“Dá aquela sensação de parecer estar voltando as coisas ao normal. Apesar de saber que vai demorar para voltar”, afirma a cuidadora Maiara Flores, moradora do bairro Santos Dumont, em São Leopoldo. Voltando do trabalho em Novo Hamburgo, Maiara foi uma das primeiras passageiras do retorno do funcionamento da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), nesta quinta-feira (30), feriado de Corpus Christi. O transporte ficou suspenso por 27 dias devido às enchentes causadas pela crise climática que assolou o Rio Grande do Sul. Por conta do colapso do sistema de bilhetagem, não há cobrança de tarifa.
Mais de três mil passageiros foram transportados no primeiro dia de operação emergencial, intitulada Trilhos Humanitários. Nesta retomada, das 22 estações, 13 estão em funcionamento, compreendendo um trajeto de 26 quilômetros entre Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo. O horário de funcionamento será das 8h às 18h, em intervalos de 35 minutos, e com capacidade de transportar até 30 mil passageiros. Em seu funcionamento normal a empresa chega a transportar mais de 100 mil passageiros.
"Parece uma coisa doida, tu pensar que o metro parou, então tudo parou, o estado parou”, comenta a cuidadora. Usuária diária do trem, Maiara diz que foi complicado ficar sem o transporte nesses mais de 20 dias. A cuidadora foi uma das mais de 580.111 pessoas que ficaram desalojadas no estado, segundo a Defesa Civil. “A gente foi atingida, mas não tão gravemente como muita gente foi ali. Ficamos abrigadas na casa da patroa da minha mãe, por cerca de 15 dias. Ao voltar para casa teve muita limpeza, até hoje a gente segue limpando.”
Esperando na plataforma de Novo Hamburgo, também estavam o casal de aposentados Ana Luísa, 65, e Jair da Silva, 75, moradores do bairro Campina em São Leopoldo. Eles estavam abrigados na casa da nora. Segundo o casal, a água chegou até a cintura, e eles tiveram que sair de casa pela janela. "Foi horrível a tragédia para nós. Não sabíamos se íamos sair vivos. O susto foi grande, a gente custou a comer, ficou com nervos abalado.” Há quase um mês fora de casa, o casal comenta que ainda não conseguiu voltar para casa por conta que há um pouco de água e barro.
Indo para o casamento de um filho na cidade de Torres, eles desembarcaram na Mathias Velho, onde uma carona ia levá-los até o litoral. Sobre o retorno do trem, o casal afirma que ele ajudará a situação. “A gente precisa do trem, principalmente na nossa situação, e para quem trabalha..."
Alternativa de mobilidade
“Fiquei particularmente emocionada ao pegar o trem, porque desde que tudo começou é a primeira vez que eu saio de Novo Hamburgo, estava ilhada, fazendo campo de pesquisa só na minha cidade. Também emocionante quando as portas do trem se abriram e eles estavam batendo palmas ali dentro”, conta a bióloga e doutoranda em Desenvolvimento Rural, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luana Silva da Rosa.
Ela destaca a importância da volta do metro, principalmente por ser uma alternativa para aquelas pessoas que não têm outro tipo de locomoção neste momento e seu baixo custo em comparação com as viagens de ônibus intermunicipais.
Luana, que também é presidenta do Movimento Roessler, em Novo Hamburgo, está pesquisando na área de mudanças climáticas, especificamente sobre os eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul. Ela começou a pesquisa em junho do ano passado, quando houve o primeiro ciclone no estado. Desde então vem seguindo o rastro do colapso climático. “Neste sentido foi impactante ver o rastro (com a volta do metro) dessa destruição. Casas sendo reconstruídas, muito lixo, entulho ainda nas ruas. A gente está vivendo uma crise e vai ter que se adaptar a ela”, expõe.
Motorista de aplicativo, morador do bairro Campina, Selvino Verdun teve o carro danificado por conta da enchente. De acordo com um levantamento da empresa de consultoria Bright Consulting, cerca de 200 mil veículos foram danificados pelas enchentes entre abril e maio. O prejuízo é calculado em R$ 8 bilhões.
Apesar de não ter tido perda total do veículo, Selvino está quase há um mês sem trabalhar. Abrigado em casa de parentes em Novo Hamburgo, nesta quinta ele usou o metro para voltar a seu apartamento. Ele comenta que a volta do metro é uma boa, contudo ele pontua que podia ter sido retomada há mais tempo. “Entre Novo Hamburgo a Esteio poderia ter funcionado já que as estações são elevadas”, opina
De acordo com o diretor-presidente da Trensurb, Fernando Marroni, o trem não funcionou porque primeiramente a empresa teve que salvar os trens na via elevada (cada trem possui 200 metros). E também recuperar a subestação da São Luís. Um princípio de incêndio atingiu a subestação na semana passada. “Sem essa subestação, nós não poderíamos operar. E a estação deu um pane. Quando baixou a água, a gente conseguiu renergizar. Funcionou durante 18 horas e depois deu pane. São intercorrências que nós vamos sofrendo”, afirma.
Conforme pontua o presidente, da estação Mathias Velho a Farrapos a linha não sofreu muitos danos, contudo, não há energia para operar. “Duas das nossas subestações que são necessárias para fazer esse trajeto ficaram submersas, vai ser um longo processo para recuperação. Outro problema é da Farrapos até o Mercado, a linha foi completamente comprometida porque ela não pode ficar alagada, e ela tem barro, o que prejudica o intertravamento da brita, gerando instabilidade.”
Na manhã desta quinta-feira (30), os ministros da Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, e do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, fizeram a primeira viagem de retomada do metrô ao lado do presidente da Trensurb, Fernando Marroni.
Ele reforça que a intenção é a curto e médio prazo colocar em funcionamento até a estação Farrapos, contudo as subestações demandam equipamentos específicos para operação do trem.
“Nós estamos buscando com outras operadoras de trem se conseguimos antecipar por empréstimo, por aluguel, por arrendamento, por cedência, enfim. Nós estamos tentando viabilizar isso para poder continuar nossa operação de Mathias Velho até Farrapos. De Farrapos pra frente vai demorar mais, a empresa precisa substituir os dormentes, que mantêm fixos os trilhos, por exemplo. Assim como trocar todo o leito.”
Para a psicopedagoga e cuidadora de idosos Regina Nescobar o retorno do trem para aqueles que realmente precisam está sendo muito boa. O lado negativo, pontua, é a redução dos horários. “No meu caso eu dependo do trem. Caso eu perca o último horário, terei que usar Uber.”
Regina mora na vila Tereza, em São Leopoldo, e trabalha em Novo Hamburgo. Sua casa não foi atingida, mas a de seus familiares sim. “Estou com familiares na minha casa que perderam tudo. É muito preocupante ver minhas irmãs perderem tudo, começar do zero. Eu tento amenizar a situação e ver de que maneira eu posso ajudar. A gente vai continuar assim por um bom tempo, infelizmente.”
Sobre o horário de funcionamento, Marroni também salienta que por conta das condições técnicas, não há, ainda, a possibilidade de ampliar o horário.
Translado até a Capital
Da Mathias Velho até a Capital e vice versa, a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), ligada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano (Sedur), disponibilizou ônibus da Transcal para o trajeto. Com o valor da passagem de R$ 6,85.
Edição: Katia Marko