Rio Grande do Sul

MEIO AMBIENTE

Deputados propõem ‘revogaço’ em leis ambientais afrouxadas no governo Leite

Mudanças incluem a revogação da Lei de Agrotóxicos e uma série de artigos do Código Estadual do Meio Ambiente

Sul21 |
Parlamentares pretendem mobilizar a população para apoiar as mudanças propostas - Foto: Debora Beina

A trágica enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio acabou dando visibilidade para uma série de flexibilizações e afrouxamentos nas legislações ambientais feitas durante os dois mandatos do governador Eduardo Leite (PSDB). Agora que a água baixou, ainda que seus efeitos continuem na população, deputados estaduais do PT, PSOL e PCdoB propõem um “revogaço” das modificações feitas, além da inclusão de novos pontos que, afirmam os parlamentares, irão qualificar a proteção ambiental no estado.

As bancadas apresentaram, nesta quarta-feira (12), um conjunto de projetos de lei com o objetivo de atualizar a legislação ambiental e proporcionar melhores condições para o RS enfrentar as mudanças climáticas.

Um dos projetos propõe mudanças em leis criadas ou modificadas durante o governo Leite. Entre elas, pretende revogar a Lei nº 15.671/2021, conhecida como Lei dos Agrotóxicos, que permitiu a comercialização no RS de agrotóxicos proibidos no país de origem do fabricante. Os deputados também pretendem revogar a Lei 16.111/2024, que autoriza a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP).

Durante a coletiva, o deputado Miguel Rossetto (PT) lembrou que o RS passou recentemente por uma longa e forte estiagem, depois ciclones e então enchentes devastadoras, eventos extremos no contexto da mudança climática. Ele ressaltou que, embora haja a preocupação com a reconstrução do RS e os cuidados com a população, o momento é oportuno para recompor a agenda ambiental do estado.

“O Rio Grande do Sul já foi um estado de vanguarda e hoje é de atraso na agenda ambiental”, afirmou. Para o deputado, a sociedade gaúcha quer e necessita de uma nova agenda política que privilegie os cuidados com o meio ambiente. “A ideia de reconstruir o Rio Grande do Sul pressupõe um ponto de partida diferente no aspecto ambiental. É preciso aprender, refletir e alterar os rumos das coisas. O Bioma Pampa está sendo destruído, as bacias hidrográficas estão abandonadas…é preciso recompor essa agenda.”

Outra proposta pretende a revogação parcial da Lei 15.434/2020, chamada de Código Estadual do Meio Ambiente. As principais mudanças propostas são: o fim da Licença por Adesão de Compromisso (LAC) – chamada de autolicenciamento para atividades de médio e alto impacto ambiental; a retomada do protagonismo dos 25 Comitês de Bacia Hidrográficas na gestão dos recursos hídricos do estado; a retomada do protagonismo das universidades; e a ampliação da proteção do bioma Mata Atlântica e dos geoparques de Caçapava do Sul, Cambará do Sul e Quarta Colônia.

O projeto propõe ainda a criação do Plano Estadual de Mudanças Climáticas como instrumento da Política Estadual de Meio Ambiente, e altera o Código Estadual do Meio Ambiente para declarar o Bioma Pampa como Patrimônio Natural Estadual, entre outras mudanças de conceitos alteradas pelo governo Leite.

Há ainda outro projeto de lei apresentado pelas bancadas de oposição que cria o Instituto das Águas do Rio Grande do Sul e, por fim, a última proposta prevê a revogação parcial da Lei 14.982/2017, que extinguiu a Fundação Zoobotânica.

Pela bancada do PSOL, o deputado Matheus Gomes reconheceu que a correlação de forças na Assembleia Legislativa não é favorável a agenda proposta pelos partidos de oposição ao governo Leite e, por isso, reforçou a necessidade de mobilização da sociedade. Segundo ele, o sentimento de luta pela sobrevivência da população atingida pela enchente precisa “invadir” a Assembleia Legislativa.

“Os projetos são iniciativas que significam um primeiro movimento para remover ações que, se continuarem, não vão permitir a proteção ambiental do Rio Grande do Sul. A agenda ambiental deve orientar o esforço da reconstrução do estado”, afirmou.

O parlamentar do PSOL definiu como “medidas negacionistas climáticas” o conjunto de leis aprovadas pela Assembleia nos últimos anos. Em sua opinião, o governo Leite negligenciou ou negou a crise climática.

O deputado petista Pepe Vargas também enfatizou a necessidade de se fazer o debate sobre as leis ambientais no Parlamento gaúcho e convocou a sociedade civil a participar do movimento. “É hora de botarmos na defensiva quem fala em ‘ecochato’ ou que a preocupação com o meio ambiente é um ‘entrave’ para o desenvolvimento. O desenvolvimento tem que ter a preocupação ambiental”, ressaltou.

Entulho ambiental

A apresentação do “revogaço” proposto por partidos de oposição ao governo Leite contou com a participação e apoio de entidades ambientalistas do Rio Grande do Sul. Secretário-geral da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Paulo Renato Menezes lembrou do termo “entulho autoritário” usado para definir os resquícios da ditadura civil-militar (1964-1985) durante o período de redemocratização para definir a atual legislação ambiental apoiada pelo governo estadual.

De acordo com Menezes, o “entulho ambiental” do RS é consequência de governos negacionistas que não acreditam na ciência e não entendem que o desenvolvimento econômico precisa ocorrer em harmonia com a natureza.

Ele lembrou declaração recente do governador ao justificar que as alterações no Código Estadual do Meio Ambiente, em 2020, foram feitas para “adequar” a legislação estadual à legislação federal do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, notoriamente conhecido pelo desprezo à proteção ambiental. “Precisamos fazer uma reconstrução com a ciência e a participação social e não só com as consultorias estrangeiras”, afirmou.

Representante da Coalizão pelo Pampa, o zootecnista Rodrigo Dutra destacou os conceitos criados, segundo ele, sem embasamento em recentes legislações estaduais. Como exemplo, citou a definição de “área rural consolidada” inserida no Código Estadual do Meio Ambiente, alterado em 2020. O termo permite aos proprietários de imóveis rurais declarar como “área rural consolidada por supressão de vegetação nativa” aquelas áreas usadas para atividades pastoris (criação de gado, por exemplo). Tal permissão faz com que muitas propriedades rurais fiquem desobrigadas de cumprir a exigência de 20% de Reserva Legal, estipulada na Lei de Proteção da Vegetação Nativa, de 2012.

“Tem muita contradição e ignorância. Ao mesmo tempo em que se quer água para irrigação, se destrói nascentes”, lamentou Dutra.

Edição: Sul 21