Cale o cansaço, refaça o laço
Ofereça um abraço quente.
(Emicida)
Neste momento, apesar da dor do flagelo, é preciso libertar a dor do espanto. Como pensamos que seria possível, oprimir a fluidez das águas? Um poema na janela de um ônibus, dizia algo assim: [...] dizem violentas as águas de um rio que tudo arranca, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
No cenário da grave crise socioambiental que estamos vivendo, onde a solidariedade com as vítimas e a compreensão de sua dor nos mobiliza, somos convocados a nos somar na construção de políticas educacionais com o planejamento atento e cuidadoso para retomada das atividades presenciais nos territórios das escolas.
As pessoas estão convidadas a refletir sobre uma agenda para 2030, na busca de um mundo sustentável para todos nós. Nos sentimos invadidas(os) pela imensidão de águas violentas, mas que de forma silenciosa vem avançando e dando sinais, ficamos desatentas(os) aos sinais, ou simplesmente os ignoramos? O rio que deixou de ser rio, que já foi estuário e agora é lago, poderia ser apenas o Guaíba do lindo pôr do sol que aprendemos aplaudir, mas em que momento nossa contemplação nos cegou ao ponto de ignorar que um dia ele nos consumiria com seu poder avassalador de um rio oprimido pelas margens que o violentaram?
Levaram 83 anos após a enchente de 1941, que segundo registros entre os dias 13 de abril e 6 de maio em que o rio chegou a sua máxima precipitação de 600mm, para que com todos os avanços tecnológicos fôssemos obrigados a nos revisitar em nossa humana ignorância. A natureza seguiu seu curso e nós em nossa prepotência seguimos o nosso.
No entanto, com todo o sofrimento e devastação que nos assola, precisamos refletir que a partir de então não levarão mais oito décadas para que as águas que pareciam silenciosas e adormecidas reivindiquem seu espaço. Agora, é momento de acolhimento, de esperança, de solidariedade, mas também de repensarmos o planejamento em educação. Educar uma geração de estudantes conscientes de que precisamos viver em harmonia, não apenas entre os humanos seres habitantes de uma terra que parecia firme, sólida, de margens inabaláveis, mas como seres sensíveis, frágeis e que para termos abrigo, como uma morada, precisamos também respeitar a matéria orgânica a qual chamamos de Terra, planeta e um lar.
A escola pública é um território de segurança, afetividade e acolhimento. Nesse momento, que se planeja o retorno é fundamental perguntar para toda comunidade escolar como cada um(a) está se sentindo. Vivemos uma tragédia em vários níveis e sem precedentes, mesmo quem não foi afetado diretamente não está bem, e ainda o que estar por vir gera insegurança e ansiedade. Podemos e devemos nesse momento ser flexíveis e sensíveis. Múltiplas são as experiências e dores que podem ser compartilhadas, quem sofreu, quem foi voluntária(o), o quanto essas experiências nos modificaram e o quanto aprendemos e ainda temos que aprender. A escola como espaço de aprendizagem é o lugar em que podemos aprender a partir da experiência, diálogos e leitura da realidade. Podemos com cada experiência analisar a partir de nossa expertise pedagógica, mas acima de tudo é fundamental firmarmos nossas vivências enquanto seres humanos solidários.
O espaço da escola deve sempre contemplar cada um(a) na sua identidade e diferenças. Cada criança, jovem e adulto chegará neste retorno com uma história, uma experiência, um sentimento, uma necessidade diferente. A escuta sensível das(os) educadoras(es) será fundamental para reconstruir a trajetória e fortalecer vínculos. Várias são as realidades e os sentimentos, alguns estudantes aguardam pelo retorno (mesmos os que estão em abrigos), porque para muitas pessoas, a escola é esse espaço de encontro, de pertencimento. Outros, sem condições de retorno para o “prédio” escola esperam pela ação do Estado, na expectativa de não serem esquecidos. Alguns educadores, funcionários, estudantes, que foram atingidos diretamente, não vai ser possível o retorno imediato. Portanto, é imprescindível compreender que vamos voltar a partir da possibilidade de cada pessoa sem deixar de cuidar de todes. “Nenhum a menos, sempre”!
Acreditamos que a educação pública democrática, socialmente referenciada, de qualidade, suficientemente financiada e tecnicamente orientada, deve ser um dos pilares da reconstrução do Rio Grande do Sul, em todas as etapas do seu processo: desde a experiência de acolhimento, até o reerguimento, a construção de novas escolas e a reinserção escolar das crianças, adolescentes, jovens e adultos.
A rede fortalecida entre ações partilhadas nas diferentes esferas que atuam na construção de políticas educacionais deve sempre estar pautada pelos princípios constitucionais da Educação: igualdade de acesso, permanência na escola, participação nas atividades e aprendizagem de todos e de cada um. Neste sentido, reafirmamos como educadores nosso compromisso com a pauta da inclusão e direito à escola para todas as pessoas. Vamos reconstruir em rede os territórios escolares!!
* Katiuscha Lara Genro Bins (CMET Paulo Freire); Liliane Ferrari Giordani (Faced UFRGS) e Marco Aurélio Ferraz (NID UFCSPA), que compõem a coordenação do Fórum pela Inclusão Escolar, e César Rolim (Escola Porto Alegre – EPA).
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko