Rio Grande do Sul

DIREITO À MORADIA

Ocupação Rexistência renasce no centro de Porto Alegre para abrigar famílias atingidas pela enchente 

Organizado pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia, prédio foi ocupado pela primeira vez em setembro de 2023

Brasil de Fato | Porto Alegre |
“O movimento ocupou, pela segunda vez, esse imóvel aqui na Andradas, 1780, em solidariedade às famílias atingidas pelas enchentes", afirma coordenadora - Foto: Jorge Leão

O Rio Grande do Sul tem até o momento 580.111 pessoas desalojadas e 39.595 vivendo em abrigos, de acordo com a Defesa Civil. Em Porto Alegre, são 9.896. Diante da calamidade que milhares de famílias enfrentam desabrigadas pelas enchentes, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), fez renascer a Ocupação Rexistência, no prédio da antiga Cia. de Arte. Nesta sexta-feira (31), o movimento fez a limpeza do local, localizado na Rua dos Andradas, 1780, no Centro Histórico.

“Fui atingido pelas enchentes de 2024. Também perdi minha casa em 2023 no ciclone, onde o governo oferece voucher, oferece espaços que são para amontoar pessoas, como as pousadas e outros locais. Sendo que a gente tem inúmeros imóveis vazios, como no Centro, como áreas nobres de Porto Alegre”, aponta Deivid Soares. 

De acordo com o Observatório das Metrópoles e com o Censo de 2022, de 686.414 domicílios particulares permanentes em 2022 na capital gaúcha, 558.151 estavam ocupados, 101.013 vagos e 27.250 eram de uso ocasional. Conforme ressalta o MNLM, imóveis públicos devem ser disponibilizados para abrigar as famílias até que alternativas dignas de moradia sejam garantidas. “Não queremos 'cidade provisória', queremos que a função social dos imóveis públicos seja efetiva neste momento.”

Em entrevista à Folha de São Paulo, no dia 15 de maio, o prefeito Sebastião Melo (MDB) afirmou que não havia imóveis disponíveis nesse momento para abrigar tantos desabrigados."

A maneira de termos um espaço é ocupando e resistindo 

“A gente vê as pessoas querendo colocar em cidades provisórias que a gente sabe que não vão ser provisórias. Desde 2018 a política pública para moradia no nosso estado, não só em Porto Alegre, é precária. Quando não mandam as pessoas para muito longe, como o bairro Sarandi, Humaitá, que pela construção da Arena, do aeroporto, as pessoas foram tocadas cada vez mais para longe. O governo apenas remove as pessoas. A maneira de a gente reivindicar e ter um espaço da gente é ocupando, resistindo e lutando", afirma Deivid.


Deivid Soares foi atingido pelas enchentes / Foto: Jorge Leão

A ocupação renasce no edifício de nove andares que pertencia originalmente à Caixa Econômica Federal. O espaço, em 1997, foi transformado em centro cultural. Até 2021 foi administrado pela Companhia de Arte e, em 2022, foi incluído na lista de 92 imóveis de propriedade do município que podem ser alienados, seja por venda, permuta, cessão ou parceria.

“Esse prédio estava nessa lista de leilão dos imóveis públicos, um prédio que foi cedido pela Caixa para a prefeitura para a construção de equipamento cultural. Aqui funcionava a Companhia de Arte e cada um dos andares abrigava projetos culturais importantes para a cidade. Durante a pandemia foi fechado, esvaziado com a promessa de que seria reformado e esses projetos voltariam a acontecer nesse lugar. Diferente disso, ele foi colocado à venda”, expõe a coordenadora estadual do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Ceniriani Vargas da Silva (Ni).


“Somos um movimento que já tem 34 anos de experiência na luta pela moradia. Sabemos que as soluções que estão sendo apresentadas não são imediatas, não são rápidas", / Foto: Jorge Leão

Desabitado desde então, o prédio foi ocupado em setembro do ano passado. Na ocasião, horas após a ocupação, a Guarda Civil Municipal (GCM) de Porto Alegre reprimiu violentamente os apoiadores. No dia 23 de outubro o prefeito Sebastião Melo (MDB) assinou o decreto 22.269/2023 que declarava o imóvel de interesse social.

“O movimento ocupou, pela segunda vez, esse imóvel aqui na Andradas, 1780, em solidariedade às famílias atingidas pelas enchentes, justamente trazendo esse questionamento de que há alternativas outras a essa questão proposta pela prefeitura de cidade provisória”, afirma a coordenadora. 

Ceniriani ressalta que no momento da primeira ocupação a denúncia que o movimento fazia era em relação à venda dos imóveis públicos municipais. “Na ocasião fizemos a ocupação reivindicando que ele fosse retirado dessa lista. Tivemos a vitória, ele foi retirado. Posteriormente, o prefeito assinou um decreto de destinação desse prédio para habitação de interesse social, mas, desde então, não andou mais nada também”, afirma.


Prédio foi ocupado pela primeira vez em setembro do ano passado / Foto: Jorge Leão

Com a situação de calamidade, de emergência, que o estado vive, prossegue a coordenadora, é preciso reforçar a importância de colocar os imóveis públicos à disposição para abrigar as famílias. 

“Somos um movimento que já tem 34 anos de experiência na luta pela moradia. Sabemos que as soluções que estão sendo apresentadas não são imediatas, não são rápidas. As pessoas terão que ficar em lugares, em condições dignas por um período longo. Não há possibilidade de, com rapidez, solucionar o tamanho da demanda que a gente tem de pessoas, de famílias que ficaram desabrigadas. E o mais rápido é isso, é reformar rapidamente o que tiver de imóveis públicos e colocar as famílias para dentro até que se tenha uma solução mais adequada e definitiva. Também precisamos que a prefeitura ligue imediatamente a luz e a água deste prédio”, conclui.


Edição: Katia Marko