A Prefeitura escolheu o auditório do Instituto Ling como local para anunciar o Plano Porto Alegre Forte, realizado com apoio da consultoria Alvarez & Marsal, e a plataforma Reconstruir Porto Alegre, ambos com o objetivo de recuperar a Capital atingida pela maior enchente de sua história. A plateia, formada basicamente por empresários – ao menos assim o prefeito se referia ao público –, assistiu e aplaudiu, nesta sexta-feira (31), uma apresentação marcada por cobranças ao governo federal, pela divisão de responsabilidades e um discurso emotivo do prefeito Sebastião Melo (MDB), visivelmente incomodado com as críticas que tem recebido desde que as águas do Guaíba inundaram diversos bairros da Capital no começo de maio.
Pelos cálculos da Prefeitura, o custo estimado dos prejuízos na cidade varia entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões. Desse valor, R$ 600 milhões são com perdas de arrecadação e R$ 5,5 bilhões com a reconstrução da rede de saúde, escolas, áreas verdes, programas de moradia e investimentos de R$ 500 milhões em obras de reconstrução de drenagem e segurança hídrica.
Durante a apresentação, Melo logo voltou a dizer o que já tem afirmado: que não há sistema de proteção de cheias que possa funcionar em Porto Alegre sem a inclusão de São Leopoldo, Canoas, Gravataí e outras cidades da região metropolitana. A afirmativa, contudo, vai no sentido contrário do sistema planejado para proteger a Capital da elevação das águas do Guaíba e de sua eficácia apontada por especialistas, desde que haja manutenção.
Tampouco demorou a aparecer no discurso a primeira cobrança ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lembrando a pandemia, o prefeito disse que “seria bom o governo federal ajudar os empresários a manter seus empregados por 30 ou 60 dias”. Ao falar da crise habitacional, com milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas, Melo garantiu: “Não tem como haver solução para tantas famílias se não houver recurso do governo federal”. Na sequência, lembrou a promessa do presidente Lula de que resolverá o problema da moradia e disse acreditar “na palavra”.
A postura defensiva do prefeito apareceu ao citar as casas de bombas, equipamentos que se tornaram centrais no debate sobre as causas da enchente na Capital e eventuais responsáveis. “As tempestades passam, as verdades aparecem”, tergiversou. Foi a deixa para novamente dizer que é competência da União “cuidar de secas e cheias” e perguntou: “Será que o governo federal está fazendo isso?”.
Melo disse não ser sério e ser apenas politicagem afirmar que a enchente na Capital foi causada por “duas casas de bomba”. No dia 6 de maio, entretanto, a cidade teve apenas quatro das 23 casas de bombas em operação.
As falhas nas comportas do Muro da Mauá e o apagão nas casas de bombas incomodam o prefeito. O desconforto cresceu depois que vieram à tona documentos de engenheiros do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), datados de 2018, em que já eram apontados problemas no sistema de proteção da Capital. Outro alerta foi emitido por engenheiros do órgão no final do ano passado, após a enchente de setembro evidenciar problemas de vazamento nas comportas e riscos de inundação em algumas casas de bombas. Ainda assim, não há espaço para mea-culpa no discurso da Prefeitura.
“Todas as casas de bombas estavam funcionando, elas colapsaram por causa do tamanho da enchente. Primeiro temos que refazer do jeito que elas estão, refazer os diques e os portões (comportas). São coisas imediatas. O modelo de novas casas de bombas passa por uma discussão de planejamento, ou seja, a altura em que as casas foram concebidas, com três metros, 3,80, deu no que deu. Então é preciso rever esse projeto. Fico muito satisfeito que o governo federal faça uma autocrítica e venha para esse processo, que o governador faça uma autocrítica e venha para esse processo, que os municípios venham para esse processo e não ficar um jogando para o outro”, afirmou Melo, definindo como “eleitoreiras” as críticas que tem recebido.
Coube ao vice-prefeito, Ricardo Gomes, anunciar que os R$ 500 milhões a serem investido em reconstrução de drenagem e segurança hídrica envolverão obras “melhores e mais modernas”. Gomes então comparou a construção do Muro da Mauá com o carro Corcel 2, lançado pela Ford em 1977. “Mesmo com manutenção (o Muro), é um Corcel 2.”
Segundo Melo, o vice-prefeito agora precisa viajar o mundo e ir para os Estados Unidos e a Europa com o objetivo de captar recursos para reconstruir a Capital.
Entre as críticas que o Prefeito tem recebido, uma delas trata dos R$ 400 milhões que o Dmae manteve em caixa em 2023, valor que funcionários e ex-diretores do órgão dizem que deveriam ter sido investidos em melhorias na rede pluvial da Capital. O valor é próximo ao anunciado agora pela Prefeitura.
Em outro momento, numa retórica para aliviar sua responsabilidade, Melo voltou a questionar quantos presidentes da República, governadores do Rio Grande do Sul e prefeitos de Porto Alegre falaram em crise climática nos últimos 30 anos. “Não vamos politizar a dor do Rio Grande e vamos juntos reconstruir nossa cidade”, convocou, para então emendar que a palavra do momento deve ser “esperançar” – o verbo transitivo direto ficou famoso na pedagogia do educador Paulo Freire, figura perseguida pelos bolsonaristas.
O prefeito ainda refletiu sobre a solidão do poder. Aos berros, disse que muitos a sua volta dão palpite, mas ele é quem tem que decidir. “Numa crise, a melhor decisão é a mais rápida”, afirmou, numa curiosa definição. “Somos um governo menos preocupado em anunciar. Vamos realizar, fazer”, disse, no evento de anúncio do Plano Porto Alegre Forte e da plataforma Reconstruir Porto Alegre.
Reconstruir Porto Alegre
Conforme a Prefeitura, a plataforma Reconstruir Porto Alegre tem como objetivo conectar empresas que possam custear obras em estruturas físicas afetadas pela inundação da cidade. No site, estão relacionados, inicialmente, 54 equipamentos, como escolas, postos de saúde, centros de atendimento psicossociais, parques e praças.
Cada equipamento público tem informações sobre o local afetado, sua importância para a comunidade local, a especificação das intervenções necessárias e o valor estimado.
A orientação do governo municipal é que, ao escolher a obra para a qual pretende contribuir, a empresa faça contato por WhatsApp específico para saber mais sobre as demandas existentes. Os valores das obras serão repassados diretamente pelas empresas aos fornecedores contratados, sem intermédio da Prefeitura.
A promessa é que o site seja atualizado constantemente, relatando o andamento das obras – os nomes dos parceiros também serão informados pela plataforma.
Segundo Germano Bremm, secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), não haverá qualquer contrapartida da Prefeitura às empresas privadas que assumirem as obras de reconstrução.
Edição: Sul 21