Há 21 anos, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) incentiva a produção de alimentação sem veneno, direto da agricultura familiar, e a sua distribuição para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional atendidas pela rede socioassistencial, por equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional e pela rede pública e filantrópica de ensino. A Cáritas Regional do Rio Grande do Sul foi uma das entidades que contribuiu para a criação deste programa.
:: Conab e cooperativas doam alimentos a pessoas em situação de vulnerabilidade em Porto Alegre ::
“A Cáritas está nesta luta há muito tempo, desde o surgimento do Fórum Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (FESAN), em 1999, que deu origem ao Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (CONSEA), em 2003”, explica Eliane Almeida Pereira Brochet, integrante da Coordenação Colegiada Regional da Cáritas RS.
Eliane, que é também conselheira titular do CONSEA/RS, salienta que na 8ª Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do RS realizada em Porto Alegre, em 2023, foi unânime a constatação de que era preciso retomar o PAA e avançar para que se torne, de fato, uma política pública, Caso contrário, a população e as entidades ficam à mercê da vontade de um governo, como aconteceu anteriormente. Da mesma forma, há uma campanha para que todos os municípios implementem o Sistema Nacional de Segurança Alimentar (SISAN), de forma a ampliar seu acesso a estas políticas de atendimento, acrescenta.
Passo Fundo
Enquanto a Cáritas Regional RS faz o seu papel de incidência política, é nas pontas, direto nos territórios, que o PAA acontece. “Para muitas famílias, os produtos do PAA são o único alimento do dia”, observa Maria Isabel Teixeira da Silva, diretora da Cáritas Arquidiocesana de Passo Fundo, que percorre as áreas e conhece bem a realidade local. “São famílias administradas por mulheres, que agradecem por nosso trabalho e falam que estes alimentos são uma benção”, testemunha Maria Isabel.
De 15 em 15 dias, às terças-feiras, um caminhão carregado de alimentos vindos diretamente de plantações da região de Passo Fundo e arredores estaciona em cinco bairros da cidade para distribuir uma variedade de frutas, legumes, verduras e mel a 407 famílias em situação de vulnerabilidade social. A riqueza de cores e sabores indica que estão ali produtos frescos, organizados de forma carinhosa e cuidadosa por voluntários e voluntárias da Cáritas Arquidiocesana de Passo Fundo em cestas para as comunidades.
Esta ação faz parte do PAA executado desde janeiro de 2024 pela Cáritas Passo Fundo junto com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Cooperativa de Apicultores de Água Santa (Coapi). O caminhão percorre os bairros Santa Marta, Vila Luiza, Vila Operária, José Alexandre Zachia e Petrópolis. As famílias são acompanhadas mensalmente pelas equipes paroquiais. É o segundo PAA que a Cáritas Passo Fundo executa com a Coapi, mas a sua participação apoiando o programa na região é mais antiga.
“O PAA garante ao produtor uma renda para que ele possa continuar trabalhando na agricultura sem ter que procurar outros mercados e sem ter de se submeter a preços tão baixos que não cobrem o custo da produção”, afirma Jhordani Rodigheri, agricultor e presidente da Coapi. Outro PAA havia sido executado pela diretoria anterior da cooperativa em 2020, mas foi interrompido até o início de 2024. Neste meio tempo, as vendas caíram e muitos agricultores desistiram de continuar na produção familiar, venderam ou arrendaram suas terras para poder sobreviver. “Com a retomada do PAA, 30 sócios se interessaram em começar ou voltar para a agricultura familiar”, informa Rodigheri.
Diante do potencial de produção da agricultura familiar e do número de famílias cadastradas, ele salienta que é necessário garantir que as cooperativas possam executar o programa novamente no ano seguinte.
Santo Ângelo
“A vantagem do PAA é que ele se ajusta à capacidade de produção da agricultura familiar e respeita a sazonalidade de produtos”, diz Maria Lisiane Quevedo, agente da Cáritas de Santo Ângelo (RS). Lisiane é uma das agricultoras que fornece os alimentos para o PAA por meio da Cooperativa de Produção e Comercialização da Agricultura Familiar (Coopacel), localizada em Cerro Largo, no noroeste do Estado.
Na região da Diocese de Santo Ângelo, a Cáritas já apoiava a Coopacel e a Cooperativa dos Catadores Unidos pela Natureza (Coopercaun) com os recursos do Fundo Diocesano de Solidariedade na organização de feiras de economia solidária e para a aquisição de equipamentos. As duas cooperativas participam da execução do PAA desde fevereiro de 2024, quando o programa foi reiniciado em parceria com a Conab. A cada 30 dias, a Coopacel e a Coopercaun fazem a entrega dos produtos que beneficiam 50 famílias.
Lisiane destaca a relevância desta ação, que mantém os recursos dentro dos municípios, em vez de beneficiar os empreendimentos de fora. “Além disso, as famílias beneficiadas consomem produtos frescos”, ressalta.
Pelotas
Em Pelotas (RS), o PAA é executado na modalidade de “doação simultânea”, ou seja, cooperativas da região são habilitadas a destinar seus produtos para a Prefeitura Municipal, que os repassa para seus equipamentos socioassistenciais. Três cooperativas destinam os alimentos para organizações comunitárias, cozinhas solidárias e projetos de combate à fome através da Caritas Arquidiocesana de Pelotas. São elas: a Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida (COONATERRA), do Assentamento Roça Nova, a Cooperativa Regional dos Assentados da Fronteira Oeste, ambas situadas em Candiota (RS); e a Cooperativa Agropecuária Vista Alegre (COOPAVA), localizada no município de Piratini (RS).
O PAA tem o acompanhamento do Fórum de Segurança e Soberania Alimentar, do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Comsea), do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Questão Agrária, Urbana e Ambiental e do Observatório de Conflitos da Cidade ligado à Universidade Católica de Pelotas (UCPel).
A presença constante de agentes Cáritas nos territórios, onde convivem e conhecem as demandas locais, facilita a identificação das populações a serem atendidas. “Aqui o PAA está em fase de estruturação e as cooperativas estão se organizando para atendê-lo”, observa Adriana de Moraes Teixeira, presidenta do Conselho Regional da Cáritas RS e integrante da Cáritas Arquidiocesana de Pelotas. Até abril de 2024, foram cadastradas 2.354 famílias na região, mas ainda não há alimentos suficientes para suprir toda a demanda. Por isso é preciso selecionar as mais necessitadas em cada situação para receber os produtos. No final de 2023, as cerca de 200 cestas básicas repassadas pela Prefeitura de Pelotas foram destinadas às famílias atingidas pelas enchentes, em uma ação emergencial.
“Ninguém faz este trabalho sozinha, há uma rede formada pela Cáritas e pelos pontos populares, pastorais e movimentos sociais”, ressalta a assistente social Márcia Lemos de Almeida, secretária executiva da Cáritas Arquidiocesana de Pelotas e conselheira do Comsea de Pelotas.
Mulheres produtoras na linha de frente
Uma das exigências do PAA é priorizar a participação das mulheres. A Cáritas Arquidiocesana de Pelotas organizou em 13 de abril de 2024 um encontro entre produtoras e beneficiadas para a troca de experiências e saberes sobre a distribuição, as condições dos alimentos, os benefícios à saúde e a formação de equipes voluntárias pelas beneficiárias. Participaram do encontro 25 mulheres. Na ocasião, o professor Renato Dalla Vechia (na foto abaixo, à direita), membro do Instituto Mário Alves – com o qual a Cáritas de Pelotas tem uma parceria -, falou com as participantes sobre a conjuntura atual e a fome, e as consequências da ditadura empresarial-militar (1964-1985).
Agricultora desde que se conhece por gente e moradora do Quilombo Alto do Caixão, no 7º Distrito de Pelotas, Diana da Rocha Willrich é uma das produtoras que atendem o PAA. Ela faz parte do “grupo das gurias”, como é informalmente conhecido, e do qual participa também Cleusa Maria Gouveia de Campos. “O PAA para nós é importante, porque tudo o que é plantado é vendido, e por um preço bom”, diz Diana. “E quem recebe os alimentos sabe que é um produto saudável e de qualidade”, garante. Cleusa acrescenta: “O PAA até incentiva mais a gente a plantar, porque facilita a venda e evita a perda de produtos”. Antes, elas dependiam do valor que o feirante queria pagar, o que muitas vezes não compensava o custo da semente. Com a renda garantida, podem reaplicar o dinheiro na própria lavoura, investir na propriedade e fazer outras compras para a família.
O que é o PAA?
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado pelo artigo 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003, para fomentar o acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional, bem como a inclusão econômica e social, com fomento à produção sustentável, comercialização e ao consumo, por meio do fortalecimento da agricultura familiar. Esta Lei foi alterada pela Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011.
Desde sua implementação, o PAA foi sendo aperfeiçoado e ampliado. Foi criada a modalidade do PAA – Compra institucional, na qual é possível os órgãos federais, Estados, Distrito Federal e Municípios comprarem alimentos produzidos pela agricultura familiar, por meio de chamadas públicas, com seus próprios recursos financeiros, sem necessidade de licitação.
Edição: Cáritas