Após ficar fora de operação desde o dia 3 de maio por conta das enchentes, a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) prepara o retorno do funcionamento, de forma emergencial e parcial, para a próxima semana. Na maior catástrofe climática do estado, a companhia ficou com trilhos submersos, estações alagadas e danos nos sistemas de energia, além de depredação em algumas estações. O pátio da Trensurb, que estava começando a secar, voltou a ficar alagado devido às chuvas dos últimos dias.
No domingo (19), as equipes fizeram uma inspeção no trecho entre São Leopoldo e Mathias Velho, atividade que integra o planejamento para a retomada gradual das operações. A perspectiva é que isso ocorra na próxima segunda-feira (27), mas um princípio de incêndio, já contornado, na subestação de energia de São Luís, em Canoas, pode mudar os planos.
“É evidente que a Trensurb é um serviço essencial. Nós estamos pedindo prioridade no fornecimento de material, de mão de obra, de empresas especializadas para isso. Agora, as dificuldades são grandes para que a gente possa restabelecer o sistema. Nós não vamos desistir da nossa meta de segunda-feira, se não puder na segunda, terça, assim que puder. Nós vamos botar para rodar o trem entre Mathias Velho e Novo Hamburgo. Estamos fazendo todos os esforços para a retomada da circulação dos trens de forma emergencial”, afirma o diretor presidente Fernando Marroni em entrevista ao Brasil de Fato RS.
Dos R$ 12,2 bilhões garantidos pelo governo federal no dia 11 de maio, por meio de Medida Provisória (MP) para ações emergenciais no Rio Grande do Sul, R$ 164,3 milhões foram destinados à retomada do funcionamento do trem.
A empresa estatal chegou a abrigar pessoas e animais nas estações, mas, com o início do processo de limpeza, esse contingente foi transferido para abrigos.
Marroni detalhou ainda como está a estrutura das linhas e como será a retomada do funcionamento. “A operação vai ocorrer conforme a gente for conseguindo avançar: de NH a Mathias Velho, depois de Mathias Velho até o aeroporto, depois do aeroporto até Farrapos. Assim a gente está pretendendo recuperar. Essas podem ser recuperadas com mais velocidade. Agora, dali pra frente, é perda total da linha do trem. Esse é o problema”, expõe o presidente.
A Trensurb possui 13 estações, abrangendo as cidades de Novo Hamburgo, São Leopoldo, Esteio, Sapucaia, Canoas e Porto Alegre.
A previsão é que o serviço esteja totalmente disponível até o final do segundo semestre de 2024. A empresa está constantemente atualizando a situação do retorno do funcionamento em suas redes sociais.
Confira os principais trechos da entrevista:
Brasil de Fato RS - Os trens estão sem funcionar desde o dia 3 de maio. Neste domingo (19), a estatal fez testes entre as estações São Leopoldo e Mathias. Além disso, nessa quinta-feira (23), ocorreu um princípio de incêndio, já controlado, na subestação de energia São Luís. Há uma expectativa do retorno de funcionamento parcial como estava sendo planejado?
Fernando Marroni - Esse retorno parcial que a gente estava planejando contava com essa subestação. Sem ela, não é possível fazer esse retorno emergencial. Daqui até segunda-feira, junto com outros trabalhos que a gente estava ultimando para poder fazer essa operação emergencial, é possível que a gente recupere. O que aconteceu foi que um retificador queimou, nós temos peças sobressalentes.
O que está acontecendo nessa calamidade no estado do Rio Grande do Sul? Todas as cidades estão tentando levantar os seus sistemas de energia elétrica. Todos estão muito ocupados com isso. É evidente que a Trensurb é um serviço essencial, nós estamos pedindo prioridade no fornecimento de material, de mão de obra, de empresas especializadas para isso.
Agora, as dificuldades são grandes para que a gente possa restabelecer o sistema. Mas nós não vamos desistir da nossa meta de segunda-feira, se não puder na segunda, terça, assim que puder. Nós vamos botar para rodar o trem entre Mathias Velho e Novo Hamburgo nessa operação emergencial. Estamos fazendo todos os esforços para retomada da circulação dos trens de forma emergencial. Nossas equipes estão trabalhando arduamente para que isso aconteça o mais breve possível.
BdFRS - Com o retorno entre a Mathias Velho e Novo Hamburgo, por exemplo, vocês têm já construída uma relação com outros modais para ter transporte até a Capital?
Marroni - Nós estamos em contato permanente com a Metroplan para que a gente possa estabelecer, ela já nos informou que tem empresas, frotas disponíveis para fazer essa operação.
O problema, com essa volta das chuvas, por exemplo, a nossa estação Santo Afonso, que estava sendo ainda hoje (quinta-feira, 23) limpa, arrumada, tivemos que tirar o pessoal de lá porque já estava alagando embaixo.
Nós estamos em pleno evento [climático] ainda. Claro que a gente quer retomar durante o evento, transporte metropolitano é uma emergencialidade, mas estamos submetidos a essas intercorrências.
BdFRS - Para essa funcionalidade emergencial, o Centro de Controle Operacional (CCO) precisa estar sem água no pátio?
Marroni - Não. Esse trecho que nós projetamos entre Mathias e Novo Hamburgo, podemos operá-lo sem o CCO central. Existem três estágios para operação da Trensurb. Um dos estágios é de sinalização local. E a gente pode operar com sinalização local. O que vai nos salvar, inclusive, são os três antigos. Eles são menos tecnológicos e dependem menos dos sistemas eletrônicos que a gente tem hoje. Então, é possível operar com toda a segurança, mesmo sem o CCO.
BdFRS - E para o funcionamento total, de Novo Hamburgo a Porto Alegre, o que precisa ser feito?
Marroni - O nosso pátio baixou a água bastante, já estava quase seco. Entramos com as equipes de limpeza no pátio de estacionamento na sede da Trensurb. Por quê? Porque nós precisamos tirar os trens que estão ali e na via elevada (de São Leopoldo a Novo Hamburgo) ocupando as linhas. Para que a gente possa operar, tem que tirar esses trens dali. E hoje o nosso pátio voltou a alagar. O Humaitá é a área que está demorando mais a baixar as águas. E com a chuva de hoje, subiu tudo de novo. A gente não tem o controle sobre essas intercorrências. O que eu posso dizer? De Mathias Velho até Farrapos nós podemos operar em um segundo momento.
Agora de Farrapos a Porto Alegre é perda total da linha. Talvez a gente consiga funcionar no fim do ano. Claro, a operação vai ocorrer conforme a gente for conseguindo avançar: de NH a Mathias Velho, depois de Mathias Velho até o aeroporto, depois do aeroporto até Farrapos. Assim a gente está pretendendo recuperar. Essas podem ser recuperadas com mais velocidade. Agora, dali pra frente, é perda total da linha do trem. Esse é o problema.
Porque a água com barro, etc., ela afrouxa as britas. Ela deixa a linha instável, e aí é muito inseguro para circular o trem, principalmente de passageiro, em cima de uma linha sem estabilidade. Já ocorreu isso em setembro, foi alagado ali na bacia, na Nossa Senhora dos Navegantes, onde fica a igreja, embaixo da ponte. Nós fomos alagados duas vezes, tivemos que trocar toda a brita, tirar e botar o trilho de novo.
Desta vez, é uma extensão muito grande, vai praticamente da estação Farrapos, São Pedro, até o mercado, vai ter que ser trocado tudo, e as estações ficaram submersas, não tem condição de operação.
BdFRS - Vocês conseguiram fazer uma pré-avaliação dos prejuízos? E sobre recursos federais destinados à empresa?
Marroni - Ainda não tivemos condições de fazer essa avaliação porque está alagada. Ainda não baixou. Nós estamos no evento ainda. Sobre os recursos federais, nós recebemos R$ 164 milhões na primeira medida provisória para restabelecer o sistema, ainda que emergencialmente. Mas isso não abrange essa parte que teve perda total. A gente deve ter um prejuízo maior ainda.
BdFRS - Um de nossos fotógrafos realizou imagens essa semana do centro de Porto Alegre, uma das imagens é da situação da estação Mercado, onde aparece água e muito lixo. Como a empresa está se organizando para fazer a limpeza nas estações? Como isso deve ser feito, por exemplo, no sistema dentro da estação como guichês, catracas..
Maarroni - Ali é perda total. Tem que substituir tudo. Mas esse não é o grande problema. O grande problema é a via, é o trilho que vai ter que passar por uma manutenção profunda. Provavelmente, a gente tem que tirar todo aquele leito e recolocá-lo novamente. Senão não vai ter segurança para operar. As estações, a gente recupera mais rápido. Claro, se não tiver água. Lá ainda tem água e hoje alagou ali na zona do mercado novamente.
BdFRS - Como a crise climática e essas enchentes impactaram os funcionários da empresa? Você tem uma estimativa de quantos funcionários foram atingidos?
Mrroni - Dos 1.111 funcionários, nós tivemos 118 atingidos. Nós temos uma campanha, Abrace a Trensurb, que é mais direcionada para os metroviários a nível nacional, que a gente tem muita relação de cooperação, constantemente a gente tem isso. Inclusive, estamos agora com um grupo de ajuda, pra que a gente possa ter equipamentos, possa ter ajuda para reerguer a nossa Trensurb.
BdFRS - Quantos passageiros a empresa transporta diariamente? E como ficará agora?
Marroni - Nós estávamos transportando entre 110, 120 mil por dia. Nesta catástrofe que nós estamos vivendo, o trânsito está insuportável. E quanto mais baixar as águas e as pessoas começarem a retomar as suas atividades, os seus trabalhos e também o esforço que vai ter na região, vai impactar muito a mobilidade. E o ônibus vai levar muito tempo para fazer o trajeto que a gente faz de trem. Quer dizer, é caminhão, é máquina, é gente correndo pra lá e pra cá pra recuperar os seus negócios, suas casas, etc. Onde é que essas pessoas vão buscar o serviço de mobilidade? Certamente vão buscar na Trensurb.
A pressão sobre a Trensurb é muito grande. Mas nesse período, nessa primeira etapa da nossa operação emergencial, nós vamos fazer das 8h às 18h, de 30 em 30 minutos. E nós vamos ter condições de transportar apenas 30 mil passageiros.
O que nós estamos providenciando junto à Defesa Civil e ao governo do estado? Que eles façam um credenciamento como foi feito ali no caminho humanitário. Primeiro só passavam os carros de ambulância de certo serviço, emergenciais, depois foi abrindo para os demais.
A Trensurb tem que trabalhar assim também, priorizar os trabalhadores de segurança, de saúde, de assistência social, os trabalhadores das empresas de saneamento, de energia. Que a gente possa fazer o credenciamento e dar prioridade para esses trabalhadores que são essenciais na emergência.
Edição: Katia Marko