Nem a forte chuva que cai em diversas cidades gaúchas impediu a abertura do 2º Fórum Social das Periferias de Porto Alegre, nesta quarta-feira (1º), Dia do Trabalhador e da Trabalhadora. Organizado por lideranças comunitárias e militantes de base, o evento prossegue até domingo (5), com debates e atividades descentralizadas em diversos bairros periféricos da capital gaúcha.
:: 1º Fórum Social das Periferias de Porto Alegre encerra com atividade político-cultural ::
Devido ao mau tempo, a caminhada de abertura que estava prevista para acontecer pelas ruas do bairro Rubem Berta foi cancelada. A abertura oficial do evento foi transferida para a Estância CTG Rubem Berta. O evento foi transmitido através do Youtube do Brasil de Fato RS.
Com salão lotado, o evento iniciou com manifestações culturais. Se apresentaram o bloco Chiquinho dos Anjos, grupo que há 40 anos trabalha exclusivamente com crianças e adolescentes e famílias no bairro, e também o grupo de dança dos alunos do Centro Social Marista de Porto Alegre (Cesmar) da região. Após a cerimônia, foi servido um almoço para os participantes.
A coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia RS (MNLM-RS), Ceniriani Vargas da Silva, explica que a segunda edição do Fórum Social das Periferias traz mais de 20 atividades em toda a cidade. “Busca dar voz e vez para o povo das periferias, trazendo suas demandas, necessidades, um processo de mobilização e organização coletiva para a transformação da dura realidade que a gente vive na cidade de Porto Alegre”, comenta.
Felisberto Seabra Luisi integra o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) e destaca a importância do Fórum Social das Periferias em “trazer a voz das comunidades, dos seus problemas, porque são elas que vivem no dia a dia”. Ele conta que o evento é dividido em diversos Grupos de Trabalho, como o GT da Habitação, o GT do Racismo, o GT do Orçamento Participativo e o GT do Orçamento Público, “para a comunidade saber que tem dinheiro na cidade, que o prefeito atual disse que não tem, e a gente sabe que tem. Porto Alegre arrecada hoje mais de R$ 10 bilhões por ano, são R$ 44 bilhões em 4 anos, então o dinheiro existe, o que tem que haver é prioridade”.
Integrante do GT de Comunicação, Carla Ribeiro pontua que essa edição é a sequência da construção iniciada há um ano e meio para fortalecer as periferias da cidade, a luta e a participação popular. “Hoje, por exemplo, a gente está tendo um problema na cidade como um todo, da falta de política pública, alagamentos, bueiros entupidos, tudo isso faz parte da nossa luta. Todo mundo junto vai conseguir construir uma cidade melhor para todo mundo. E quem mais precisa das políticas públicas, quem mais precisa dessa visão do todo, são as pessoas que moram nas vilas, as pessoas que estão na periferia.”
"Somos os protagonistas do processo"
O evento de abertura teve uma rodada de falas de organizadores e apoiadores. Integrante da coordenação do Fórum, Rosa Helena Mendes destacou a força para manter a luta nos próximos quatro dias de atividades. “O Fórum Social das Periferias significa que nós, população, somos os protagonistas do processo. Estamos aqui para dizer que queremos ser ouvidos, que nos enxerguem e que não nos vejam apenas como voto. Estamos aqui para conquistar melhorias por questões de governo, que nesses últimos anos vem destruindo o que a esquerda construiu.”
Na mesma linha, Lidio dos Santos, liderança da Vila Cruzeiro e membro do GT de Combate do Racismo, ressaltou a importância da união das comunidades para que a periferia seja ouvida. “A periferia pode ter voz, pode lutar por si só, não deixar só os outros fazer por nós. Hoje nossa periferia está toda embaixo da água, casas cheias de água. A Defesa Civil vai lá e manda lona, mas se a casa está cheia de água, o que adianta largar lona, se a prefeitura não cuidou do esgoto. Precisamos estar juntos, firmes e fortes e unidos pelo nosso povo.”
"O que a vila tem a ver com a ditadura militar?"
Integrante do GT de Formação Política, Rogério Alves lembrou que há 37 anos, no Rubem Berta, onde ocorre a abertura do Fórum, a população ocupou os apartamentos que estavam vazios em busca de moradia. Alguns dias depois, o mesmo ocorreu no Parque dos Maias. “O que a formação política, o que a vila tem a ver com a ditadura militar? O golpe cívico-militar de 1964 será pauta nas periferias? A gente fica olhando na TV artistas e intelectuais que sofreram na ditadura, mas o que a vila sofreu?”, questionou.
Lembrou que sua mãe morava na antiga Ilhota, que ficava na região central de Porto Alegre, e no período da ditadura militar foi despejada. “É esse o nome quando a polícia chega e coloca sua casa de madeira de qualquer jeito em cima do caminhão e joga na periferia. Foi na ditadura militar que surgiu a Restinga, a Lomba do Pinheiro, o Sarandi. Então quando o Olívio (Dutra) assume (a prefeitura) e começa a colocar casas populares da região central, isso é significante, é a retomada do espaço que é nosso, a cidade é de todos”, pontua.
"Até quando nós vamos nos calar"
Josiane França, deficiente visual e integrante do GT de Acessibilidade, chamou a atenção para o lugar que a direita ocupa no momento, que segundo ela está onde está porque escuta os parceiros e parceiras. “E aqui eu vejo que, apesar de eu ser cega, nós estamos aqui organizando o Fórum das Periferias, mas tem muita gente aqui que não está dando a mínima para o que a gente está falando. Até quando isso gente, até quando nós vamos nos calar? Até quando vamos nos deixar em segundo plano porque a direita já está organizada”, alertou. “Estou aqui para dizer que nós, pessoas com deficiência, existimos e resistimos.”
Renan da Silva, presidente do Instituto Cultural Arraial da Glória, afirmou que a realização do Fórum “não foi por acaso”, mas se trata de um instrumento de contraponto à elite para que a periferia possa ter um espaço de escuta, de fala e construção. Ele prestou uma homenagem ao baluarte do samba porto-alegrense Claudio Barulho, que faleceu na noite anterior vítima de atropelamento. Ele era artista popular da periferia envolvido com a esquerda e a causa dos movimentos populares.
Destacou ainda vários entraves que se colocaram para que o evento não acontecesse. “Enfrentamos chuvas e deslizamentos, as nossas famílias e nossos irmãozinhos estão pedindo socorro nas nossas comunidades pelas enchentes, mas somos resistentes e estamos aqui para fazer a luta e a construção para que as coisas mudem nesta cidade.” Segundo ele, a população precisa “retomar o poder” e “fazer a reformulação do Orçamento Participativo que hoje é engessado por uma elite que nos usa de massa de manobra”.
“Temos que nos ligar, falta habitação, educação, saúde e assistência social. O Fórum das Periferias, na sua segunda edição, vem como instrumento forte de construção para as necessidades das nossas comunidades. Estão fazendo da cidade um grande balcão de negócios”, pontuou, lembrando da privatização da orla do Guaíba e do Parque Harmonia. “Quiseram privatizar a Redenção, a orla do Lami, e fomos para linha da frente para que isso não acontecesse”, finalizou Renan.
"Dar voz e vez para as periferias"
Ceniriani, que integra o GT de Habitação do Fórum, reforçou que a decisão de fazer o Fórum foi para “dar voz e vez para as periferias poderem dizer a realidade que essa cidade está vivendo”. Lembrou que a capital gaúcha vive “uma semana muito triste” e que ela considera “o limite da política do prefeito Melo de colocar o lucro acima de tudo”, por conta do incêndio da Pousada Garoa, que matou 10 pessoas e abrigava pessoas em situação de vulnerabilidade com recursos municipais.
“Eu moro no Assentamento 20 de Novembro, sou vizinha da pousada, vi toda a dor e angústia que foi aquela realidade triste que a gente viveu, fruto do descaso, fruto de uma política onde o lucro de alguns está acima de qualquer outra possibilidade até mesmo da vida”, pontuou.
Juarez Souza de Oliveira, da Cruzeiro, recordou o sucesso da primeira edição do Fórum e a mobilização dos diversos territórios na edição atual. Chamou atenção para o debate desta quinta-feira sobre o Orçamento Participativo de Porto Alegre. “Hoje o orçamento está desacreditado, não tem abertura de rua, não tem serviço social adequado, é tudo uma burocracia. E não é só nesse governo, vem de outros. Há mais de 12 anos as periferias são barradas. Sou conselheiro do OP, é desgastante os recursos que os governos colocam, é uma migalha que tu não consegue fazer uma rua, não consegue aumentar o atendimento social.”
O vice-presidente estadual da Central Única dos Trabalhadores, Everton Gimenis, ressaltou que a verdadeira classe trabalhadora está nas comunidades e nas periferias. Lembrou do projeto CUT nas Periferias, que desde 2020 trabalha com apoio e organização das comunidades.
“As comunidades são as que mais sofrem com o descaso do poder público, como é o caso aqui em Porto Alegre, em que nós temos a educação sucateada, a saúde terceirizada, a assistência social entregue e desamparada. Nós queremos saneamento básico, regularização fundiária, por isso saudamos o Fórum das Periferias, que dá voz ao povo da comunidade, da periferia”, disse.
Racismo ambiental, mulheres e juventude
Integrante do GT de Meio Ambiente, Emerson Prates falou sobre racismo ambiental. Criticou o que chamou de “apartheid social que está acontecendo em Porto Alegre neste exato momento, no qual nossos parques estão sendo privatizados, na lógica de quem não tem fica de fora”. Segundo ele, o Fórum vem, desde o ano passado, “trazendo essa desconexão das periferias com o governo”. Ele criticou o privilégio dado a condomínios de luxo enquanto há desrespeito com as comunidades.
Representando o GT Feminismo Periférico, Ana Paula lembrou dos diversos desafios vividos pelas mulheres periféricas. “Sejamos todas mulheres representadas em toda dor de uma mãe periférica. Sejamos todas mulheres representadas em toda mãe que deixa seu filho para ir trabalhar todos os dias. Sejamos representadas diante de uma comunidade, de uma sociedade que simplesmente menospreza a existência de uma mãe periférica. Sejamos representadas no respeito quando uma mulher periférica fala para homem e mulher periférica ouvir. Sejamos representadas a partir do momento que hoje estamos aqui dentro do Fórum Social das Periferias para pedir o nosso espaço nessa sociedade que é tão machista. Toda mulher deve ser respeitada.”
Daniel Gomes, do GT de Educação, afirmou que o Fórum Social das Periferias é símbolo da resistência das comunidades. “Peço um pouco de atenção, que possam olhar nossa juventude que está tendo seu direito à cultura, à saúde, ao lazer e à vida negados por esse governo. Não podemos admitir ter mais um ano sequer dessa direita no Paço Municipal, é urgente que o povo volte à prefeitura.”
"Unidade da classe trabalhadora"
Segundo ele, “o caminho é um só, com a unidade da classe trabalhadora e a unidade da esquerda”. Daniel pediu para que aqueles que se colocam como candidata e candidato ouçam as comunidades. “Não adianta chegar em outubro só pedindo voto, o ônibus lotado é hoje, a falta de vaga nas escolas é hoje, a falta de médicos nos postos de saúde é hoje”, pontuou.
Felisberto, na sua fala de abertura, ressaltou ser importante que as comunidades percebam que o que elas passam é uma consequência da má gestão política. “Por isso temos que valorizar a participação e o voto social das periferias porque quem sofre, quem constrói a cidade, são as periferias que padecem com a falta de políticas públicas.”
"Quem deve governar é a população"
Ele afirma ser necessário mudar a lógica do trabalho para que o trabalhador seja valorizado por aquilo que ele produz. “Porque sem trabalho não há riqueza, é a classe trabalhadora que produz a riqueza desse país.” E defende que “quem deve governar é a população”. Pontua ainda que Porto Alegre tem o Quilombo Kedi, “que fica no coração da burguesia porto-alegrense e está resistindo há mais de quatro anos para não ser reintegrado” e pede que o Fórum faça uma carta de apoio ao quilombo.
Eunir Coelho, da Cohab Rubem Berta, também lembrou da ocupação de 1987 que deu origem ao bairro pelo direito à moradia. “Em toda minha luta, com 67 anos, a gente fica muito honrado de ver a importância desse movimento social das favelas e das periferias, ele não pode parar, tem que continuar e tenho certeza que se não fosse a chuva a gente estaria com muita gente conosco hoje.”
Ele destacou a presença dos parlamentares presentes no evento, que se somam na luta com os movimentos sociais e culturais. “Isso é uma plantinha que estamos brotando e daqui a pouquinho seremos gigantes.”
O evento registrou a presença da deputada federal e pré-candidata à Prefeitura de Porto Alegre, Maria do Rosário (PT), e da pré canditada à vice, Tamyres Filgueira, da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL), da deputada estadual Sofia cavedon (PT), do deputado estadual Miguel Rossetto (PT) e do vereador Pedro Ruas (PSOL).
Confira neste link a programação completa.
Mais informações nas redes sociais do Fórum Social das Periferias de Porto Alegre
Edição: Katia Marko