Estas crises de maio são apenas sinais de uma curva que nos carrega morro abaixo, rumo ao pior
Mês triste este, que seria o dos trabalhadores e trabalhadoras, das mães, das noivas e das flores de laranjeiras.
Neste início de maio de 2024, já se acumulam tantas razões para uma tristeza generalizada, que se faz possível reuni-las num mesmo pacote e até comentar, a partir dele, o que parece ser uma linha costurando um futuro assustador.
Não basta fechar os olhos. A realidade grita. No genocídio que ocorre em Gaza, com as redes de TV insistindo na tecla da “guerra contra o Hamas” e com a prisão de estudantes que pedem o fim de remessa das armas que alimentam aquele inferno. Nas crianças sendo as maiores vítimas de violência sexual no Brasil, e com lideranças espirituais sinistras, dizendo que elas (“nem todas elas”), teriam culpa de passar por aquilo. Com as armadilhas na trincheira do Lula, obscurecendo o anúncio de sucessos de seu governo, no dia do trabalhador. Com mortes de pobres em incêndio de “albergue” autorizado pela prefeitura de Porto Alegre a funcionar sem condições, nem alvará; e por fim, com a tragédia climática no RS anunciada como algo inesperado, pelo governador.
E tudo isso acontecendo antes do inverno, que está por chegar.
E é esta a conexão: avança entre nós um processo degenerativo de amplo espectro, que vai se resolver pelo pior, e da pior forma.
Sabendo disso, não podemos permitir que a observação isolada dos casos que compõem aqueles e outros dramas paralelos, nos leve a crer que estamos diante de fatos aleatórios e independentes.
Há um mecanismo operando e se nada fizermos para alterar seu andamento, já se torna possível até estimar o tempo que nos resta, em termos da distância temporal que nos separa do caos, em sua mais cruel expressão.
Ele virá como que por degraus, se acumulando. As eleições de 2024 seguidas das de 2026 e podendo resultar em recrudescimento do racismo e outras discriminações, incluindo a possibilidade de uma ditadura fascista; As pautas moralistas do Congresso federal, a anistia aos golpistas e o cerco às políticas sociais do governo Lula; As guerras pelo domínio de territórios, as privatizações, o agronegócio e os ecocídios; O aquecimento global, a fome, as pandemias e as tragédias climáticas. Em todos os rumos que se olhe, operam linhas de tempo que, se permitirmos, comporão a rede que nos sufocará em prazos já definidos (com pequena margem erro).
Seria possível fazer vista grossa a isso tudo? Apertar o botão do foda-se e torcer para que a merda que transborda daqueles e outros exemplos não nos alcance a todxs?
Sim, é possível. É até uma posição fácil, que conta com muitas adesões. Mas como toda solução simples eventualmente recomendada para problemas políticos complexos, não funcionará.
A verdade é que a saída, se ainda houver saída, será trabalhosa e exigirá esforços e sacrifícios superiores a tudo que já experimentamos. Afinal, esta não é apenas mais uma fase ruim e passageira. É a realidade, o novo momento da nossa história.
Para dar conta disso precisaremos inovar usando o aprendizado de momentos anteriores. Entender, por exemplo, que a anistia dos golpistas de 1964 alimentou seus sucessores de 2016. Que a paparicação aos oportunistas do agronegócio genocida gerou a bancada ruralista e empoderou gente como o Lira, o Magno Malta, a Damaris, o Bananinha, Mourão, Coronel Zucco, Van Hattem e assemelhados.
Entender que nossa covardia gerou em nossos inimigos (não são adversários) um espírito de alcateia. Com isso eles passaram a nos tomar por ovelhas. E só vão mudar se mudarmos, antes que seja tarde.
Quando crianças, aprendemos em situações extremas, a enfrentar o medo. A evitar a paralisia que ele causa. A reduzir a velocidade e a incorporar táticas cautelosas enquanto se buscar por saídas, por mudanças. Como aquelas que, em muitos casos, exigiam não apenas engolir o choro como, e principalmente, partir pra cima. Evitar a tentação de colocar a culpa nos outros e se assumir como dono da própria reação, construindo alternativas que nos fazem melhores e trazem bons resultados. E ao que parece, agora as circunstâncias se repetem.
É bem verdade que não podemos frear o capitalismo e seus efeitos sobre o clima. Mas com certeza podemos dominar a ganância de seus representantes, em nossas paróquias. Quem sabe, assim, se faça possível ampliar a gama de bons exemplos e estimular outros a reagirem e a construírem resultados mais expressivos do que aquilo que se viu no evento político de primeiro de maio.
Na prática, assim como aqueles assessores presidenciais deveriam ter feito, precisamos reunir os parceiros de fé, chamar a turma de confiança, avaliar o cenário futuro e decidir em conjunto, o que vamos fazer daqui para a frente.
Afinal, estas crises de maio são apenas sinais de uma curva que nos carrega morro abaixo, rumo ao pior. E podemos até desperdiçar o tempo que nos resta. Mas seria estúpido fazer isso quando precisamos, urgentemente, contribuir para o esclarecimento e a ampliação da autonomia daqueles que estão destinados a sofrer mais e mais, inocentemente e distraídos em relação a isso.
Enfim, não basta confiar e esperar “que as coisas mudem”. As “coisas” dependem das pessoas e muitas delas só precisam ser alertadas sobre a importância das interdependências, para ir a campo e apoiar os grupos e os agentes de governo dispostos a mudar o rumo das tendências desenhadas neste início de maio.
A crise espiritual, ética e moral daquele pastor e seus espelhos se apoia nos arroubos bolsonaristas, que decorrem da audácia dos golpistas e de seu conluio com mídias locais e interesses internacionais que também sustentam o genocídio em Gaza. E isso se refletiu na arapuca onde enfiaram o Lula neste primeiro de maio, assim como nas mortes da pousada e na inépcia do governador gaúcho diante da tragédia anunciada.
E é contra isso que devemos nos erguer, física e metaforicamente.
Os caminhos para o aprendizado que nos chama a enfrentar o inverno que se desenha passam por reivindicarmos o fim dos sacrifícios humanos na Palestina, por colaborarmos com os flagelados das enchentes, por ajudarmos no esclarecimento dos iludidos pelos golpistas, desmascarando canalhas e trabalhando ativamente pela eleição de representantes populares atentos às causas éticas e morais das crises sociais, econômicas e climáticas que nos afligem.
E o problema não é só nosso. E é antigo. Por isso precisamos de utopias, horizontes onde o povo, unido, jamais será vencido.
Uma música? Unamérica, O Povo Unido jamais será vencido.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko