Rio Grande do Sul

Coluna

De Porto Alegre a Barcelona: transformar as cidades para conviver com as mudanças climáticas

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Em abril, Barcelona enfrentava escassez de água; em maio, cidades gaúchas entram em colapso diante das chuvas - Vanessa Marx e André Augustin
O que foi feito desde 2023 para evitar a tragédia ocorrida em 2024?

Este artigo aborda a necessidade de transformar a forma de planejar as cidades, tanto do Norte como do Sul global, devido às alterações das temperaturas do planeta e as mudanças climáticas que impactam diretamente a vida nas cidades. A reflexão propõe contribuir a partir do experienciar a cidade de Barcelona, na Espanha, durante um período de pesquisa no bairro Poblenou. 

Em abril deste ano, Barcelona estava com suas reservas de água para abastecimento em situação limite, devido à falta de chuvas. Os espaços públicos deram lugar a uma campanha com cartazes sobre a necessidade de economizar água. Os espaços privados também, com alertas sobre a necessidade de racionar água.

Em Barcelona, depois do contexto pandêmico, a preocupação com o tema ambiental e o investimento em espaços verdes e abertos na cidade tornou-se um ponto importante da agenda do poder local. A necessidade de preservação de espaços verdes, parques, praças e jardins e até pequenos espaços, como terrenos, ruelas e hortas urbanas, mantidos por comunidades e moradores do bairro, tem sido uma pauta importante na cidade.

Em termos mais estruturais, houve uma aposta pela alteração do desenho urbano em alguns pontos da cidade, onde o poder local vinha investindo no desenvolvimento das “Superillas” (Superquadras - Eixos Verdes), incentivando o uso do espaço público por pedestres colocando nestes locais mais verde e equipamentos públicos, evitando a circulação de automóveis nestas zonas da cidade. Ainda falta mais verde na paisagem urbana, pois existem muitas praças secas na cidade, mas a vida comunitária e o grande uso pela população de espaços abertos possivelmente impulsionará ainda mais novas transformações nos bairros. 

Por outro lado, no mês de maio, Porto Alegre, região metropolitana e o Rio Grande do Sul como um todo enfrentam o maior desastre socioambiental de sua história devido ao enorme volume de chuvas no Sul do Brasil. A maioria dos municípios do estado e da capital, Porto Alegre, colapsaram. O volume de águas ultrapassou a inundação de 1941. Os mortos e desaparecidos aumentam a cada dia, com pessoas perdendo suas casas, lares e histórias de vida. 

As cidades tomadas pelas águas dos rios no Rio Grande do Sul são o retrato de uma tragédia anunciada. Em 2023, os moradores da cidade de Porto Alegre já haviam sofrido com inundações e chuvas que deixaram várias partes da cidade sem comunicação, com falta de luz, água e internet. As árvores caídas nas ruas e avenidas eram um retrato e, ao mesmo tempo, um aviso de que ninguém controlaria a natureza, mas que poderíamos evitar a sua destruição.

A partir do ocorrido nos perguntamos: o que foi feito desde 2023 para evitar a tragédia ocorrida em 2024? A impressão de que isso não era prioridade ficou evidente frente ao desejo de edificar e construir na cidade. Houve um descaso e uma falta de atenção do governo municipal e estadual, pois o momento era grave e necessitava medidas emergenciais: modernização do sistema de segurança dos rios e monitoramento da altura da água, com uma postura mais propositiva para minimizar os danos, desenvolvendo políticas públicas para as mudanças climáticas. 

Podemos somar a isso a precariedade de prestação dos serviços públicos. A cada tempestade a população sofria com a falta de luz e água e, por isso, alguns movimentos sociais e coletivos reivindicam a necessidade de reestatização dos serviços que foram privatizados. 

O Observatório das Metrópoles (OM) – Núcleo Porto Alegre vem produzindo artigos alertando sobre a situação das mudanças climáticas em Porto Alegre. Em dezembro de 2023, o artigo Calor extremo e planejamento urbano, como enfrentar a crise climática trouxe reflexões e alertas importantes sobre o futuro. Este artigo me fez refletir muito de que não teríamos caminho de volta, que em curto prazo necessitaríamos pautar com mais seriedade o tema e elaborar políticas públicas para conviver com os desastres ambientais, inclusive incidir na revisão do plano diretor que está acontecendo neste momento, no qual este tema sequer é considerado. 

Necessitamos de uma alteração dos regimes urbanos para proteção do meio ambiente, dos bens comuns e das Áreas de Preservação Ambiental (APPs), que estão ameaçadas em muitas cidades pela vontade desenfreada de construir e edificar em áreas de risco, cortando árvores, destruindo espaços verdade e gerando impacto ambiental.

Do ponto de vista internacional Porto Alegre, nos anos 2000, era retratada pela imprensa internacional como sede do altermundialismo, com o Fórum Social Mundial. Passados 20 anos, o mundo volta a olhar Porto Alegre como a cidade que sofreu um dos maiores desastres ambientais do Brasil e que dispara um alerta para o mundo. Um ciclo se fecha e esperamos que um novo ciclo se abra com mais esperança e sustentabilidade para as futuras gerações.

Ressaltamos aqui a importância e a contribuição fundamental da universidade pública no processo de ajuda e difusão do conhecimento.  Pudemos ver durante este processo que a ciência tem estado a serviço da população transmitindo informações em tempo real das zonas afetadas e da necessidade de evacuação das pessoas e famílias dos bairros e cidades.

Este cenário nos impulsionará a pensar o urbano e o ambiental de forma conjunta, esta dissociação não será mais possível. Em Porto Alegre, podemos começar verificando como os Grandes Projetos Urbanos vem impactando no meio ambiente e observar o cumprimento das contrapartidas dos projetos especiais, principalmente em locais onde era exigido drenagem do território.

Porto Alegre e o Rio Grande do Sul deverão preparar-se para um tempo de reconstrução, pois o desastre não é somente ambiental, mas também social e político. Esperamos que esta reconstrução seja inspirada na solidariedade e na força do voluntariado, que tem sido incansável em salvar vidas e amenizar a dor dos que perderam tudo. Necessitamos de outra forma de fazer política, tanto em nível local como estadual, onde a vida humana e a preservação da natureza sejam prioridade nos próximos anos.

Em relação ao planejamento urbano pós-catástrofe, será fundamental que as cidades sejam pensadas de outra maneira, com a participação dos afetados pela enchente. A escuta será fundamental para incorporar a diversidade da população, priorizando os mais vulneráveis, levando em consideração classe, gênero e raça.
Estamos sendo desafiados a pensar coletivamente em como enfrentar as catástrofes ambientais geradas pela ação humana em diversas cidades do mundo, pois a percepção é de que a forma como vivemos até agora se esgotou.

* Vanessa Marx é professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles-Núcleo Porto Alegre.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

 

Edição: Katia Marko