Rio Grande do Sul

COZINHAS SOLIDÁRIAS

Integrantes do MAB levam auxílio a atingidos pelas enchentes no Vale do Taquari

Há 15 dias uma brigada de solidariedade de atingidas pelos crimes das mineradoras em MG está no estado

Brasil de Fato | Estrela |
“É uma forma da gente unir nossas dores, tristezas e decepções e tentar reconstruir um mundo melhor, ter mais esperança”, declara Aparecida Reis - Foto: Amélia Gomes / MAB

Há 15 dias uma brigada de solidariedade de atingidos e atingidas pelos crimes das mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton está no Rio Grande do Sul para prestar apoio e solidariedade às famílias atingidas pelas enchentes no estado. Aparecida Reis, moradora da comunidade de Revés do Belém, distrito da Bacia do Rio Doce, e Cláudia Pereira, de São Joaquim de Bicas, na Bacia do Paraopeba contam sobre a experiência e apontam semelhanças entre a situação dos gaúchos e mineiros. 

As duas estão atuando no Vale do Taquari. Na região, o volume dos rios Forqueta, Guaporé, Carreiro, da Prata e das Antas fez com que o nível do Taquari subisse em 33 metros, o que equivale a um prédio de dez andares. A força das águas devastaram casas, árvores, prédios e vidas. Pelo entorno do rio, o cenário se assemelha a um filme de apocalipse. Cláudia, que além da lama de rejeitos também enfrentou uma enchente na infância, já sentiu na pele o que passam os gaúchos. 

“Do mesmo jeito eles perderam, não deu tempo de tirar nada. Eu morei mais de um ano em um abrigo. E aqui a gente tá vendo que o pessoal está muito sofrido, muito sofrido mesmo. Eles precisam mais do que nunca de ajuda, porque a situação é muito crítica. Fomos visitar um povoado que praticamente não sobrou nada, nem um pedaço de telha para poder falar que ali era casa, é muito triste a situação aqui”, reflete. 


Aparecida Reis é moradora da comunidade de Revés do Belém, distrito da Bacia do Rio Doce / Foto: Amélia Gomes / MAB

Assim como em Mariana e Brumadinho, os atingidos pelas enchentes também enfrentaram um longo período de desabastecimento, no Taquari foram cerca de 20 dias sem água e outros 15 sem energia. A saúde da população é outro ponto de preocupação, além do contato com a água de enchente, a condição mental dos atingidos pós um grande trauma demandará um acompanhamento a longo prazo. 

“É uma forma da gente unir nossas dores, tristezas e decepções e tentar reconstruir um mundo melhor, ter mais esperança”, declara Aparecida Reis. Esperança é um sentimento que não falta para a atingida. Apesar da tristeza e do luto vivenciado após perder três filhas afogadas no Rio Doce, em 2012, a pescadora continuou o seu trabalho até ter sua rotina interrompida pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015.

“Mesmo a gente passando praticamente as mesmas coisas que eles estão passando, o meu recado para eles é não desistir de lutar. Eu penso assim, a esperança a gente não pode deixar ela morrer, sempre persistir, sempre lutar, porque sem luta a gente não chega a lugar nenhum”, aconselha a atingida. 


Cláudia Pereira é de São Joaquim de Bicas, na Bacia do Paraopeba / Foto: Amélia Gomes / MAB

As duas atingidas estão contribuindo na Cozinha Solidária de Estrela. Por dia, elas preparam 20 quilos de arroz, 15 quilos de feijão, 20 quilos de verdura e 80 quilos de proteína que são transformados em 250 marmitas entregues no jantar para os atingidos da região. Na cidade, os trabalhadores já foram convocados para seus postos de trabalho, apesar de ainda não terem restabelecido suas moradias, muitos ainda seguem em casa de parentes ou alojamentos. Com isso, a prioridade da cozinha é fornecer o jantar, que é o período em que as famílias mais necessitam.

Cozinha Solidária de Estrela completa uma semana com produção de 2.500 marmitas

Todas as noites as quentinhas chegam na casa da Tamila Mariele dos Santos, ou Bibi, como é conhecida entre os moradores. A gaúcha tem ajudado a organizar a distribuição das marmitas produzidas na Cozinha Solidária do MAB na cidade de Estrela.

Em operação desde o dia 23 de maio, a cozinha produz 250 marmitas para o jantar e cerca de 50 refeições durante o almoço. Bibi é uma das coordenadoras dos grupos de base organizados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens no Vale do Taquari e tem se dedicado a mediar as demandas urgentes dos atingidos, como alimentação e agasalhos. “A gente tava fazendo comida aqui, mas era improvisado com panelas pequenas, agora resolveu tudo porque já chega pronto. É uma maravilha!” celebra.

Antes das inundações, o bairro Morada Nova, onde mora a atingida, era formado por 250 famílias. Agora, a estimativa é que essa população tenha dobrado. “Tem casas que estão com três, quatro famílias dentro”, conta. A mãe de Tamila, Elis Regina da Silva, é uma das novas habitantes. Como Elis Regina morava distante do rio, Tamila não achou que a enchente fosse chegar na casa da mãe e se dedicou a ajudar os moradores ribeirinhos a retirarem os móveis de casa. Quando teve notícias da mãe, soube que a casa dela também estava sendo inundada. “Eu achei que ela estava segura e fui ajudar as outras famílias, mas graças a Deus ela está bem, mas perdeu todos os móveis”, conta. Em Estrela, o rio Taquari subiu 33 metros. 


Tamila Mariele dos Santos, ou Bibi, como é conhecida entre os moradores, e sua mãe Elis Regina da Silva / Foto: Amélia Gomes / MAB

Desde a primeira grande enchente na região, ocorrida em setembro de 2023, o movimento tem atuado no território atendendo cerca de 600 famílias, aproximadamente 3 mil pessoas. Tatiane Paulino Bezerra integrante da coordenação do MAB, reforça que a situação é extremamente grave e requer o apoio de todos.

“Esse processo vai perdurar por muito tempo, não é um processo que se resolverá em um mês. Nós do MAB temos feito um estudo e levantamento de que essas ações de emergência vão durar pelo menos seis meses”, avalia. 

Além de Estrela, outras cidades do Vale do Taquari também tiveram bairros inteiros devastados, como Cruzeiro do Sul e Arroio do Meio. Em Roca Sales, por exemplo, 10 dos 12 mil habitantes foram atingidos pelas enchentes, de acordo com informações da Defesa Civil Municipal.

* Jornalista do MAB


Edição: Katia Marko