Rio Grande do Sul

REAÇÃO CLIMÁTICA

Ventos mudaram, sangas foram canalizadas e aterradas e hoje a cidade está embaixo da água

Velejador do Extremo Sul de Porto Alegre, onde as águas demoram mais a baixar, relata mudanças ao longo das décadas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Extremo Sul da capital gaúcha foi fortemente impactado pela cheia no Guaíba - Foto: Maurício Walsh

Meu nome é Wilson Batista Xavier, mas o pessoal me conhece por Wilbord. Moro aqui no Extremo Sul de Porto Alegre, em Belém Novo. Navego desde os três anos de idade e hoje tenho 60 anos. Vamos falar um pouco do Guaíba, dessa situação que está acontecendo, do clima, dos ventos, da maré, da chuva e outros quesitos.

Eu navego não só aqui no Guaíba como na Lagoa dos Patos, e na Lagoa do Casamento, que está inserida na Lagoa dos Patos, é uma perna. Já naveguei em Santa Catarina, no Rio e na Bahia. Fui chamado para algumas competições de vela oceânica, estou fazendo parte de uma tripulação que competiu no começo do ano lá em Santa Catarina, e teve uma outra regata agora aqui, bem grande, e algumas noturnas. Faço também comissão de regata há muitos anos, alguns eventos náuticos de kite e windsurf. E foi a minha família que me colocou nessa desde os três anos. Então a gente tem uma noção de algumas questões.

Não estou aqui para ser melhor do que ninguém, nem discutir situações, mas falo com uma vivência de dentro da água, não só de barco a vela, como barco a motor, remo, stand-up, caiaque, e situações como salvamento. Meu pai morreu afogado, aquela coisa toda. Então a minha vida foi dentro da água e continua sendo, e espero também levar isso por bastante tempo. Já dei aula de vela e tudo mais, mas esse não é o caso. 

Falando do vento que a gente está falando, do vento sul. O vento sul entra lá de Rio Grande e vai botando a água para dentro, lá do canal, entra na lagoa e vem trazendo. Vai entrar no Guaíba e vai subindo. Então, por que no Lami essa água subiu mais rápido? Em função do vento e dessa cheia, de segurar a água do mar.

Já o vento oeste, que seria o minuano, ele dá só uma represada de leve. Ele deixa fluir, represa um pouco também, mas não faz encher. O vento leste bota a água para fora, o nordeste bota a água para fora, o norte bota a água para fora, então ele faz vazar a água do Guaíba, da lagoa, para dentro do oceano. E aí depende das intensidades também.

Outra questão que não tinha antigamente, desde o tempo que eu navegava, é essa de ciclone. Não se falava isso, não se tinha isso, e de um tempo para cá isso começou a aparecer, uma modificação climática geral que acabou acontecendo aqui também. Então, às vezes, isso acontece de uma forma muito rápida, em função de muitas variações.

Pressão atmosférica, temperatura, umidade relativa, são vários quesitos que começam a mudar a questão da água e da terra. A terra esquenta muito mais rápido do que a água, só que a terra esfria mais rápido e a água demora mais tempo para esfriar. Então, essa modificação de temperatura também influencia muito.

Essa questão do sul ter enchido, aqui no Belém Novo acabou com a volta do Morro da Cuíca. A onda batendo derrubou árvore, poste, tudo, foi muito forte, ao contrário do dia 5 de maio, quando a água que vinha do volume de chuva desceu e afunilou ali no Gasômetro, e precisava de uma área de amortecimento. Só que ali é muito estreito, então começou a botar água até por dentro dos canais. Claro que também não estavam funcionando as bombas, não estava funcionando um monte de coisa, mas precisava de uma área de amortecimento.

E o que acontece? Quando a água vai descendo e vai abrindo o lago, a largura aumenta, tem mais amplitude para essa água escoar. Então demorou para a água que estava descendo inundar aqui. Ela inundou primeiro lá e aqui demorou um pouco mais. E agora foi o contrário, o vento trouxe a água e lá no centro da cidade.

Então nessa visão de mudanças que está acontecendo, para nós que navegamos e para todo mundo, a gente vê essa diferença no vento. Sempre no aqui no Sul de Porto Alegre, que somos o Extremo Sul, na questão do vento a gente sofre sempre primeiro.

Seria ter uma estação meteorológica na região. Nós tínhamos uma nossa aqui no Clube Náutico, e facilitava muito na época que a gente tinha um projeto social com as crianças. Eu sei que tem uma ali no Aeroclube, muitas rádios se baseiam por ela. Eu acho que seria interessante ter não só uma régua, mas uma estação meteorológica ali, que vai medir tudo. Estar direto no computador e ligada a várias questões que a pessoa pode transmitir, ficar ligado aos órgãos que poderiam utilizar essas informações, porque isso é muito interessante.

Outra coisa, nós temos uma diferença de 4 graus de temperatura do centro da cidade para cá. A gente está a 26 km, no máximo 30 km. O Lami, acho que é mais de 16 km daqui de Belém. Então, mais ou menos 40 km do centro da cidade. E a gente tem uma área mais baixa em alguns pontos, tem mais açudes, tem uma vegetação diferenciada, tem tudo. Então, isso dá uma diferença na temperatura, na umidade, quando tem geada, a questão do vento é diferente. Então, isso tudo tem que ser notado, os microclimas diferentes em cada região, porque no centro é só concreto, as coisas muito altas. Então vai aquecer mais rápido ali do que em outros lugares, em função do próprio material do que são construídas as coisas.

Tem um monte de detalhes que, às vezes, passam despercebidos, mas que têm influência. É mínimo, mas, no somatório geral, vai acontecer. Então, cabe relatar isso sobre a nossa região aqui, que é o Extremo Sul, que é totalmente diferente do centro da cidade.

Do tempo em que eu era criança para agora, percebo que a geografia toda foi mudada do lugar. Tínhamos, como se falava antigamente, vários valões ou sangas que vinham das regiões, do lado de Viamão para cá, do Morro São Pedro, dos outros morros aqui próximos, que desembocavam principalmente ali no Arado. Do lado do Arado tem um que desce ainda, e ele foi assoreado, outros foram aterrados e modificados. A canalização de alguns deixou a vazão menor, e com essa cheia que teve agora, que foi uma cheia acima do normal, o que aconteceu? A água própria bloqueou essas saídas para o rio. Então, teve locais aqui no Belém Novo, que acho que lá no Lami também pode ter acontecido, que as partes, como a minha casa aqui, eu fiquei cercado de água, tipo uma ilha.

A água do Guaíba, daqui da minha casa até o Guaíba, deve ter uns 500 metros. A água veio a 60 metros da minha casa hoje. Lá no dia 5 ficou a 80 metros. E agora, na parte de trás, tem uma rua atrás da minha casa, para cá, que ela encheu em função dessa questão de eles terem canalizado, com uma bitola muito pequena, as manilhas.

Era um local em que esses valos cruzavam, e foram aterrados. O que aconteceu? Quando taparam essas saídas de água, com a função da cheia, a água retornou e a água que vinha de cima dos morros ou das partes mais altas chegaram e começaram a infiltrar, que nem aconteceu no centro da cidade, e subiram.

Então, essa parte do bairro aqui, que se chama Arado Velho, onde moro, a parte de trás está toda alagada por causa disso. Várias geografias daqui do Extremo Sul e de toda Porto Alegre, umas foram aterradas, outras tiveram modificações em função de praça, de qualquer coisa. Tudo aqui também mudou na nossa região.

Isso tudo tem uma influência nesse momento. Essa quantidade de água, tanto da chuva como da cheia, se ela não sair por um lado, vai sair por outro. E vem o acúmulo, essa velocidade que precisava para sair não acontece, vai acumulando, acontece o que está acontecendo, tanto de um lado como do outro.

* Wilson Batista Xavier, mais conhecido como Wilbord, é velejador.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


Edição: Marcelo Ferreira