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Entidades de direitos humanos pedem apuração de ação da guarda municipal contra moradores do Sarandi

Episódio ocorreu no dia 29 quando comunidade protestava por um compromisso formal para remoção de suas casas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Sarandi é o bairro mais impactado com a enchente da capital gaúcha, onde mais de 26 mil pessoas foram afetadas - Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Entidades de direitos humanos pedem, em nota, a apuração e a responsabilização de agentes da Guarda Municipal de Porto Alegre envolvidos em uma ação violenta contra moradores da Vila Nova Brasília, no bairro Sarandi, na zona Norte da capital gaúcha. O caso ocorreu na última quinta-feira (29), quando integrantes da comunidade foram contidos com truculência ao protestar contra a remoção de suas moradias. A nota é assinada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS), o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (CCDH-RS).

De acordo com o documento, no dia 29 de maio de 2024, diante da necessidade de reconstrução do dique do Bairro Sarandi, a prefeitura de Porto Alegre manifestou a intenção de demolir aproximadamente 40 moradias. “Os moradores buscavam formalizar um acordo para o remanejo de suas casas para outro local. Quando as famílias tentavam encontrar uma solução através do diálogo, a gestão municipal optou pelo gás de pimenta e bala de borracha para dispersar os moradores”, diz a nota. O Sarandi é o bairro mais impactado com a enchente da capital gaúcha, onde mais de 26 mil pessoas foram afetadas.

A entidade também pontua que, além da violência contra os moradores, a Guarda Municipal agrediu com spray de pimenta, intimidou e ameaçou verbalmente o advogado Ernani Rossetto, que acompanhava a comunidade quando as casas estavam sendo demolidas. Conforme o documento, as violações contra o advogado dos moradores continuaram posteriormente, no momento em que ele acompanhava as famílias na sede do Departamento Municipal de Habitação (Demhab).

Em nota ao Brasil de Fato RS, a Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG) informou que a Guarda Municipal precisou fazer uso de recursos moderados de dispersão na quarta-feira (29) durante conflito entre moradores da Vila Nova Brasília e servidores da prefeitura. 

“De acordo com os agentes mobilizados na segurança do local, próximo ao dique do Sarandi, a ação ocorreu após tentativa de agressão a um procurador do município. Nenhuma pessoa ficou ferida. O diálogo entre as partes, que consiste na oferta de soluções habitacionais e acolhimento às famílias, foi prontamente restabelecido. A remoção de 37 residências construídas irregularmente foi necessária para a recomposição do dique, localizado em uma área onde residem 70 mil pessoas”, afirmou a pasta.

O advogado Ernani Rossetto nega qualquer tentativa de agressão ao procurador. “O que teve foi uma manifestação do procurador que os moradores entenderam como descaso e deboche a respeito das casas. O que os moradores queriam, na prática, era que a prefeitura fizesse o cadastro das pessoas que estavam ali, dizendo que eram suas casas. E que, após o cadastro, fizesse um acordo por escrito a respeito do que eles estavam prometendo: estadia solidária, bônus-moradia, valor da compra assistida de R$ 127 mil e o cadastramento no recurso federal e no recurso estadual, que é aquele do SOS do Rio Grande do Sul. Em um dado momento, a coisa começou a ficar agitada, porque era um lugar muito pequeninho e muito apertado”, relatou. 

“Se as pessoas querem que os seus direitos sejam concretizados, a prefeitura tem o dever de fazer isso. E não pode tratar as pessoas com gás de pimenta e balas de borracha, inclusive, menos ainda, o advogado que está ali representando e fazendo a defesa dos moradores. É importante que a prefeitura se atenha ao sofrimento das pessoas e que, nesse momento, não resolva tudo e qualquer desentendimento na bala de borracha e no gás de pimenta”, conclui o advogado.

Negociação

A deputada estadual e presidenta da CCDH-RS, Laura Sito, que acompanhava negociação, ressaltou, em sua rede social, que os moradores querem garantia que terão uma casa para morar. “É óbvio que precisa fechar o dique, mas a prefeitura age com violência, gás de pimenta nas pessoas que estão negociando. As pessoas querem ter garantia de que saindo daqui elas terão casas. Elas moram aqui por necessidade e o poder público precisa garantir condições dignas."

Durante a negociação na sede do Demhab, ficou acordado que as famílias terão prioridade para acessar os programas habitacionais do município e do governo federal. “Foi disponibilizado opção delas optarem pelo bônus moradia de R$ 127 mil, ou pelo Minha Casa Minha Vida. Está sendo feito o cadastro dessas famílias. Elas também receberão outras políticas, como o Estadia Solidária e o recurso do governo federal”, detalhou Sito.

Abaixo a nota conjunta na íntegra:

O Conselho Estadual de Direitos Humanos do estado do Rio Grande do Sul (CEDH-RS), juntamente com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (CCDH-RS) todas no uso de suas atribuições conferidas em lei, vem por meio deste manifestar o que segue. 

As entidades que subscrevem este documento acompanham com preocupação as consequências enfrentadas pelas pessoas atingidas pelas enchentes no Estado do Rio Grande do Sul. Muitas estão desabrigadas e outras encontram severas dificuldades para retomar suas moradias, que se encontram deterioradas, muitas ainda sem luz e água. 

A situação de calamidade pública reconhecida pelo Estado (Decreto Estadual nº 57.596/2024) afetou diversas pessoas, especialmente aquelas em áreas periféricas, que estão em situação de vulnerabilidade acentuada pelos alagamentos e deslizamentos.

No dia 29 de maio de 2024, acompanhou-se a reconstrução do Dique do Bairro Sarandi, em Porto Alegre, onde a Prefeitura manifestou a necessidade de demolir aproximadamente 40 moradias. Durante a atuação para garantir o direito à moradia da comunidade, a Prefeitura de Porto Alegre, através da Guarda Municipal, agiu com truculência e violência contra os moradores que buscavam formalizar um acordo para o remanejo de suas casas para outro local. Quando as famílias tentavam encontrar uma solução através do diálogo, a gestão municipal optou pelo gás de pimenta e bala de borracha para dispersar os moradores.

Além da violência contra os moradores, a Guarda Municipal agrediu com spray de pimenta, intimidou e ameaçou verbalmente o advogado Ernani Rossetto, que acompanhava a comunidade quando as casas estavam sendo demolidas. As violações contra o advogado constituído pelos moradores continuaram posteriormente, quando ele acompanhava as famílias na sede do Departamento Municipal de Habitação (Demhab).  

Lamentavelmente, os mesmos agentes de segurança adentraram no auditório em que aconteciam as negociações e continuaram a intimidar o advogado, e se afastaram do local após a intervenção da OAB/RS, acionada para acompanhar a situação.

Repudiamos toda e qualquer violência praticada pela Guarda Municipal de Porto Alegre contra a população severamente atingida pelas enchentes, que tiveram vidas e projetos devastados, bastando de violações aos seus direitos básicos. Igualmente, condenamos qualquer ato de agressão e intimidação que inviabilize ou dificulte a atuação profissional de advogados e advogadas no exercício de suas funções, em especial a defesa dos direitos humanos e fundamentais, como o direito à moradia. 

Por fim, manifestamos pela instauração de procedimento para a apuração das violações relatadas, a fim de que se apure a responsabilidade dos agentes envolvidos.


Edição: Katia Marko