A redução do nível das águas após as cheias extremas no Rio Grande do Sul revelou um cenário sombrio sem precedentes na produção de arroz agroecológico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Além de arrozais devastados, o Brasil de Fato foi até os assentamentos e constatou a destruição de máquinas, estufas e galpões agrícolas. Tudo encoberto pela lama espessa e contaminada por um forte cheiro dos animais mortos - vacas, cavalos e porcos.
A água invadiu as casas dos agricultores e destruiu móveis e eletrodomésticos. "Perdi minha cama, meu guarda-roupa, o álbum do meu casamento. Dói muito", disse Marta de Oliveira, que mora no assentamento Apolônio de Carvalho, perto da capital gaúcha.
A perda foi total nas roças de alimentos saudáveis que iam para a merenda escolar e para a assistência social de municípios gaúchos. Essa produção, que também era vendida em feiras de Porto Alegre (RS), tem um ciclo mais curto e ajudava a criar renda mais imediata.
O arroz agroecológico do MST ganhou evidência no debate político em 2023 após ser considerada pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) como a maior produção orgânica do grão na América Latina.
Produtor de arroz estima R$ 1,5 milhão em perdas
"Conquistamos essa terra com muita luta. Só eu perdi mais de 13 mil sacas de arroz e R$ 1,5 milhão em colheitas e infraestrutura. Vamos fazer muita luta para recuperar nossa capacidade de produzir."
A estimativa do prejuízo é de Otavino José Vedovato, conhecido como Batavo, morador do assentamento Integração Gaúcha (IRGA), em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RS).
"Nós, do movimento, sempre fomos fortes e unidos. Essa solidariedade é o que nos ajuda a não perder a esperança. Todos estão tentando ajudar da forma que podem, seja com doações, seja com apoio moral", afirmou.
Batavo perdeu 27 hectares de arroz orgânico e 87 hectares de arroz convencional. A produção orgânica dele e de outros assentados é organizada pela Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap).
Na sede da Cootap, em Eldorado do Sul, a diminuição do nível da água revelou o apodrecimento do arroz orgânico, que estava armazenado e pronto para venda. Em meio ao cheiro forte, um mutirão do MST removia o lixo e o entulho.
"Tenho quatro tratores e uma colheitadeira. Sem contar bomba de água, quatro motores elétricos. Ficou tudo submerso", relatou Batavo, enquanto observa seu trator de rodas para cima sob o único galpão que restou de pé.
Água transbordou dique feito após cheias anteriores
Miguel Vodzik, do assentamento Integração Gaúcha, plantava arroz convencional e 170 tipos de orgânicos perto do rio Jacuí, que desagua no Guaíba. Ele foi o último a ser resgatado por moradores do próprio assentamento, quando a água já chegava a 2,5 metros acima do chão.
"Saí quando a água já estava no segundo andar da minha casa. Tinha que levar minha família para um lugar seguro. Só consegui sair a tempo porque os vizinhos ajudaram. Eu não conseguia ter reação, fiquei paralisado. Mas graças a Deus fui salvo", disse o agricultor.
Após cheias anteriores e menos intensas, Vodzik construiu um dique para conter as áreas do Jacuí e aumentar a área plantada. Mas o volume das águas neste ano rapidamente transbordou a estrutura.
"O agronegócio planta até dentro do rio. Quando chove, a água não tem para onde ir e vem parar aqui. O agro tem responsabilidade sobre a crise climática e enchentes. Precisamos ser mais responsáveis e cuidar da natureza", ponderou Vodzik.
"Governo que nos apoia deveria anistiar dívidas"
Os produtores de arroz e alimentos orgânicos apostam na luta coletiva do MST para dar a volta por cima e recuperar a capacidade de produção nos assentamentos. Agricultores ouvidos pelo Brasil de Fato pedem o reassentamento para fora de áreas de risco e o perdão de dívidas bancárias.
Entre investimentos em estrutura e custeio da safra, Batavo precisa pagar empréstimos bancários de R$ 200 mil. Parte foi obtida com crédito particular e parte com taxas de juros subsidiadas pelo programa federal Mais Alimentos.
"O mínimo que um governo que nos apoia [Lula] deveria fazer é anistiar as dívidas. A anistia é muito mais barata para o governo do que financiar uma reconstrução. Ninguém tem como quitar as dívidas depois de perder tudo" diz Batavo.
Já Miguel Vodzik defende a realocação de assentados que estão em áreas de risco. "É necessário um reassentamento para as áreas não afetadas por enchentes. Não podemos continuar em áreas de risco. Precisamos de segurança para recomeçar nossas vidas e nossas produções", defendeu.
O MST fez reivindicações urgentes ao governo federal, segundo Salete Carollo, da Direção Nacional do movimento. "Fizemos um levantamento minucioso de todas as áreas que envolvem infraestrutura social e produtiva. O MDA deveria aportar recursos no orçamento para a Conab e efetivar conosco o projeto de formação de estoque", afirmou.
O Pix para doações voltadas as ações do MST é o CNPJ do Instituto Brasileiro de Solidariedade: 09352141000148. Doações por depósito bancário podem ser encaminhadas utilizando os seguintes dados: conta 30253-8, agência 3001, banco 350.
MDA anuncia descontos em financiamentos
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) anunciou nesta quarta-feira (29) medidas para apoiar os agricultores familiares do Rio Grande do Sul. Entre elas, descontos nos financiamentos de crédito rural para agricultores atingidos pelas enchentes.
O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) foi ampliado para cobrir até 100% das perdas, assegurando renda mínima para os agricultores familiares que utilizam Programa.
Uma Medida Provisória (MP) autorizou um crédito extraordinário de R$ 12,1 bilhões. R$ 600 milhões serão destinados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e ao Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp).
Outros R$ 20 milhões são para 1333 famílias que vendem a produção ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Mais R$ 30,66 milhões custearão a distribuição de cestas de alimentos para 100 mil famílias.
Edição: Nicolau Soares