A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, esteve esta semana em Genebra, na Suíça, chefiando a delegação brasileira que participou da 88ª Sessão da Comissão sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da ONU.
Na agenda da ministra constaram encontros com autoridades tais como o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, reuniões com representantes da sociedade civil e do governo federal que faziam parte da delegação e conversas com jornalistas.
Ao iniciar sua fala perante a CEDAW, a ministra tratou sobre a grave situação que passa o Rio Grande do Sul, estado brasileiro afetado com uma crise climática que atinge 469 dos municípios gaúchos.
“Deixo ainda uma mensagem de apoio e solidariedade às mulheres do Rio Grande do Sul, estado brasileiro que vive há quase um mês sob os efeitos de fortes chuvas e enchentes, deixando mais de 150 mortos e cerca de 2 milhões de pessoas afetadas. Estive na região no Dia das Mães, há duas semanas, e sei da dor e do sofrimento dessas mulheres que resistem, mesmo tendo perdido tudo”, disse a ministra.
Relatório destaca políticas públicas em prol das mulheres
A ministra Cida apresentou, na quinta-feira (23), o relatório brasileiro sobre a situação das mulheres no país e como estão sendo retomadas as políticas públicas em prol das mulheres no Brasil. O CEDAW é composto por 23 peritas internacionais e na atual sessão além do Brasil participam outros sete países.
A ministra abordou temas como a criação do Ministério da Mulheres, da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas no atual governo Lula, bem como da manutenção do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania o que, segundo ela, assegura os direitos de pluralidade e diversidade de todas as mulheres brasileiras como também reforça a prioridade aos direitos dos grupos excluídos e desfavorecidos.
Abordou também sobre o enfrentamento a todas as formas de violência baseadas em gênero através da retomada do Programa Mulher Viver sem Violência, o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, o Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal e a Lei da Igualdade Salarial e Remuneratório entre Mulheres e Homens. Lembrou ainda do Programa Dignidade Menstrual, o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Política contra Mulheres, o Brasil sem Misoginia, o Programa Desenrola, o Programa Quintais Produtivos, o Programa Pé-de-meia e o Programa Nacional de Alimentação Escolar entre outras tantas atividades e ações do governo federal e especialmente do Ministério das Mulheres que buscam promover o direito das mulheres e o enfrentamento à violência de gênero.
Outro ponto importante abordado pela ministra foi a necessidade de recompor o orçamento da pasta que tinha em 2015, no período do governo Dilma Rousseff, de R$ 236 milhões para serem executados pela então Secretaria de Políticas para as Mulheres. Ao assumir o ministério o valor encontrado pelo governo eleito na Lei Orçamentaria Anual foi de R$ 23 milhões.
Coletiva à imprensa
Em conversa com os jornalistas em relação a sua passagem pelo Rio Grande do Sul no dia 12 de maio para discutir questões da violência contra as mulheres e as denúncias que chegaram ao ministério, a ministra falou sobre o andamento das ações acordadas para o estado. Confira trechos da entrevista.
Protocolo em crises climáticas
“Eu estive no Rio Grande do Sul no Dia das Mães e o principal diálogo foi tanto com a Secretaria de Justiça e cidadania quanto com a Secretaria de Mulheres, mas também com o movimento social que está atuando. Nós estamos lá com todas as instituições e o movimento de mulheres e todas as feministas no campo, atuando nos abrigos como voluntárias e no primeiro momento inclusive salvando vidas. No dia que nós tivemos a reunião, duas passaram a madrugada indo salvar mulheres na aldeia indígena, enfim todo mundo fazendo tudo porque o importante era salvar vidas, era a primeira prioridade. Mas o principal debate foi a partir da reunião que a gente teve com o Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres, as denúncias sobre a questão da violência sexual que aconteceu nos abrigos.
A partir daí foi iniciada uma discussão sobre ter um protocolo estabelecido, que agora a gente está transformando um pouco em diretrizes gerais para o atendimento e o socorro das mulheres desde o início do salvamento. A hora que salva, onde que leva. A gente sabe que tem a emergência do salvar, tirar daquele lugar e salvar a vida. Mas dentro desse salvamento tem algumas questões específicas, que você pode fazer já no primeiro atendimento. O protocolo trata a questão do salvamento e do abrigamento.
A proposta é não fazer única e exclusivamente para o Rio Grande do Sul, mas para o processo inicial das emergências climáticas que aconteçam no país, você já começa a pensar abrigos específicos, profissionais específicos para as mulheres que estão em situação de violência ou que vivem em situação de violência. Então, isso é uma ação que nós estamos fazendo.
Nós estamos discutindo no âmbito do governo o reforço às cozinhas comunitárias. Nesse momento, nós temos lá cozinhas que são feitas exclusivamente pelo movimento feminista. A gente quer fortalecer, porque é um método novo, uma forma nova. Tem de vários movimentos, mas tem a questão do movimento feminista também com a cozinha atuando, que a gente quer dar uma fortalecida porque são questões específicas. E ações que fortaleçam agora a reconstrução. Mas pensar como a gente reconstrói a partir da ótica das mulheres. Nós estamos discutindo a questão das lavanderias comunitárias, tanto nos abrigos hoje, quanto nas cidades que eles querem construir. Essas são discussões que nós estamos fazendo com a Casa Civil, porque todas as ações de todos os ministérios estão centradas na Casa Civil e agora pelo Ministério da Secretaria Extraordinária no Rio Grande do Sul, que o ministro Paulo Pimenta coordena.”
Denúncias de violência nos abrigos
“A gente sempre denunciou, tanto a violência doméstica, quanto a violação das meninas e adolescentes dentro de casa. E ninguém nunca considerou. Quando você está no abrigo, essas questões vêm a público, porque você está em um lugar público. Então, nós precisamos analisar isso como um dado diferencial. Não é porque a pessoa está abrigada, não é porque está refugiada que isso aconteceu. Eu não quero colocar nesse nível. Eu acho que o que está vindo a público é aquilo que acontece dentro de casa. Com a questão do porquê que a gente tem tantas meninas com violação sexual, grávidas, e quando você vai ver os números, percebe que é a família, é o pai, é o irmão, é o avô, é o parente mais próximo. Então, isso acontece, mas quando você está a quatro paredes, a menina é ameaçada. Ela fica quieta. Ou, quando ela denuncia, ninguém acredita. Quando você está num espaço que é público, que é o abrigo, isso é evidente, porque é o outro que vê.”
Papel das mulheres na reconstrução
Ao abordar o papel das mulheres na reconstrução do Rio Grande do Sul e se existe a possibilidade de uma mudança no olhar das autoridades estaduais sobre a necessidade da criação das Secretarias das Mulheres para combater a violência e discriminação entre tantos outros aspectos a ministra Cida argumentou que o trabalho das mulheres tem sido essencial.
“Nos abrigos, nas cozinhas solidárias do MST, do MTST, nas outras que estão sendo feitas, o carro-chefe tem sido as mulheres. Eu acho que isso é importante. Agora, se você me perguntasse se isso significa que na reconstrução do Rio Grande do Sul nós vamos aumentar o número de Secretarias de Mulheres, vai ter um fortalecimento da Secretaria das Mulheres, eu não posso te garantir. Por quê? Porque isso é uma decisão de autonomia do Executivo Municipal e do Estadual. Nós podemos incentivar, orientar e financiar, como um método de incentivo. Mas, se eles não quiserem, eu não tenho como obrigar.
Então, acho que mesmo com a enchente, mesmo com todo o desastre que está acontecendo no Rio Grande do Sul, eu não posso garantir que vai ter uma mudança do olhar dos prefeitos que estão lá hoje. Agora, isso não significa que as mulheres, enquanto movimento, enquanto organização, não saiam fortalecidas. Eu acredito que o movimento de mulheres vai sair muito forte de todo esse processo. Até porque elas estão tendo um papel estratégico. Entidades como a Themis, a Rede Feminista, o Conselho Estadual, a gente têm ali o Coletivo Feminista Plural, elas estão diretamente vinculadas a todas as ações de socorro, de atendimento, de pensamento, de proposição política.”
Trabalho conjunto com as Nações Unidas
Finalizando sua agenda de atividades em Genebra, a ministra encontrou-se com o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk. Ela relatou as ações do governo brasileiro para enfrentar a misoginia e combater a violência contra as mulheres no país onde destacou dois temas específicos: a violência política e nas redes sociais contra as mulheres.
Na audiência, falou sobre o período recente de negacionismo e ataques constantes aos direitos das mulheres que vêm dificultando assegurar as pautas vinculadas a proteção dos direitos humanos no país. A ministra reafirmou a importância para o governo do presidente Lula trabalhar de maneira conjunta com as Nações Unidas nas pautas específicas de direitos humanos.
“O movimento fascista ataca o corpo das mulheres, das pessoas negras, das pessoas indígenas. Há ainda toda uma questão moral envolvida, que no último período definiu estereótipos de gênero de maneira muito acentuada, como a de que meninas usam a cor rosa e meninos, a cor azul” destacou a ministra.
A ministra se colocou à disposição, em nome do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para atuar conjuntamente com a ONU na construção deste processo importante de respeito às pautas dos direitos humanos no mundo.
Edição: Katia Marko