Diante do desastre climático que assolou o Rio Grande do Sul neste mês de maio, temos assistido, nas últimas semanas, a um debate acirrado a respeito do abastecimento de arroz no mercado brasileiro. De um lado, o governo anuncia a facilitação da importação de arroz para garantir o abastecimento interno e, por outro, os representantes dos produtores e da indústria de arroz garantem que não vai faltar produto, que tem produção suficiente para abastecer o mercado interno e que as perdas não teriam sido tão grandes.
Com certeza, arroz é o principal alimento básico da população brasileira, o que lhe dá, junto com o feijão, uma importância fundamental quando se fala em segurança alimentar e nutricional. Por outro lado, o Rio Grande do Sul responde por aproximadamente 70% da produção nacional, o que o remete ao centro das atenções quanto a este cereal.
Dada essa importância para o abastecimento nacional, o governo federal, ao longo de muitos anos, tem tratado de incentivar os produtores por meio da busca de renda ao setor, garantido aos produtores e à indústria renda suficiente para continuarem produzindo e beneficiando arroz. Diversas crises foram enfrentadas pelo setor e tiveram, ao longo da história, a atuação decisiva do governo federal, que investiu e investe vultosos recursos públicos, inclusive na pesquisa, irrigação, crédito, comercialização, etc.
No mercado, quando os preços pagos ao produtor não garantem o mínimo para a viabilidade econômica da atividade, o governo lança diversos mecanismos para elevar os preços, além de subsídios dos financiamentos agrícolas, chegando algumas vezes, inclusive, em renegociações de dívidas.
Vale lembrar que, para enfrentar a concorrência do arroz do Mercosul, o governo, juntamente com as indústrias, desenvolveu estratégias para incentivar a exportação de arroz e impor restrições sanitárias, fator reconhecido publicamente e fundamental para o equilíbrio da oferta e da demanda para a manutenção dos preços internos. Noutra ocasião, houve uma grande exportação de arroz para o Programa Mundial de Alimentos, fundamental para debelar uma grande crise do setor.
Por outro lado, é obrigação do governo garantir ao povo o acesso ao arroz, tanto quando o mesmo está ameaçado por falta do produto, quanto quando o acesso está dificultado por conta do preço alto. Nos últimos meses, o preço subiu mais de 40% aos produtores e chegou a 23 dólares a saca, maior preço dos últimos 20 anos. Isso em plena safra de grãos. Quanto chegará o preço na entressafra se nada for feito?
Como se vê, o governo tem como função defender os dois elos mais fracos da cadeia produtiva do arroz, os produtores rurais, em especial aqueles que não tem como segurar a safra, e os consumidores, principalmente os de baixa renda.
Entendemos que o debate a respeito desse tema tem tomado um caminho tortuoso e levado a uma politização exagerada. A nosso ver, o governo federal tem atuado de forma responsável e cumprido com sua função constitucional. Com certeza está agindo pelo princípio da precaução e da soberania nacional, pois diante de uma tragédia que afetou muito justamente a zona produtora de arroz; frente a um ajuste entre oferta e consumo; interrupção de estradas e portos; e diante de preços muito superiores no varejo e aos produtores em relação ao mesmo período de safra de anos anteriores, nos parece que nada mais restava ao governo senão agir. E o fez, diante de tamanha ameaça à economia popular, lançou mão de mecanismos que garantam o abastecimento e a equalização dos preços do mercado a patamares razoáveis com a realidade. Temos certeza que abrir a importação através da redução de tarifas e com cotas pré-estabelecidas e racionais, é muito mais racional e estratégico do que estabelecer sobretaxas de exportação, por exemplo.
Defendemos que o governo federal e a cadeia produtiva sigam dialogando por meio dos canais próprios para isso, como a Câmara Setorial Nacional do Arroz. É necessário que se avalie continuamente o comportamento do mercado, de forma que se garanta, ao consumidor, arroz em quantidade e com preços acessíveis; e, aos produtores e à indústria, o equilíbrio econômico indispensáveis. Afinal de contas, daqui a alguns meses estaremos semeando novamente o arroz que estará na mesa do povo brasileiro no ano que vem. Cadeia produtiva e governo federal são parceiros inseparáveis nessa tarefa.
* Claudio B. Pereira é engenheiro agrônomo. Foi presidente do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), de 2011 a 2014, e prefeito de Santa Vitória do Palmar (2005-2010).
** Claudio Fioreze é engenheiro agrônomo, doutor em Solos e docente do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), foi extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-RS) e diretor geral e secretário estadual da Agricultura e Agronegócio (2011-2014)
*** José H. Hoffmann é engenheiro agrônomo, pós-graduado em planejamento agrícola pela UFPR; e mestre em Economia Rural pela Ufrgs. Foi presidente da Sociedade de Agronomia do RS (1986-1988) e Secretário Estadual da Agricultura e Agronegócio (1999-2002).
**** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko