Cláudia mora em Cachoeirinha, mas trabalha em uma galeria comercial na rua 24 de Outubro, em Porto Alegre. Na semana passada ela decidiu voltar ao trabalho depois de dias difíceis e sem qualquer mobilidade. Se arrependeu no meio do caminho. Saiu de casa às 7h30min e só conseguiu chegar em Porto Alegre às 13h30min. Pode isso? O ônibus da Transcal não tinha como chegar ao destino. Enfrentou alagamentos, protestos, fechamento de rodovia e lentidão do trânsito. O ônibus estava lotado, com gente em pé.
As pessoas imaginavam e zombavam de que a viagem não era para Florianópolis, mas para o Centro Histórico de Porto Alegre. Chegou no trabalho, deu um alô, não fez nada e voltou para Cachoeirinha. Mais três horas. O dia se foi. Só hoje (4) voltou ao trabalho, mas ficou empacada por duas horas no ônibus, viagem que dura habitualmente 1 hora e 15 minutos.
Assim, um pouco mais, um pouco menos, está a vida dos trabalhadores e trabalhadoras nas cidades da região Metropolitana. Consideradas, por muitos, como cidades-dormitórios, a retomada da rotina nos seus empregos está complicada. Desemprego, falta de dinheiro, contas, casas perdidas, prejuízos, rondam a vida destas pessoas dependentes do transporte público. Há também hoje o caminho inverso, de gente que sai de Porto Alegre para os parques industriais da área metropolitana. A situação também continua complicada. A demora nas paradas é exageradamente longa. Às vezes nem vale a pena ir para os locais esperar por um milagre - um ônibus com lugares disponíveis e cumprindo o seu itinerário.
A Metroplan, responsável estatal pelo transporte na região, não consegue manter atualizado o seu portal com as informações necessárias aos usuários. Está tudo confuso. A última notícia no site é do dia 3 de maio. Em condições normais o transporte público de ônibus faz diariamente o deslocamento de mais de 250 mil passageiros da região Metropolitana para Porto Alegre e em sentido contrário.
Hoje não existem regras firmes e consistentes. Está na base do seja o que for possível. Em função das enchentes e da destruição de ruas, barreiras, alagamentos, diversas cidades precisaram suspender completamente o serviço de transporte para a Capital, e vice-versa, enquanto outras ainda operam parcialmente, e precisaram encontrar alternativas para seguir fornecendo o serviço, mesmo com aumento no trajeto a ser percorrido.
Passados mais de 30 dias desta situação transitória, a empresa Transcal, que opera em Cachoeirinha, deslocou alguns dos ônibus da sua frota para outros fronts, como Canoas, deixando milhares de pessoas nas paradas de Cachoeirinha.
A situação começa lentamente a se regularizar, com o volume das cheias baixando e as rodovias e ruas sendo restauradas, mas não há perspectivas deste caos retornar à sua rotina.
Em Porto Alegre, a situação também não está fácil. Para o sul e norte, as linhas estão funcionando sem regularidade. Tudo é feito com certa parcimônia. A grande maioria dos roteiros e itinerários não está sendo cumprido, mas vai indo, me disse um fiscal da EPTC que fazia ponto na Cristóvão Colombo hoje pela manhã (4).
A Rodoviária de Porto Alegre também está em processo de recuperação. Fechada em 4 de maio, está na fase de higienização e conserto de suas redes sanitárias e elétricas. As suas lanchonetes e lojas também foram arrasadas. Não há data prevista para retorno à normalidade. São três mil pessoas que circulam por ali diariamente. O Trensurb também funciona precariamente em alguns trechos.
Já o Aeroporto Salgado Filho só volta a funcionar na segunda quinzena de dezembro, conforme a empresa concessionária, a Fraport. Pode reabrir antes, mas há grandes dificuldades a serem superadas em todo o terminal – desde a pista até a parte interna dos prédios. Por enquanto, então, a saída é encontrar lugar nos poucos voos da Base Aérea de Canoas.
Direito de ir e vir por terra e ar a partir de Porto Alegre para qualquer lugar que se queira não está fácil. Não sabemos se existe paciência para esperar. A agenda de viagens deve ter sido perdida na enchente. Até o catamarã, que faz a travessia Capital x Guaíba pelo lago também está parada. Não sabe quando volta.
* Jornalista
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko