Rio Grande do Sul

Coluna

Tragédias ambientais entre a ideologia dominante e o patriarcado capitalista

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Para entender os desastres ambientais é necessário se perguntar quem os provoca e qual o papel do patriarcado capitalista - Arquivo pessoal
Mais do que nunca necessitamos agir e pensar de forma transversal nas nossas causas

O estado do Rio Grande do Sul e a cidade de Porto Alegre estão vivendo uma catástrofe ambiental como nunca viveram. Para entender os desastres ambientais que ocorrem no mundo inteiro é necessário se perguntar quem os provoca e qual o papel do patriarcado capitalista nessa destruição crescente.

Dados divulgados em 29 de maio retratam um cenário de destruição causado pelas chuvas e enchentes em 471 municípios do estado. Juntas, as cidades gaúchas já registram 169 mortes, 44 pessoas desaparecidas, quase 600 mil pessoas desalojadas e um total de 2,3 milhões de pessoas afetadas.

“A tragédia ambiental no Rio Grande do Sul é culpa dessa chuva que nunca, nem mesmo na inundação de 1941, atingiu esses níveis.” Sempre a culpa é dela! Nunca deles? Dos políticos negacionistas?

Parte da classe trabalhadora também pensa dessa maneira, senão, Eduardo Leite, Sebastião Melo, Jair Bolsonaro e tantos outros, não teriam sido eleitos. Vale lembrar que o governador lançou um projeto para liberar as áreas de preservação do bioma Pampa. Pensemos o que está por trás dessa submissão, ou falta de consciência, o que move a população pobre e trabalhadora, os seus pensamentos e desejos? É a ideologia da classe e categoria social dominante. A classe média, como se diz, nem classe é, e por isso acredita que um dia será rica e famosa.

Como diz a grande economista Maria da Conceição Tavares: “A economia é economia política, modelos matemáticos não servem para nada”. Os novos economistas veem os resultados das tragédias apenas por meio de números. Contudo, uma análise adequada do que está se passando no mundo requer a participação da história, da sociologia, entre outras ciências. É uma ciência social, portanto, o que hoje em dia não se vê, ou raramente se vê, nos meios de comunicação oficiais e da grande mídia. De fato, esses números revelam uma tragédia humana e social. 

As ideias e crenças não são automaticamente determinadas pelas classes sociais, mas por todos os grupos humanos que são submetidos a um comportamento padrão em termos raciais, sexuais e de gênero, essa ideologia vai se introduzindo e complexificando.

Na realidade, o Brasil está vivendo um período de produção baseado no desmatamento e na poluição, focado na mineração, no agronegócio e no setor financeiro, com a liderança das inovações tecnológicas. Podemos observar que nos comerciais da TV predominam as propagandas de bancos, de agronegócio e de aplicações tecnológicas.

Esse caminho que o capitalismo internacional trilha definiu aos países latino-americanos o papel de fornecedores, uma vez que são abundantes em terras, água e minérios. Também é o caso de produtores de petróleo e de grãos. O capital financeiro suga o capital produtivo e amplia as inversões em dinheiro. Dinheiro que produz dinheiro.

É preciso ressaltar que o capitalismo é patriarcal, assim como foi o feudalismo, e todos os modos de produção que o precederam, mantendo assim a superexploração graças, em parte, à dominação ideológica.

Marx e Engels (1840) consideram que a ideologia dominante é aquela da classe alta. As classes sociais são bombardeadas com essas ideias e acabam adotando-as por serem convencidas disso. Mesma ideologia, mas uma parte muito pequena da população ganha muito com o aumento da produtividade da classe trabalhadora. Esta abre mão de direitos e ganhos enquanto que os capitalistas aumentam sua taxa de lucro ao baixar salários em tempos de crise.

Uma causa única nunca vai ser libertadora, por isso, só a luta de classes não determina todas as lutas radicais e muitas vezes atua contra outras formas de opressão. Vivemos numa sociedade patriarcal, racista, LGBTfóbica, então a maioria das pessoas são passíveis de se tornarem preconceituosas, o que torna imprescindível um enfrentamento constante a essa contaminação das mentes e consciências.

Em uma live extremamente revolucionária, Milly Lacombe refere-se com horror aos estupros que ocorreram nos abrigos. Ela fala mais ou menos assim: “A maioria das pessoas considera que esses estupradores são uns monstros. Não, eles não são monstros. Monstruoso é o sistema em que foram criados.”

O patriarcado sustenta o domínio masculino há milênios, com ênfase na educação diferenciada das crianças e na opressão cultural. Isso se caracteriza na forma das ações educativas como, por exemplo, meninas lavam a louça, arrumam a casa e brincam de bonecas; os meninos devem proteger suas irmãs e jogar futebol com os amigos. 

Felizmente, após muitas e intensas lutas do movimento feminista, essa situação está mudando, principalmente, no mundo do trabalho; contudo, os salários das mulheres ainda são inferiores aos dos homens. O sistema precisa que as mulheres trabalhem em casa para que os patrões possam manter os salários baixos. O sistema também precisa de mulheres heterossexuais e casadas.

Essas iniquidades refletem-se em todos os momentos e situações da vida em sociedade e, mesmo em períodos de tragédia e desespero como o atual no Rio Grande do Sul, essas distopias permanecem e até se exacerbam. 

Por isso, mais do que nunca, necessitamos agir e pensar de forma transversal nas nossas causas e entender que o ecofeminismo, a luta ecológica, a resistência, a exploração de classe e a opressão de gênero são lutas correlatas, interligadas e urgentes.

Precisamos salvar o planeta e todas as vidas, humanas e não humanas. 

* Clarisse Chiappini Castilhos é economista aposentada e feminista desde os anos 70. Para a produção deste artigo, ela agradece a contribuição de Mariam Pessah e Clair Castilhos.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko