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Cravos com espinhos ou revoluções que nunca morrem. O legado da Revolução de Abril em seus 50 anos

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"O legado da Revolução de abril é inconteste. Seja por sua capacidade inventiva ou pela capacidade de fazer ruir o antigo regime, a Revolução de Abril se estendeu no tempo" - Fonte: Agência Lusa
A Revolução de Abril criou um longo processo de aprofundamento democrático e de direitos sociais

Exatamente no momento que começava a escrever este texto, meu muito amigo Javier Miranda, ex-presidente da Frente Amplia e ex-ministro dos Direitos Humanos do governo de Pepe Mujica, me enviou um artigo de Lídia Jorge, acerca da Revolução dos Cravos. Lídia inicia seu artigo dizendo que as revoluções são irmãs da poesia uma vez que ambas implicam em um excesso de vitalidade e tanto uma quanto a outra carregam a luz do futuro com o qual se sonha.

Com a amplitude e cancha que a linguagem permite às interpretações, 50 anos após aquele abril, a revolução portuguesa, que pôs fim à ditadura mais longeva da Europa, continua a produzir seus alecrins. Várias interpretações a caracterizam como a última revolução europeia. Pode ser interpretado, contudo, como a primeira revolução de um novo ciclo de revoluções. Desnecessário descartar qualquer destes ângulos.

A revolução de 25 de abril de 1974 foi a última, na Europa, a caminhar em direção aos conselhos operários, reforma agrária e à socialização das empresas privadas. Tudo sob a energia avassaladora de um movimento popular que permitiu à esquerda iludir-se com a ideia de que poderia deixar-se experimentar por todas as possibilidades. Nos cartazes e nos muros a imaginação conferiu ao movimento social que eclodira em Portugal, a estética da revolução em movimento, mas também a ilusão de que a revolução era irrefreável.

O Abril português desembaraçou definitivamente as condições para que as lutas populares de independência de suas colônias se tornassem vitoriosas. Os mais de 10 mil jovens portugueses mortos na África jogaram seu peso no destronamento do regime salazarista. Portugal de Abril transformou-se em casa materna para acolher e salvar centenas de exilados das ditaduras sul-americanas, em especial do Brasil. Das celas do Forte de Caxias, Peniche, Aljube, Tarrafal e outras dezenas de prisões, saíram duas gerações de opositores de Salazar que conferiram racionalidade à ideia de revolução em curso. Processo que mudou a história, não somente de Portugal, mas de um modo ou de outro, de todo o ocidente, tanto ao Norte e quanto ao Sul.


Em 25 de abril de 1974, a Revolução dos Cravos, movimento liderado por militares e apoiado pela maioria da população civil, pôs fim ao Estado Novo em Portugal / Fonte: Estudo Prático

Revoluções podem acabar, mas dificilmente desaparecem. Em uma Europa já subordinada à OTAN, em uma época que Cuba e Vietnam assombravam o sono do império e dos imperadores, o empuxo revolucionário foi sendo asfixiado. Mas não o foi pelas armas ou por um contragolpe. A revolução, se incapaz de expandir-se, era suficientemente forte e capaz para cobrar um alto preço para o bloco dominante do capitalismo central.

Para que se evitasse a transformação de Portugal em país socialista, as grandes potências europeias, Alemanha, França e Reino Unido tiveram que transferir bilhões de suas moedas para garantir reformas econômicas e sociais que contentassem os desejos libertos da população portuguesa, como saúde, educação, previdência e emprego. As sociais-democracias do continente tiveram que garantir direitos sociais e democracia para impedir o curso radicalizado que Abril já havia tomado. Para fazer cessar o que veio a ser conhecido como processo revolucionário em curso.

A verdade é que, mesmo derrotada, a revolução criou um longo processo de aprofundamento democrático e de direitos sociais. O custo da democracia foi obstruir a radicalização da revolução, mas esta lhe cobrou um sistema de proteção social que foi crescendo, nestas cinco décadas, com a luta dos trabalhadores e governos de centro-esquerda.

Mas neste cravo também viu-se nascer, estranhamente, espinhos. Nesta última eleição, a extrema direita obteve seu melhor resultado sob o regime democrático. Com base em uma plataforma anti-imigração, xenófoba, de ataques aos direitos protetivos, neoliberal, a extrema direita se apresentou montada nas asas da falta de respostas aos problemas de habitação e de emprego, em um cenário de uma Europa que vê crescer o espectro do nazifascismo.

O legado da Revolução de abril é inconteste. Seja por sua capacidade inventiva ou pela capacidade de fazer ruir o antigo regime, a Revolução de Abril se estendeu no tempo. Permitiu que a sociedade, os trabalhadores e os movimentos sociais se mantivessem no protagonismo da política, sobrevivessem à onda avassaladora do neoliberalismo do fim do século XX e fizessem da democracia seu campo de luta. Não à toa, o rentismo investe contra ela e convocou, das sombras do passado, a extrema direita para maniatá-la.

O historiador Geoff Elley diz que “os ganhos mais importantes para a democracia foram sempre conquistados apenas por meio de revoluções ou, pelo menos, por meio desses vários períodos concentrados de mudança.” O legado de Abril será também o da resistência.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko