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Nakba, a catástrofe palestina: não esqueceremos e não vamos parar

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Ato de mães e avós refugiadas palestinas com bonecos representando crianças vitimadas por Israel - Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato
O véu que encobria décadas de limpeza étnica e colonização sionista foi removido

Este é o mês para rememorar a Nakba e centenas de marchas ocorreram no dia 15 de maio mundo afora. A verdade se alastra pelas ruas, pelas universidades, dentro dos congressos e em frente às sedes das empresas cúmplices e/ou diretamente envolvidas no apartheid e genocídio do povo palestino nas manifestações pelos diversos continentes. Embora a mídia corporativa exerça um bloqueio informativo sobre o que ocorre na Palestina há décadas (tão feroz quanto o bloqueio exercido pelos sionistas à Gaza), não há mais como conter o compartilhamento de informações, e o véu que encobria décadas de limpeza étnica e colonização sionista foi removido.

O mundo sabe que já são 76 anos de Nakba e de impunidade. Também é preciso informar que a limpeza étnica da Palestina histórica em 1948, quando mais de 800 mil palestinos foram expulsos de suas casas e terras, mais de 500 aldeias palestinas foram destruídas e 20 mil palestinos, entre crianças, mulheres e homens, foram mortos em seis meses: não ocorreu por impulso ou eventualidade. Da mesma forma que não é impulsivo o genocídio em curso hoje em Gaza. A Nakba de 1948 foi o resultado de uma combinação de políticas cuidadosamente planejadas e implementadas progressivamente ao longo de décadas. Sobre o desejo de expulsar a população palestina do rio ao mar, Theodor Herzl, líder e fundador do movimento sionista, escreveu em seu diário em 12 de junho de 1895: “Devemos tentar transferir a população despossuída para além da fronteira, procurando emprego para ela nos países de trânsito, enquanto negamos a ela qualquer emprego em nosso país”. Precisamente, a vontade de expulsar os palestinos de suas casas e varrê-los para o deserto do Egito ou para fora da Palestina não é uma ideia nova, sempre foi um objetivo para os sionistas.

O conceito de “transferência” sempre teve um papel central no pensamento estratégico das lideranças do movimento sionista como uma solução para a “questão árabe” na Palestina. A “transferência” ou expulsão dos palestinos era, e ainda é, um elemento crucial para o estabelecimento de um Estado Supremacista Judeu através da colonização e aquisição de terras, em outras palavras, uma transformação étnico-religiosa-demográfica radical de um país que possuía uma população quase que inteiramente árabe no começo da empreitada sionista. Ao longo do tempo as formas para resolver a “questão árabe” mudaram de acordo com as circunstâncias, mas a ideia de remover para além das fronteiras a população nativa palestina  esteve presente por mais de um século nos objetivos sionistas e continua hoje.

A imigração de sionistas europeus para a Palestina seguiu ininterruptamente do final do século 19 até 1917, com o projeto da transferência pautado nas ideias de aquisição das terras por incentivos econômicos e trabalho exclusivo para judeus nas terras adquiridas com a remoção da população nativa. No momento da Declaração de Balfour,em novembro de 1917, garantindo o apoio britânico para criação de um lar nacional judeu na Palestina, os judeus sionistas eram aproximadamente 5% da população palestina e eram donos de cerca de 2% das terras. Em 1930, o líder sionista Jabotinsky apoiou a campanha terrorista iniciada pelo Irgun, que incluía colocar bombas nos mercados palestinos lotados em Haifa e Jerusalém e atirar indiscriminadamente contra a casa de civis palestinos. Outro grupo sionista, o Lehi, se especializou em assassinatos políticos, nessa etapa o objetivo era provocar a transferência ou expulsão dos palestinos para outros países árabes pelo terror.

Em 1936, estourou um processo revolucionário dos palestinos que perdurou até 1939 e quase levou a libertação do povo palestino. As causas dessa revolta e as razões da sua derrota foram muito bem examinadas por Ghassan Kanafani no livro “A revolta de 1936-1939 na Palestina”. Os sionistas reagiram em 1937 com as conclusões da Comissão Real (Peel) criada para investigar o levante de 1936 na Palestina e formaram os comitês de "transferência". Nos planos desses comitês aparece em detalhes o motivo real dos líderes sionistas de despovoar e conquistar todo o território da Palestina, pela força se necessário.

Documentos comprovam, para todos os efeitos, que não era sobre retornar a uma pátria espiritual, mas, sim, sobre estabelecer uma extensão da civilização ocidental no Oriente. Esses comitês elaboraram o que culminou na expulsão violenta dos 805 mil palestinos na Nakba.

De maio de 1948 pulo para maio de 2024, para demonstrar que os planos elaborados pelos sionistas e colocados em prática no passado seguem em andamento no presente. O genocídio não começou em outubro de 2023, nem tão pouco a limpeza étnica. Nas últimas 48 horas, a ocupação militar israelense invadiu uma aldeia Drusa na Palestina Histórica, ocupada em 1948, e demoliram casas. Os moradores palestinos da aldeia subiram nos telhados das casas se recusando a sair, numa tentativa de impedir a demolição de suas casas. Fontes médicas palestinas relataram que uma menina foi morta dentro da enfermaria do Hospital Martyr Kamal Adwan, no norte da Faixa de Gaza, devido à paralisação da máquina de oxigênio e ao cerco militar contínuo ao hospital.

Rafah foi bombardeada nas últimas horas ao centro e ao leste da cidade. Na madrugada de terça-feira (21), as tropas israelenses bombardearam Beit Lahia, Khan Yunis, os campos de refugiados de Nuseirat, Bureij e Jabalia, o bairro de Zaytoun, a cidade de Rafah e Sheikh Ajlin na Faixa de Gaza.

Na Cisjordânia, sete palestinos foram mortos e vários feridos foram registrados, incluindo dois em estado grave, na manhã de terça-feira (21), como resultado da contínua agressão da ocupação militar israelense contra a cidade de Jenin e seus campos. O diretor do Hospital Governamental de Jenin, Wissam Bakr, informou que entre os mártires estavam o especialista cirúrgico do Hospital Jenin, Aseed Jabarin, que foi atacado nas proximidades do hospital; o professor, Allam Jaradat, que se dirigia para trabalhar em um hospital-escola; e um aluno da escola.

O fotojornalista Amr Manasra foi ferido por balas em Jenin em um ataque da ocupação contra jornalistas. As forças de ocupação invadiram várias casas de cidadãos durante uma investida à cidade de Jayyus, a leste de Qalqilya, na Cisjordânia ocupada. Além de terem explodido o jardim de uma casa depois de atacar a cidade de Asira al-Shamaliya, perto de Nablus. Ainda na madrugada de terça-feira (21), as forças de ocupação invadiram a cidade de Tubas, no norte da Cisjordânia, com escavadeiras destruindo as estruturas de encanamento, redes de esgoto e elétrica da cidade. Desde outubro de 2023, quando houve intensificação dos bombardeios à Faixa de Gaza, a Cisjordânia vem sofrendo à medida que suas vilas e cidades são expostas a ataques diários, intercalados com campanhas de detenção generalizadas, enquanto muitos palestinos são mortos e outros são feridos pelo fogo da ocupação israelense.

Por tanto, seguem as demolições de casas e os mesmos ataques terroristas dos sionistas desde 1930, que seguem bombardeando civis palestinos e suas casas impunemente. Segue a colonização e o genocídio, responsável por criar o maior grupo de refugiados no mundo, mais de 6 milhões de palestinos estão espalhados pelo mundo como refugiados. Recebemos com satisfação a notícia dos mandados de prisão de Netanyahu e seu chefe de “defesa”, Yoav Gallant e, logo em seguida, nos decepcionamos, ao ver que três lideranças do Hamas também tiveram mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Vítimas e algozes foram equiparados e, mais uma vez, o direito de defesa dos palestinos foi negado diante do genocídio, da colonização brutal e do apartheid que perduram há 76 anos.

Por outro lado, as mobilizações nas universidades lideradas por estudantes e professores em resposta ao apelo palestino, reiterado por 15 universidades palestinas, para acabar com toda a cumplicidade com os crimes israelenses e para impedir com urgência a intensificação ainda maior do genocídio em Gaza. As mobilizações nos campus obrigaram dezenas de universidades em todo o mundo a comprometerem-se com medidas no sentido de desinvestimento de empresas cúmplices e corte de laços com instituições acadêmicas israelenses cúmplices, incluindo Noruega, Espanha, Itália, Países Baixos e África do Sul. 

No estado espanhol, a Conferência de Reitores Universitários, composta por 76 universidades, comprometeu-se a suspender colaborações com universidades israelenses que não estejam “em conformidade com o direito humanitário internacional”. Universidades na Europa e na América do Norte concordaram em desinvestir, enquanto outras ainda se comprometeram a tomar medidas no sentido do desinvestimento de empresas cúmplices, incluindo a indústria de armamento de "Israel". Associações de professores da Austrália e da América do Norte também votaram pelo boicote às universidades israelenses.

Também na Espanha, um navio de carga, Borkum, que transportava armas para uso no genocídio contra os 2,3 milhões de palestinos presos no campo de concentração em Gaza, deixou as águas da Espanha após pressão social e ações judiciais de partidos políticos. A venda e o trânsito de armas para um Estado que comete crimes contra a humanidade e de genocídio é ilegal. A cada dia mais países reconhecem o Estado Palestino, mas o povo da Palestina segue sem direito de autodeterminação ou autonomia e sob controle dos colonos israelenses em 100% de seu território, em um regime de apartheid, que afeta palestinos na Palestina histórica, na Cisjordânia, em Jerusalém e em Gaza, de formas diferentes e cruéis.

Que as populações e movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos continuem suas campanhas de boicote e desinvestimentos à “Israel” em todo o mundo,  até o desmantelamento completo do apartheid, que na Palestina do rio ao mar, todos tenham seus direitos respeitados igualitariamente. Viva a resistência palestina, que segue por décadas firme contra a colonização e a limpeza étnica da Palestina!

Que essa luta garanta o direito de retorno dos refugiados para suas casas e reparação por todas as violações cometidas ao povo palestino, desde antes da Nakba, e garanta a libertação dos milhares de reféns palestinos que se encontram nas masmorras israelenses sob tortura. Continuaremos a exigir do governo brasileiro que rompa todas as relações comerciais, militares e diplomáticas com “Israel” e que desinvista em empresas diretamente envolvidas no genocídio, como a Elbit Systems. Esperamos sinceramente, que Lula vete a compra de drones e os contratos bilionários do exército brasileiro com as subsidiárias (AEL Sistemas e ARES) dessa empresa militar israelense, que mata crianças e mulheres cotidianamente em Gaza. Não descansaremos, enquanto todas essas relações não forem cortadas completamente!

* Claudia Santos, da Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko