Rio Grande do Sul

ARTIGO

Politizar a ecologia é preciso

'Politizarmos a ecologia será essencial para que possamos encontrar a saída deste labirinto de aporias em que vivemos'

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"As causas mais profundas desta calamidade têm nome, sobrenome e endereço certos" - Foto: Divulgação MAB

Há um campo teórico de investigação que atravessa a calamidade socioambiental que vivemos atualmente em Porto Alegre e no Estado do Rio Grande do Sul. Ele nos oferece a possibilidade de compreendermos as condicionantes políticas mais profundas desta tragédia, seja por meio do exame crítico das relações de poder implicadas nas dinâmicas interativas humano-ambientais existentes, ou ainda pelas estruturas hierárquicas e de classe presentes nos processos de produção e de apropriação da Natureza. Este campo é a Ecologia Política.

Para além deste drama – sem menosprezarmos o sofrimento, a dor e a perplexidade que nos assola, sobretudo às(aos) nossas(os) irmãs(ãos) mais necessitadas(os) – além da absoluta premência de sermos solidários com as(os) mais atingidas(os) que clamam por resgate e cuidado neste momento crítico, impõe-se a radicalização (de ir à raiz) da crítica a esta desdita sem precedentes, investigando as suas causas tangentes mais profundas, que envolvem as relações de poder próprias da intervenção humana no meio ambiente.

Exaustivamente noticiadas, as irresponsabilidades praticadas por aqueles que têm por atribuição maior cuidar da cidade e da população, sobretudo da mais vulnerável, parecem estar bem marcadas. Da mesma forma, parece estar evidente a necessidade urgente de avançarmos a passos largos na direção da construção de novas lógicas precaucionais, preventivas e eficazes de contenção a desastres ambientais, que apontem para o abandono não só de uma visão míope da realidade da transição climática atual, como para a idolatria do negacionismo estúpido, medíocre e mortal. No entanto, precisamos ir além. As causas mais profundas desta calamidade têm nome, sobrenome e endereço certos.

É importante compreendermos que o capitalismo pratica uma forma de organizar a sociedade, a Natureza e o mundo, ao configurar o que estudiosos com Jason W. Moore. Eileen Crist, Donna J. Haraway, Justin MacBrien, Elmar Altvater, Daniel Hartley e Christian Parenti[1] denominam de “ecologia-mundo”. Ao efetuarem a análise crítica do conceito de Antropoceno por meio da ideia de Capitaloceno, esclarecem que “[...] o Capitaloceno não significa capitalismo como sistema econômico e social. Não é uma inflexão radical da Aritmética Verde. Em vez disso, entende o capitalismo como uma maneira de organizar a natureza – como uma ecologia-mundo multiespécie, situada e capitalista”.    

Politizarmos a ecologia, portanto, será essencial para que possamos encontrar a saída deste labirinto de aporias em que vivemos. Visualizarmos possibilidades concretas e libertadoras de um futuro criativamente (des)ordenado, plural, misturado, diverso e interespécies para além da “ecologia-mundo” capitalista em nome de uma ética da vida é o desafio que se impõe.

As mudanças que expressam a transição climática contemporânea – sim, porque não estamos falando apenas de crise ou mudança climática – encontram-se fora do controle humano (se é que um dia estiveram). Romper os grilhões que nos aprisionam à ordem tecnoeconômica hegemônica dominante, que governa a insustentabilidade da vida, é pressuposto ético incontornável e condição de sobrevivência.

[1] Moore, Jason W. [org.] Antropoceno ou Capitaloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo. São Paulo, Ed. Elefante, 2022, p. 20.

* José Renato de Oliveira Barcelos é advogado, doutorando em Filosofia (PUCRS), área de concentração Ética e Filosofia Política (bolsista Capes/Proex), com período de estudos em nível de doutorado sanduíche na Universidade de Coimbra/Portugal; mestre em Direito Público (Unisinos), área de concentração Direito Público (bolsista Capes/CNPq); especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional (Ufrgs); bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (PUCRS); e-mail: [email protected]

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


Edição: Katia Marko