Rio Grande do Sul

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Desmonte dos serviços públicos levou Porto Alegre ao colapso

'A política de terceirização e privatização atingiu praticamente todos os setores da administração pública'

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Sacos de contenção são colocados na frente das comportas de Porto Alegre - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

As empresas públicas e os serviços públicos da nossa cidade, que já foram referência para o país todo, sofreram, nos últimos 20 anos de governos de direita, com a visão neoliberal de defesa do Estado mínimo. Um desmonte sem precedentes. A política de terceirização e privatização atingiu praticamente todos os setores da administração pública. 

Empresas como a Carris, que nas administrações populares era eleita como a melhor empresa de transporte coletivo do país, foram sucateadas até serem entregues à empresa Viamão. O serviço de coleta de lixo, feito pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que também era referência, inclusive, pela coleta seletiva, foi terceirizado e o serviço ficou péssimo. A assistência social, por meio da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), que fazia um trabalho de acolhimento das pessoas em estado de vulnerabilidade social, também foi terceirizada. 

O resultado mais visível dessa política de terceirizar o cuidado com a vida das pessoas foi, infelizmente, a tragédia da Pousada Garoa, onde morreram dez pessoas. Nesse triste episódio, ficou evidenciado o total descaso da atual gestão da prefeitura com o nosso povo, pois ficou claro que, além de terceirizar o serviço, o governo não fiscalizou o contrato, apesar de inúmeras denúncias de irregularidades e descumprimento do contrato por parte do contratante. A prefeitura fez vistas grossas até o pior acontecer.

Agora, no colapso do sistema anticheias de Porto Alegre e no sistema de drenagem da cidade, a receita neoliberal se repetiu. A gestão anterior do prefeito Marchezan Júnior (PSDB), que era apoiada na Câmara Municipal pelo mesmo bloco político de direita que apoia a gestão Sebastião Melo (MDB), extinguiu o DEP (Departamento de Esgotos Pluviais), responsável pela manutenção do sistema anticheias da cidade e do sistema de drenagem. 

As funções do DEP passaram para o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) sem nenhuma estrutura para absorver esse aumento de funções, ou foram terceirizadas, como a manutenção do sistema anticheias, que foi repassada para a empresa Bombas Sinos. Vale um parêntese: essa empresa foi contratada pela gestão Marchezan após a extinção do DEP, sendo a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb) dirigida na época pelo atual vereador do Partido Novo, Ramiro Rosário. 

O que demonstra o descaso das duas últimas gestões com a coisa pública foi o fato de o secretário da época, Ramiro Rosário, ter indicado o engenheiro Thierri Moraes para ser o responsável pela fiscalização do contrato com a Bombas Sinos. Em 2020, esse mesmo cidadão mudou de lado e virou diretor comercial da empresa de bombas, aquela que, até 2020, ele deveria fiscalizar. Ou seja, Thierri era contratante, fiscal do serviço e representante da empresa. Sobre isso, o vereador Ramiro Rosário nada fala, já para espalhar fake news é pródigo (confira no final do artigo nota com posicionamento da empresa Bombas Sinos **).

Agora, na maior crise climática da história do Rio Grande do Sul que estamos vivendo, o Sistema Anticheias de Porto Alegre - que segundo vários técnicos e especialistas é eficiente e robusto e deveria proteger Porto Alegre de inundações mesmo que o nível do Guaíba chegasse a 6 metros - falhou, e nossa cidade foi inundada, deixando bairros alagados, destruindo vias, casas, empresas e deixando milhares de pessoas desabrigadas. 

E aí vem o parecer dos especialistas: o sistema falhou por falta de manutenção. Esses mesmos técnicos apontaram vários pontos em que houve essa falta de manutenção, além da falta de investimentos e modernização do sistema. Também veio à tona um relatório de engenheiros do DMAE que, desde a gestão anterior, denunciava a falta de manutenção e propunham mudanças, dizendo que, se essas medidas não fossem feitas, poderia acontecer o que vimos nesta tragédia. Tanto a gestão Marchezan quanto a gestão Melo desconsideraram essas recomendações. 

O próprio prefeito atual falava, em um vídeo da campanha de 2020, que pontos de Porto Alegre alagavam quando chovia forte por falta de manutenção do sistema e falta de geradores nas casas de bombas. Ele sugeriu que a população trocasse de prefeito para que isso fosse corrigido. A população atendeu seu pedido e trocou, mas, depois de eleito, ele repetiu os mesmos erros e descaso do prefeito anterior. Inclusive, em um balanço feito por um órgão de imprensa, a atual gestão não destinou nem um real para a manutenção do sistema no orçamento público de 2023 e de 2024. 

Na última chuva forte que atingiu a nossa cidade, depois de muitas pessoas já terem voltado e limpado suas casas, a cidade inundou novamente e, dessa vez, bairros e regiões que não tinham sido atingidos ainda foram alagados, pois colapsou também o sistema de drenagem da cidade e a água voltava pelos bueiros. 

Esses acontecimentos acabam com a tese do Estado mínimo e da entrega das funções da prefeitura para a iniciativa privada. Ficou provado que Porto Alegre precisa fortalecer suas empresas públicas, como o DMAE, e criar ou recriar órgãos e empresas como o DEP e a Carris. Nossa cidade não pode ficar à mercê de empresas que só querem lucrar; precisamos reconstruir nossa cidade com políticas públicas e serviços públicos de qualidade. 

* Everton Gimenis é vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (CUT/RS) e suplente de vereador em Porto Alegre.

** Nota da empresa Bombas Sinos:

"A Bombas Sinos não é a única responsável pela manutenção do sistema anti-cheias de Porto Alegre. A empresa venceu licitação em 2018 para reformas nas bombas, colocando-as em operação. À época, apenas 40% do bombeamento estava em funcionamento e, em dois anos, chegou-se a índices superiores a 80% no sistema.

Mais tarde, em 2021, a empresa venceu uma nova licitação, mais abrangente: não buscava mais colocar em operação o que estava parado, mas manter o sistema funcionando como um todo.

Sobre a atuação de Thierri Moraes: não é verdadeira a informação de que ele saiu da Prefeitura e se tornou diretor da Bombas Sinos em 2020. Esta foi uma afirmação incorreta publicada originalmente pelo Intercept Brasil, baseado em um dado equivocado do LinkedIn pessoal de Thierri.

Ele abriu sua própria empresa naquele 2020 e, somente em 2023, foi convidado a se tornar sócio da Bombas Sinos, ingressando no quadro social apenas em dezembro daquele ano.

Thierri não era contratante (a Prefeitura, por meio do DMAE, o era), nem representante da empresa na época (só veio a fazer parte dela em 2023).

Por fim, registramos que a Bombas Sinos tem mais de 20 anos de história de serviços na Região Metropolitana, com clientes do setor privado e público, especialmente indústrias — e, também, com uma trajetória ilibada, atuando com respeito à ética e à legalidade."

*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


 

Edição: Katia Marko