Rio Grande do Sul

Combate ao racismo

Frente Parlamentar pela Educação Antirracista é instalada na Assembleia Legislativa

Ato no Parlamento gaúcho teve apresentações artísticas e contou com a presença do escritor Jeferson Tenório

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"A escola, para as crianças e jovens negros, é um espaço segregador", afirma a presidenta da frente, deputada Bruna Rodrigues (PCdoB) - Foto: Júlia D'ávila

“Não existe democracia plena enquanto houver racismo. A educação antirracista não passa só pela escola, mas por todos os setores da sociedade”, afirmou o escritor Jeferson Tenório no lançamento da Frente Parlamentar de Educação Antirracista da Assembleia legislativa do RS.

A proposta é da deputada Bruna Rodrigues (PCdoB) e da Bancada Negra, composta, além dela, pela deputada Laura Sito (PT) e o deputado Matheus Gomes (PSOL). O lançamento aconteceu na manhã desta segunda-feira (8), na Sala João Neves da Fontoura, o Plenarinho da Assembleia.

:: ‘Só pela educação será possível superar problemas crônicos da sociedade brasileira como o racismo estrutural’:: 

Presidida pela deputada Bruna Rodrigues, a frente vai discutir a produção e a elaboração de políticas antirracistas dentro das escolas e nos demais espaços de educação. O objetivo é auxiliar no fim da proliferação de termos racistas e na capacitação de profissionais para ampliar a luta contra o racismo estrutural.

A abertura do lançamento contou com a participação do coletivo Grupo Tambores de Freire, que trouxe os rituais das comunidades negras. Logo em seguida, a poetisa Lilian Rocha declamou o poema da afroperuana Victória Santa Cruz, "Me gritaram negra", imortalizado pela cantora americana Nina Simone. Na sua performance, Lilian discorreu sobre sua percepção do racismo aos cinco anos de idade na escola, no bairro Medianeira, reproduzindo a dor do poema no seu cotidiano, "que é a dor de todas as pessoas negras", conforme observou logo em seguida o escritor Jeferson Tenório.

Em entrevista ao Brasil de Fato RS, na última sexta-feira (5), a deputada ressaltou que a frente será um importante espaço de atuação para debater e elaborar encontros para apresentar dados sobre a luta antirracista e produzir ações legislativas através de projetos de lei que tratem do tema. Dela sairão relatórios, audiências públicas e assuntos que vão fomentar essa discussão, inclusive nas escolas, em alguns centros e até na imprensa. 

Necessidade da aplicação da lei 

Dados da Secretaria da Segurança Pública do estado (SSP-RS) demonstram que as denúncias por racismo ou injúria racial no Rio Grande do Sul mais do que dobraram nos cinco primeiros meses de 2022, em comparação ao ano anterior. Foram 47 denúncias desde o início do ano, 135% a mais do que as 20 do mesmo período do ano de 2021.

Em Porto Alegre, a Delegacia de Combate à Intolerância de Porto Alegre recebeu 314 registros de ocorrência de crimes relacionados à cor da pele em 2022. Desses, 212 foram por injúria racial, 75 por racismo e 27 por outros crimes. “O letramento racial nos ajuda a formar cidadãos melhores, para construir as próximas gerações sem preconceito e que respeite nossa presença e nossa existência. Só pela educação será possível superar problemas crônicos da sociedade brasileira como o racismo estrutural que nos fere todos os dias”, afirmou Bruna.

Há praticamente 20 anos foi aprovada a Lei 10.639, de 2003 e, cinco anos depois, a Lei 11.648, de 2008, regramentos que organizam e instituem o ensino da cultura e história dos afrodescendentes no país, com a previsão da educação dessa temática nos planos políticos e pedagógicos, para superar pela educação problemas crônicos como o racismo e a desigualdade de gênero. "A Frente Parlamentar objetiva a efetiva aplicação das referidas leis", destacou a parlamentar. 


Poetisa Lilian Rocha / Foto: Júlia D'ávila

Segundo observou Bruna, a escola formata a adequação social das crianças e jovens, mas os negros têm suas capacidades e habilidades constrangidas pelo racismo, pela inadequação imediata com a cor da pele, o cabelo, o formato do rosto, os traços característicos do corpo.

“Tornar-se negro dentro da escola é uma das fases mais dolorosas de nossa caminhada”, explicou a deputada, conforme ilustra o poema de Victória Cruz, que expõe a cor da pele como régua de recusa do convívio social pelos outros, provoca vergonha e negação na pessoa negra e, depois, impulsionada pela dor, “torna-se negra” e não se submete mais aos detalhes perversos do preconceito e do racismo.

:: Racismo me fez ser muito julgada, mas não afetou minha multiplicidade, diz Elisa Lucinda ::

“A escola, para as crianças e jovens negros, é um espaço segregador, muitas vezes sem as pessoas preparadas para entender características das pessoas negras. Nesse sentido, a Frente Parlamentar pretende contribuir para a construção da educação antirracista nas escolas gaúchas, analisando aspectos também como a alimentação e acolhimento”, afirmou a deputada. Ela destacou que a implantação da lei antirracista é parcial e a sua efetiva implementação depende da intervenção da resistência negra para sua aplicação na prática.

Combater o racismo

Presente ao ato, o conselheiro do Tribunal de Contas, Estilac Xavier, afirmou que o TCE gaúcho foi o primeiro a implementar uma política de luta antirracista na instituição. “O TCE vem há muito tempo buscando fazer com que se cumpra a legislação (Lei 10.639) a respeito da educação da história e da cultura afro brasileira, da história africana e dos indígenas também. Os municípios do RS, em regra, porém, só cumprem essa lei de maneira formal. Não tem especialização, não há na verdade um envolvimento da escola, muitas vezes apenas pelo esforço de alguns professores sem um devido atento do administrador. E o TCE anota isso. É decorrente da lei, não da vontade", disse.

"Se as instituições que envolvem a luta dos direitos antirracistas soubessem o poder que existe na fiscalização dos tribunais, e se pudéssemos nos unir a isso, o resultado seria outro, podem acreditar. Porque aqui se pode punir e exigir. Então, o TCE está à disposição da Frente com equipe técnica, especialistas, relações com universidades para fazer essa análise no Estado”, garantiu o conselheiro.

"Não existe democracia plena enquanto houver racismo"

Para Jeferson Tenório, “não existe democracia plena enquanto houver racismo”. O escritor observou que a educação antirracista não passa só pela escola, mas por todos os setores da sociedade. A “reivindicação de humanidade”, afirmou, consome em geral toda a existência de uma pessoa negra. Ele defendeu firmeza na lei para que a educação antirracismo seja efetivada, assim como nas políticas de reação ao racismo, que é a criminalização das pessoas racistas.

:: 'A gente já aprendeu a reagir à censura', diz Jeferson Tenório sobre alta procura por 'O Avesso da Pele' ::

Também observou que a educação antirracista deve ser de prevenção, “tem que impedir que o racismo aconteça, e utilizo as palavras da Ângela Davis, é preciso estar antes do racismo, porque depois é reação”. E também uma educação ética, porque “a ética não pressupõe a indiferença, só temos o racismo porque temos a indiferença”, frisou o aclamado escritor, que se colocou à disposição da Frente Parlamentar.

Cidadão Emérito de Porto Alegre e Patrono da Feira do Livro de 2020, Jeferson, é autor de diversos livros, entre os quais "O avesso da pele", obra referenciada pelos organismos do Ministério da Educação para utilização em sala de aula e recentemente censurada por diretora de escola em Santa Cruz do Sul, fato que teve repercussão nacional e repúdio pelo padrão racista e discriminatório.

*As informações são da Agência de Notícias da Assembleia e assessoria da deputada Bruna Rodrigues.


Edição: Marcelo Ferreira