Rio Grande do Sul

Coluna

Há que nutrir o sentido comum e liberar a potência de revolução

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"A Pachamama é grandiosa, ela te convida a mergulhar em estados extremos de beleza para que o pensamento viciado em si mesmo se quebre e a visão se amplie ao comum, ao comunitário, ao que é de todos" - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
A Consciência Pachamama é esta experiência de quietude e revolução

Todos los caminos llevan al mismo punto: a la comunicación de lo que somos. Y es preciso atravesar la soledad y la aspereza, la incomunicación y el silencio para llegar al recinto mágico en que podemos danzar torpemente o cantar con melancolía; mas en esa danza o en esa canción están consumados los más antiguos ritos de la conciencia: de la conciencia de ser hombres y de creer en su destino común.

Pablo Neruda, Discurso de Estocolmo

É uma luz ler este trecho de Neruda. Em uma esplêndida noite recebeu o prêmio Nobel de Literatura e dentre as infinitas possibilidades da palavra, contou frente à esnobe Europa como fugiu do Chile quando politicamente foi perseguido.

Nestas palavras ele fala sobre a imensa Cordilheira dos Andes, do gelo e da neve, do silêncio e dos homens desconhecidos que cruzou pelo caminho ao deixar para trás sua pátria. Lá, quiçá como um prenúncio, desenhou o amor por aquela geografia e que de uma certa forma lhe deu guarida e refúgio em tempos de profunda dureza e injustiça.

E digo prenúncio, pois junto à perseguição que sofria o silêncio, ou seja, Pachamama o abraçou e abriu passagem em suas quase inabitadas geografias e somente frente a gritante beleza daquelas montanhas que pode encontrar refúgio de si mesmo em meio a possível desilusão da luta. Floresceu nele a percepção sobre o nosso destino comum. 

Conto isso como uma possibilidade para compartilhar reflexões íntimas que nascem ao ver tantos desafios apresentados: a dor da Palestina massacrada, das pessoas desabrigadas e da destruição no Rio Grande do Sul, do garimpo e da crueldade contra os Yanomanis e o corte das nossas silenciosas árvores amazônicas.

Esse destino comum é intrínseco à vida, sabemos que o leito de morte nos esperará, não há escapatória, mas o que fazemos entre o nascer e o morrer? Qual o sentido de tudo isso enquanto pessoa, espécie e vida? Há um destino comum além da morte que é o de comungar com a vida e isso não abrange a destruição dela. 

São infinitos motivos para a desesperança e de fato são desafios duríssimos, diferentes (em parte) dos que foram enfrentados por Neruda e seus conterrâneos, porém semelhantes quando falamos sobre a fragmentação da humanidade. 

Por muito tempo, a fragmentação se fundou em lutas entre cosmovisões diferentes. O que foi a colônia senão a imposição de um modus de vida completamente diferente do que aqui existia junto aos povos originários? 

Porém, é simples traçar diagnósticos, deixar que a visão crítica assuma a cadeia de pensamentos e respostas, mas será possível alcançar a compreensão desses antigos ritos da consciência, onde a visão do destino comum não são teses, mas experiências viscerais que perfuram a agitação das crenças sociais?

Há uma fiel beleza nessa afirmação, que quando é vivenciada desde a luz da consciência, as diferenças entre classes, raças, geografias e espécies são meros subterfúgios da nossa ignorância e que o real, o real mesmo é que somos partícipes da vida tal qual ela se apresenta, e hoje ela ocorre frente ao caos e a crise climática.

Pode parecer uma frase hippie, mas a luz, o estado de lucidez também é um estado de profundo amor e o amor real não separa, ele une e agrega. A solidariedade ampara e geralmente se propaga em tempos de cólera, quando sobrepassa as camadas de divisão e provoca um estremecimento de amor ao próximo.

Imagino o Guaíba caso realmente o amássemos, será que estaria tão poluído? O amor é sempre a resposta e ele pode doer, claro, pois é preciso desiludir-se para quebrar as formas que o reduziram, porém ele te dará luz/lucidez suficiente para que o coração floresça e quebre a dureza das crenças que temos enquanto humanidade. Passar por esta crise EXIGE um imaginário despoluído e livre para desenharmos possibilidades novas e reais de mudança.

Quiçá necessitemos nos banhar de silêncio, apagarmos os celulares, as imagens e informações desenhadas pelo algoritmo e mercados financeiros. A Pachamama é grandiosa, ela te convida a mergulhar em estados extremos de beleza para que o pensamento viciado em si mesmo se quebre e a visão se amplie ao comum, ao comunitário, ao que é de todos.

Desopilar a visão de mundo para revolucioná-lo. A poesia transpassa a ignorância das formas e dança com os mistérios da vida e a nossa vida pode ser poética e real. Acumular luz para poder compartilhar consciência.

A Consciência Pachamama é esta experiência de quietude e revolução, da quebra das cadeias de uma cosmovisão cruel e doentia por uma experiência de amor como expressão de rebeldia, que sana a crença na desesperança e a alquimiza em possibilidades de transformação social. 

O poder da vida não está em nós, mas reconhecer-nos partícipes desse imenso mistério nos confere a possibilidade de florescer o coração frente às intempéries e isto abrirá a possibilidade de tecermos uma pequena revolução de fé, solidariedade e esperança.

Há milhares de anos, os povos andinos se reúnem no solstício de inverno para chamar a luz e liberar faíscas de compreensões. Toda ação era revertida ao sentido comunitário e se um povo tem lucidez, a harmonia e a equanimidade são espontâneas e reais.

Neste ano não faremos diferente e nos reuniremos no Brasil para celebrar o Inti Raymi, a festa do sol, ansiando unir intentos e corações para que a desesperança não nos coma a percepção. Há que nutrir o sentido comum e liberar a potência de revolução contida em todos nós. Informação e Inscrição neste link https://forms.gle/Chfk7ZaJhynzrQwd6

Vem junto!


Encontro será de 21 a 23 de junho, em Aracaju / Divulgação

* Astreia Mendizabal, maestra da Escola Solar Andina.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko