A jornalista Cristina, 69 anos, precisou atravessar uma rua alagada. A sua bota se encheu de água. Ela ficou com as pernas molhadas umas duas horas. Um dia depois caiu de cama com uma gripe fantástica. Sono, falta de vontade para fazer qualquer coisa, sem apetite. Ficou prostrada.
Maria Cecília, gerente de uma farmácia de manipulação, não enfrentou nada disso. Ela trabalha em ambiente fechado, tem as regalias do ar condicionado, mas pegou uma forte gripe. Faltou ao trabalho. Acha que pegou de algum dos tantos clientes que atende rotineiramente.
São dois contextos diferentes, mas mostra que as doenças respiratórias são um grave problema de saúde no Rio Grande do Sul. Frio, enchente, alagamentos, umidade. Tudo contribui para o quadro destas doenças. Os postos de saúde ainda enfrentam dificuldades de funcionamento. Até ontem (31), 26 unidades de saúde estavam fechadas em Porto Alegre. Entre elas as da região das Ilhas, Navegantes, Assis Brasil e Lami. Outras 10 unidades não estão funcionando para dar suporte aos abrigos. Ou seja, o mesmo atendimento que seria feito no posto foi deslocado para os pontos de acolhimento.
Conforme a prefeitura, 98 unidades de saúde atendem em seus locais de origem. Entretanto, a maioria dos profissionais está mobilizada no atendimento às pessoas nos abrigos temporários da Capital e grande parte da equipe também foi afetada pela enchente. Os postos abertos realizarão apenas exames para dengue e vacinação contra gripe, porque os insumos foram destinados aos hospitais e outros foram perdidos para a água e a lama.
A situação nos hospitais também é séria. As áreas que atendem doenças respiratórias vivem lotadas, com muita gente procurando atendimento. O atendimento está no nível do razoável. Fazem o que é possível. Muitas pessoas tentam resolver a situação por conta própria. É a tal de automedicação, que oferece sempre sérios riscos.
Ebserh atua na prevenção e na disseminação de informações
Nesse contexto, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), responsável pela administração de 42 Hospitais Universitários Federais (HUFs) no país, incluindo três no estado gaúcho, está atuando na prevenção e na disseminação de informações que visam garantir o bem-estar e a saúde da população afetada.
A pneumologista do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Eliana Daiha, alertou sobre os riscos de doenças, especialmente as respiratórias, em decorrência da exposição a água contaminada, ambientes frios e úmidos, além de aglomerações após enchentes. O contato com esses fatores pode causar ou agravar doenças respiratórias, afetando tanto as vias aéreas superiores (boca, nariz, laringe, faringe) quanto as inferiores (traqueia, brônquios e pulmões).
As doenças respiratórias podem atingir qualquer faixa etária, mas são mais frequentes e preocupantes em crianças e idosos. As principais enfermidades que podem afetar essa população incluem gripe por influenza, diversas viroses (como H1N1, covid-19, vírus sincicial, que afeta principalmente bebês), rinite, sinusite, faringite, pneumonias, asma brônquica e agravamento de doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC).
A médica pneumologista do Hospital da PUCRS de Porto Alegre e coordenadora do Centro de Pesquisa Maimônide do RS falou para o Brasil de Fato sobre o momento gaúcho da enchente, o inverno que está chegando e as doenças respiratórias.
Confira:
Brasil de Fato RS - Que tipo de consequência pode ter as enchentes e o frio que nos atingem neste momento para as vias respiratórias?
Jussara Fiterman - Nos meses de inverno as doenças respiratórias agudas, como os resfriados, as gripes, as pneumonias, ocorrem com maior frequência. Além disto, pessoas que apresentam doenças crônicas como DPOC e asma, podem sofrer agravamento de suas enfermidades. O frio é um estresse para as vias aéreas que ficam mais vulneráveis, com a maior exposição aos vírus que se disseminam mais, situação agravada pelas aglomerações que comumente ocorrem, já que as pessoas tendem a manter os ambientes fechados.
A situação atual da catástrofe que ocorre no RS vem piorando o estado de saúde das pessoas porque a enchente traz consigo aumento de incidência de outras doenças, como leptospirose, tétano, entre outras. As doenças respiratórias somam-se a essas, o que aumenta muito mais a utilização dos serviços de saúde, a ocupação de leitos hospitalares e a dificuldade de atendimento da população.
BdF RS - Quem mais sofre? Adultos, idosos ou crianças?
Jussara - As crianças, principalmente as menores de 5 anos e mais ainda as menores de um ano, bem como os idosos têm risco de maior incidência de doenças respiratórias, além de serem mais suscetíveis a constituírem casos mais graves. Isto ocorre principalmente devido à baixa imunidade nas faixas etárias extremas.
BdF RS - Quais principais recomendações neste período de frios médios e intensos?
Jussara - Recomenda-se cuidados gerais de higienização das mãos, para evitar contaminação, ficar em ambientes mais arejados com menos aglomeração, evitar convívio com outras pessoas com tosse e, se tossir, sempre colocar a mão na boca para evitar a transmissão, ficar aquecido, manter uma alimentação adequada e se hidratar.
BdF RS - A vacinação é fundamental?
Jussara - A vacinação da população é, com certeza, uma prioridade em saúde e deve ser estimulada. Ela é fundamental para reduzir riscos e desafogar o sistema de saúde que já está sendo muito requisitado pelos casos de doenças diretamente oriundos das contaminações da enchente. É importante conscientizar, sempre, os cuidados respiratórios necessários.
Doenças respiratórias mais comuns
Gripe: é uma infecção causada pelo vírus Influenza e dura em torno de 7 a 10 dias. Os sintomas são: tosse seca, dor de cabeça, dores musculares, febre, coriza e congestão nasal.
Rinite crônica: é uma inflamação na mucosa do nariz que pode ser descompensada por alergia a pelo de animais, pólen, mofo, poeira, umidade, poluição do ambiente e alterações rápidas do clima. Os sintomas são: espirros, tosse seca, coriza, nariz entupido, dor de cabeça, além de coceira no nariz, olhos e garganta.
Sinusite crônica: ocorre quando os seios da face ficam obstruídos devido à grande quantidade de secreção. Os sintomas mais frequentes são: dores na região da face, sensibilidade e vermelhidão nos olhos, nariz entupido, tosse, mau hálito e dor de garganta.
Faringite: é uma infecção causada por vírus ou bactérias que atinge a faringe (garganta). Os sintomas são: dor para engolir, garganta com sensação de estar seca e/ou de arranhar, tosse seca e febre.
Pneumonia: é uma infecção que pode atingir um ou os dois pulmões e é causada por vírus, bactérias ou fungos. Os sintomas podem variar: cansaço, febre de moderada a alta, dor no peito ao respirar ou tossir, tosse com secreção, calafrios e falta de ar.
Asma Brônquica: é uma doença inflamatória crônica, com períodos de agravamento agudo do quadro, levando a sintomas como: chiado no peito, tosse com ou sem secreção, falta de ar ou dificuldade para respirar, além de cansaço.
Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC): é um conjunto de doenças pulmonares, como enfisema pulmonar e bronquite crônica, que obstruem a passagem de ar nos pulmões e causam inchaço da mucosa dos brônquios. Mais comum em pessoas que fumam ou fumaram e/ou expostas a algum tipo de produto químico. Os principais sintomas são: falta de ar crônica e persistente, tosse frequente; respiração ofegante, chiado no peito ao respirar; produção de secreção. A maioria dessas doenças são agravadas pelo frio, umidade e infecções por vírus, bactérias e fungos.
Tuberculose pulmonar: é uma doença infecciosa e contagiosa que afeta, geralmente, os pulmões, mas pode afetar outros órgãos como rins, pele e ossos. Tem transmissão por via aérea (ao falar, tossir ou espirrar) e no compartilhamento de talheres e copos contaminados. Os dois sintomas de alerta são: tosse e febre persistente, principalmente, vespertina (fim de tarde/noite) por mais de três semanas. Outros sintomas: tosse com escarro de sangue, dor no peito ao respirar, febre baixa e suores noturnos, perda de peso e falta de ar. Entretanto, algumas pessoas podem estar infectadas ou doentes e não apresentar sintomas.
Edição: Katia Marko