, das grandes mobilizações das Diretas Já e pela redemocratização nos anos 1980. E, depois, final dos anos 1980 e anos 1990, o Orçamento Participativo dos governos democrático-populares, que se espalhou pelo mundo e dos FSM, Fóruns Sociais Mundiais nos anos 2000, ´um outro mundo possível´, que que segue mundo afora em 2024.

Se para mim é difícil recomeçar, cabeça, alma e coração atordoados, imagina para quem perdeu tudo: a casa, o local de moradia, os poucos bens, ou para quem teve que sair de casa e continua sem poder voltar, ou, muito pior, para quem chora vidas perdidas.

Hora de recomeçar: o cuidado com a Casa Comum no centro da vida, mais que nunca. Construir e reconstruir políticas públicas com mais ampla participação popular. Sonhar com um outro mundo possível, agora, mais que nunca, urgente e necessário. Solidariedade acima de tudo e em primeiro lugar.

E como diz, olhando para frente e para o futuro, o José Fernando da Banca do Largo Glênio Peres, todas e todos assinando em baixo: “O resto a gente trabalha e conquista de novo”.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko