Em menos de um ano o estado do Rio Grande do Sul foi marcado por ciclones e enchentes. Desde o início de maio, sofre com a maior catástrofe climática da sua história e uma das maiores do país. Avisos não faltaram, afirma a Organização Não Governamental (ONG) Eco Pelo Clima. A entidade, com o apoio e participação de diversos movimentos populares e entidades da sociedade civil, realizaram nesta sexta-feira (31) uma marcha de protesto, alertando sobre a necessidade urgente do decreto de emergência climática.
“Hoje, no dia 31 de maio, mais um dia de greve global pelo clima, marchamos no Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre, onde a gente está novamente lutando por um decreto de emergência climática”, ressalta a fundadora do Eco Pelo Clima, Renata Padilha.
Conforme Renata, a emergência climática já está dada no estado, e que diante da situação, é urgente que haja esse decreto. “Que reconheça o avanço do aquecimento global e que crie um plano de resposta à emergência climática, que coloque as pessoas e povos mais afetados na discussão e na criação de todas as políticas públicas”, afirma.
De acordo com ela, em 2020, a ONG já havia solicitado um decreto sobre a questão. Em setembro do ano passado, a entidade junto com outros movimentos, parlamentares gaúchos realizaram a primeira audiência pública sobre emergência climática do estado.
“As mudanças climáticas estão nos matando. Emergência climática já!”
Essa era uma das tantas exigências ilustradas nos cartazes que compuseram a marcha, que teve concentração na Esquina Democrática, ponto histórico das reivindicações sociais. Além de cartazes, o ato foi acompanhado de faixa, baterias, e com gritos de “Fora os negacionistas”. Durante a marcha, os manifestantes denunciaram o descaso dos governantes, pontuando como “negligentes e incompetentes” os governos do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), e do governador Eduardo Leite (PSDB). Assim como os efeitos do agronegócio e da exploração do carvão.
De acordo com o último boletim da Defesa Civil, divulgado na manhã deste sábado (1º), dos 497 municípios gaúchos 475 foram impactados, afetando 2.390.556 pessoas. 580.111 pessoas ainda seguem desalojadas e 37.812 em abrigos. 171 mortes foram registradas, 43 pessoas ainda seguem desaparecidas e 806 feridas. Foram resgatadas 77.865 pessoas e 12.543 animais.
“Não existe como a gente falar hoje das nossas vidas sem falar da crise climática que o Rio Grande do Sul, que Porto Alegre enfrenta, inclusive reforçando também o papel da universidade no combate à crise climática. Para nós, é essencial que a universidade esteja a serviço da população, dialogando, debatendo saídas para essa emergência climática que a gente vive”, defendeu o presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), Alejandro Guerreiro.
A produção de ciência, os estudos que já foram feitos, prossegue Guerreiro, como é o caso do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e de outras universidades, dão a linha de qual é a Porto Alegre, qual é o estado que a gente quer construir a partir da justiça climática, que é também a justiça social.
Alertas feitos por especialistas em 2015 foram ignorados
Conforme reportagem do Intercept Brasil, há pelo menos 10 anos um amplo estudo da Presidência da República já apontava chuvas acentuadas no Sul do Brasil em decorrência das mudanças climáticas. O documento também chamava atenção para a necessidade de sistemas de alerta e de planos de contingência.
O estudo intitulado projeto “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, foi encomendado em 2014 pela gestão de Dilma Rousseff, dois anos antes do seu impeachment. Entre as questões analisadas estavam a elevação do nível do mar, mortes por onda de calor, colapso de hidrelétricas, falta d’água no Sudeste, piora das secas no Nordeste e o aumento das chuvas no Sul, superior a 15%.
De acordo com a reportagem, até hoje não é fácil encontrar os relatórios que compõem o “Brasil 2040” na internet. “Apesar da urgência de seus alertas, os estudos simplesmente não estão disponíveis publicamente”, aponta.
Flexibilização ambiental
Em entrevista ao programa Roda Viva, da emissora pública paulista TV Cultura, em maio, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a gestão estadual não foi omissa em relação a medidas que poderiam minimizar ou até evitar os estragos causados pelas chuvas que atingem a região desde o início do mês. Na ocasião ele negou que sua gestão tenha atuado contra a legislação ambiental. Mas as medidas colocadas em prática ao longo do mandato sinalizam inconsistências na fala do governador, como o projeto que alterou 480 pontos da lei ambiental do estado.
No dia 23 de maio, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu prazo de dez dias para que o governo do Rio Grande do Sul e a Assembleia Legislativa gaúcha esclareçam as mudanças realizadas no Código Estadual do Meio Ambiente, em que foram flexibilizadas regras ambientais.
Em entrevista ao jornal O Globo, desta sexta-feira (31), o prefeito Sebastião Melo reconheceu falhas no sistema antienchentes. Também afirmou que a pauta ambiental não é um tema central em eleições no Brasil e criticou o que define como "grenalização" da política gaúcha em meio à catástrofe.
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Edição: Katia Marko