Cientistas, ambientalistas e lideranças indígenas vêm alertando há anos que estamos nos encaminhando rapidamente para uma situação de agravamento da crise socioambiental. A tragédia no Rio Grande do Sul é um sinal de que essa crise ganha proporções cada vez maiores. Este não é um fenômeno isolado, muito menos nacional. Neste momento, inundações e alagamentos têm ceifado vidas e bens de comunidades no Afeganistão e no Quênia, assim como em Hong Kong, Líbia e Grécia.
Este quadro exige providências urgentes e mudanças profundas em nosso modo de produção, nas relações de trabalho e, principalmente, em nossa relação com a natureza, em benefício de um crescimento que esteja aliado ao desenvolvimento sustentável. Para qualquer planejamento de reconstrução do estado, considerando a população atingida, as centenas de municípios afetados, a produção de alimentos, a estrutura de estradas e pontes e tantos outros fatores implicados, é indispensável adotarmos novos pressupostos que guiem nossas ações, e dentre eles destacamos:
1. Democracia por meio da construção coletiva nos processos necessários à reconstrução.
2. Redução das desigualdades econômicas e sociais.
3. Preservação e defesa do meio ambiente.
4. Transparência nas ações e nos gastos.
5. Prevenção de desastres.
A iniciativa do governo Lula de suspender a dívida do estado com a União por 3 anos, embora seja um passo inicial, não é suficiente para tamanho impacto que sofreu o Rio Grande do Sul. Em 2028, quando a suspensão se encerrar, nosso estado ainda estará sofrendo os impactos desta enchente, se fazendo, portanto, necessária a extinção total da dívida por um tempo ainda maior.
Na reconstrução, a principal chave está no planejamento e na cooperação entre a população gaúcha e o Estado brasileiro. Não será a iniciativa privada, muito menos a regulação do mercado, que poderá projetar um novo e necessário horizonte social e ambiental. Há medidas que, consideramos, em curto e médio prazos, constituem ações fundamentais para a reconstrução do Rio Grande:
No curto prazo:
• Criação de um comitê popular que coordene e controle as novas demandas e ações, juntamente com os governos Federal e Estadual e com representantes dos setores de defesa públicos, universidades/Institutos Federais, Conselhos de Saúde e Educação, Congresso Nacional, entre outros.
• Continuidade às medidas de resgate, acolhimento e proteção da comunidade gaúcha, qualificando a atuação de uma coordenação que estabeleça redes de parceria com as universidades da região Sul.
• Fortalecimento do Estado e dos serviços públicos nas áreas de assistência, direitos humanos, saúde, educação, habitação e segurança pública.
• Construção imediata de hospitais de campanha em todo o estado para enfrentar as doenças decorrentes das enchentes.
No médio prazo:
• Suspensão de toda a legislação que tem viabilizado a alteração destrutiva do meio ambiente (desmatamentos, destruição de matas ciliares e de nascentes, monoculturas em grande escala, etc.) até que seja elaborada uma nova legislação adequada ao grau dos desastres iminentes.
• Controle social dos planos e da utilização das verbas no processo de reconstrução, a qual deve ser feita por meio de cooperativas de trabalho, e não por construtoras tradicionais, e deverá seguir normas socioambientais adequadas respeitando características de cada local, identidades e cultura.
• Transparência nas ações governamentais, com destaque para a participação efetiva da sociedade através de entidades representativas e sindicais na administração de recursos vindos por meio do Pix em campanhas de ajuda humanitária lançadas pelo governo estadual.
Medidas econômicas:
• A reconstrução levará anos e a ajuda do governo federal e dos Brics (bloco econômico que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), embora significativa, será insuficiente. Portanto, será necessário discutir parte das reservas internacionais do Brasil para essa finalidade.
• Suspensão da Lei Kandir. Os benefícios fiscais concedidos por essa lei prejudicaram os cofres dos estados exportadores de matérias-primas, como é o caso do Rio Grande do Sul. É necessário impor uma medida provisória que suspenda a Lei Kandir até a implementação de um plano de manejo agropecuário sustentável.
• Fim das isenções fiscais para grandes corporações de petróleo e gás. É urgente que essas empresas sejam taxadas e que os recursos arrecadados sejam destinados ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e da educação pública.
Como trabalhar e gerar tranquilidade dentro do turbilhão de tarefas sobre as quais devemos nos debruçar?
Será fundamental a escuta atenta de quem tem estudado e trabalhado por anos em pesquisas e proposições para estas crises. Não são necessárias soluções espetaculosas. Muito conhecimento já está à disposição da sociedade e do Poder Público.
A utilização das experiências e saberes das universidades públicas, em especial da região Sul, é crucial, pois é a nossa via criativa e producente para pensarmos no processo de reconstrução do nosso estado, observando, além das características climáticas, de relevo e de vegetação, as nossas culturas locais. O Rio Grande do Sul irá se reerguer como sempre fez, com o conhecimento de nossas universidades e com a força do povo.
* Integrantes do Movimento Virada UFRGS
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko