Rio Grande do Sul

Coluna

A palavra fim (escrita em algum lugar) não é para nós

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Região do Vale do Taquari, em oito meses, foi atingida por dois eventos climáticos extremos - Francisco Proner
Precisamos firmar mentes e pés no chão nestas eleições e trabalhar para termos o RS que merecemos

Olhar para o presente, para o que se vê nas ruas e nas TVs, indica o tamanho da tragédia e do desafio em que estamos metidos.

“Se é para se angustiar, que seja por dinheiro”. Escutei essa frase do apresentador Luciano Huck, no intervalo do Fantástico do último domingo (26). Ali estava, infiltrado na casa de milhões, aquele deformador de opiniões, ex-candidato à presidência da República, e quem sabe até possível futuro candidato, explicitando as bases em que se apoiam sua riqueza e seu sucesso. Entretenimento, doutrinação, mentiras e alienação. Mecanismos a serviço de interesses que se beneficiam do desmonte da solidariedade consciente e das possibilidades de democracia participativa

Afinal, aquele programa serve para sugerir, ensinar, enaltecer e valorizar exatamente o quê? As vantagens do clientelismo, das soluções mágicas patrocinadas por golpistas, das maquinações que acumulam privilégio e força, de tudo aquilo que se relaciona à ideia-mãe de que o dinheiro compra tudo?

Espero que pelo menos os gaúchos entendam que não há dinheiro que compre os gestos de solidariedade e de respeito à dor, oferecidos gratuitamente por anônimos àqueles submetidos à condição de cobaias deste projeto fracassado de desenvolvimento ecocida. Espero que, ao final desta crise, tenhamos interiorizado a verdade de que o respeito, como uma cuia de mate, não se vende, não se compra, e só se dá a quem merece. E os que não se autorrespeitam – que se dispõem a servir àqueles que lhes oferecem buçal, freio e rédeas – haverão de sentir na carne quão pouco valor lhe atribuem os beneficiários desta máquina que constrói a ignorância coletiva.

Pensando nisso, vejo na energia daquele Rio Grande do Sul que tem sido pioneiro em muitas coisas, a serviço do bem e do mal, o potencial para recuperar a auto-estima de nosso povo, condição necessária para a reorganização do estado e para a reativação do que podemos oferecer ao desenvolvimento da dignidade deste país. 

Sei que é possível, como sei que a maneira como viremos a emergir desta crise dependerá de nosso projeto comum e das forças que conseguirmos mobilizar. Por isso, vale relembrar que tanto servimos de base para a Campanha da Legalidade, que impediu antecipação do golpe e da ditadura militar, como nos prestamos a ser a ponta da lança que golpeia de morte todos os nossos biomas, consolidando o agronegócio exportador de soja transgênica.

Com tal energia e capacidade de liderança para o bem e para o mal, precisamos entender que, assim como nos momentos de avançar com olhos fechados, “sem apontar culpados”, fomos capazes de alimentar os canalhas e a produzir tragédias; pelo oposto, em tempos de sanidade e reflexão, comprometidos com a moral e a ética, conseguimos afrontar e interromper ações genocidas, protelar barbáries, construir orçamentos participativos e abrigar fóruns sociais mundiais.

Nesta dicotomia em precisamos escolher quem somos e a quem apoiamos, não podemos esquecer que os nossos canalhas são espertos e não são poucos. Ademais, ainda que simpáticos e efusivos em gestos de amizade, ainda que bem falantes e muito presentes nas grandes redes, eles são daquele tipo de gente que não se dá o respeito e, portanto, não o merece. Fazem parte daquele perfil disposto a roubar merenda escolar, fraudar testes de câncer, minimizar a importância e desviar recursos de campanhas de vacinação, trabalhar pela destruição de mecanismos protetores da vida e cometer todo tipo de fraudes em prol da construção da desigualdade, da injustiça e da ignorância coletiva.

Infelizmente suas práticas de distribuir migalhas nestes momentos em que estamos fragilizados, costumam ser muito efetivas para atrair e iludir pessoas ávidas por qualquer gesto de afeto. Daí o alerta: precisamos evitar e ajudar que outros evitem a sedução dos gestos e discursos orientados para a compra de influência, apoio e votos. Precisamos reagir a isso, na certeza de que mais uma vez nos defrontamos com um momento histórico, decisivo, cujo desenrolar afetará a nação. 

Se nos atrevermos a anistiar canalhas, a perdoar seus cúmplices, a negar suas relações e os compromissos com o acúmulo de iniquidades e corrupção, se permitirmos o empoderamento e a eleição de incompetentes vinculados ao Estado mínimo, ao agro pop e ao negacionismo ambiental que, juntos, destruíram 425 de nossos 497 municípios, esgualeparam as bases econômicas (47 mil das 51 mil indústrias) e afetaram diretamente a vida de três quartos dos gaúchos, de fato, mereceremos o cabresto que é o destino que isso nos impõem. 

Nesse sentido, para superar tanto nossas crises interiores como a das bases físicas do Rio Grande do Sul, precisamos assumir nossa parcela de responsabilidade e, a partir dali, enfrentar uma realidade que é nossa. Fomos nós que coletivamente escolhemos as hordas de negacionistas que estiveram dirigindo a capital gaúcha e o estado. E foram eles que, por meio de ações e omissões planejadas, com as quais vinham se beneficiando e enriquecendo, quase nos destruíram. Portanto, como estão à vista, e não podem ser ocultadas, as culpas daquelas lideranças e formadores de opinião convencidos de que o dinheiro compra tudo também não devem ser esquecidas. 

Está entre nossos deveres desmascará-los, evidenciar os motivos que nos levam a desprezá-los, e então substituí-los por pessoas que encarnem o oposto, que tenham demonstrado, pelo histórico de vida, a real disposição de trabalhar por todos e não apenas pelos seus.

Afinal, assim como as atitudes e as ações ao longo da vida da grande maioria dos representantes gaúchos no Congresso Federal, na Assembleia Legislativa e nas Câmaras de Vereadores revelam quem eles são e a quem eles servem, há também os outros, aqueles componentes da minoria que em todos os espaços não desistem de lutar contra as desigualdades e que, com seu fervor, mantêm acesa a brasa da esperança que ainda agora nos anima.

Por esses motivos, nestas eleições – que os golpistas, os oportunistas e suas hienas amestradas queriam transferir ou cancelar  – precisamos firmar as mentes e os pés no chão e, com olhos no futuro, não apenas votar corretamente, como (e principalmente) trabalhar com afinco por um resultado definidor do Rio Grande do Sul que merecemos.

Em cada cidade caberá identificar as pessoas verdadeiramente comprometidas com o recomeço, no rumo apontado pela Campanha pela Legalidade em direção a uma República soberana. E aqui onde vivo, em Porto Alegre, convencido de que sem isso não nos recuperaremos, posso afirmar que, sem sombra de dúvidas, vou votar em Maria do Rosário, Tamyres Filgueira e vereadores alinhados ao mesmo projeto.

Penso que o cantor Bebeto Alves, se estivesse entre nós, faria o mesmo, porque como ele também sei que, depois da chuva, não vamos morrer, desaparecer, sem deixar nosso rastro.

A palavra fim, escrita em algum lugar, não é para nós. 

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko