A crítica ao ativismo judicial, levanta a questão de como o STF deve abordar questões trabalhistas
O primeiro de maio é marcado como a data internacional de celebração da luta por melhoria nas condições sociais dos trabalhadores, devido às movimentações operárias ocorridas nos Estados Unidos no final do século XIX, reivindicando limitação de jornada, descanso, segurança e melhores salários.
Mais de cem anos depois, no Brasil, qual é o papel das Cortes Superiores, aqui especialmente o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Supremo Tribunal Federal (STF) na garantia dos direitos sociais básicos dos trabalhadores?
Faz parte da democracia criticar as decisões das Supremas Cortes. Esse é um trabalho cotidiano dos juristas. No caso das decisões em matéria trabalhista não é diferente. Atualmente, há uma grande crítica ao afastamento da competência da Justiça do Trabalho para julgar casos que aparentam se amoldar diretamente às hipóteses de competência da Justiça do Trabalho, as quais estão previstas no art. 114 e seguintes da Constituição Federal.
Recentemente, tivemos um exemplo relevante em razão de uma ação sobre norma que estaria em desacordo com preceitos fundamentais estabelecidos em nossa Constituição. O Supremo Tribunal Federal reafirmou a importância da separação de poderes e do equilíbrio entre eles e destacou que proteger os direitos dos trabalhadores não pode levar a sanções legais não previstas na legislação vigente, evitando que o Judiciário atue como legislador. O teor da decisão tem um caráter de crítica a suposto ativismo realizado pelo TST, uma postura que, segundo o STF, deve ser evitada.
No entanto, mesmo com a tentativa do STF de evitar o ativismo judicial, as críticas ao Supremo por ativismo na área trabalhista têm crescido. Diversas entidades e juristas apontam incoerências na aplicação de dispositivos constitucionais, falta de respeito à construção da doutrina e jurisprudência, e um afastamento da competência da Justiça do Trabalho para julgar casos relacionados às relações de trabalho.
Para avaliar os julgamentos do Supremo Tribunal Federal em questões trabalhistas acerca do ativismo judicial, observamos outra ação que tem o objetivo de declarar uma lei ou parte dela inconstitucional, ou seja, em discordância da nossa Constituição. Essa ação questiona a constitucionalidade da lei que institui o piso salarial para profissionais da Enfermagem.
O processo de julgamento sobre a constitucionalidade da Lei do Piso da Enfermagem gerou polêmica devido ao seu trâmite peculiar e às mudanças significativas nas decisões do STF ao longo do tempo. A decisão final, proferida em maio de 2023, declarou a lei constitucional, mas modificou sua aplicação, exigindo negociações coletivas antes da implementação do piso salarial.
Essa abordagem do STF contrariou alguns aspectos da legislação específica que regula as ações diretas de inconstitucionalidade, que servem como remédios contra leis que vão de encontro com nossa lei fundamental e suprema, nossa Constituição. Essas ações são previstas em leis específicas, cuja análise evidenciou que ao decidir sobre a constitucionalidade do piso de Enfermagem, o STF não poderia modular a sua aplicação com exigências, como a de negociações coletivas. Assim, entende-se que os dispositivos não foram aplicados pelo Supremo ao longo do processo.
Para avaliar o mérito da ação, o jurista Lênio Streck propõe uma maneira de analisar o ativismo judicial: (1) considerar se estamos diante de direitos fundamentais exigíveis, (2) se esses direitos podem ser aplicados de forma universal e (3) se essa aplicação viola princípios constitucionais, como a igualdade e a isonomia.
Ao aplicar esse método na decisão do STF para aplicação da Lei do Piso da Enfermagem, primeiramente, é crucial questionar qual direito constitucional está sendo invocado pelas entidades patronais (de empresas) que moveram a ação. O suposto princípio fundamental da negociação coletiva está sendo usado como justificativa para se eximirem do pagamento do piso salarial estabelecido por lei federal? Estamos lidando com referências à "negociação coletiva" que são mencionadas junto a outros dispositivos constitucionais, mas que não parecem ter o status de um direito fundamental capaz de anular garantias sociais reconhecidas como efetivos direitos fundamentais.
Continuando com os demais questionamentos, é possível universalizar o teor da decisão? Quem arcará com os custos decorrentes dessa universalização? Além disso, os demais pisos salariais estabelecidos em lei podem deixar de ser pagos com base na alegação de que devem ser negociados coletivamente mesmo que previstos em legislação federal? Em caso afirmativo, o Poder Público também será responsável por essa suposta complementação?
Sem entrar na ausência da utilização da doutrina para definir o piso que compreende ao salário base (valor fixo antes dos descontos) como remuneração (salário base mais benefícios), pergunta-se: a partir de hoje o salário base será equiparado à remuneração? Para todos? Se a resposta for positiva, admite-se então que os próprios Ministros entendem e passarão a aplicar que o salário base previsto em lei para eles compreende a totalidade dos benefícios? Igualmente será aplicado para deputados e demais carreiras públicas?
Parece que sem recorrer a uma atitude ativista torna-se difícil responder a esses questionamentos cujas respostas deveriam dirigir-se para o oposto dela.
Essas discussões refletem questões mais profundas sobre o papel do Judiciário e o equilíbrio entre os poderes. A busca pela justiça deve ser guiada por princípios constitucionais, evitando interferências excessivas em questões políticas e econômicas. O debate sobre ativismo judicial e interpretação constitucional continua sendo crucial para garantir a integridade do sistema jurídico em relação aos direitos fundamentais dos cidadãos, incluindo o direito ao trabalho e suas garantias constitucionais.
Nesse contexto, a crítica ao ativismo judicial, levanta a questão de como o STF deve abordar questões trabalhistas. Se o Supremo Tribunal Federal condena o ativismo talvez seja o momento de se elevar o debate e exigir que a Corte também assim não aja em matéria trabalhista.
* Emily Nunes Teles, Advogada Trabalhista e Sindical, membra do Fórum Justiça-RS. Jânia Maria Lopes Saldanha, Professora da Escola de Direito da Unisinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Membra da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD e Fórum Justiça-RS.
** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko