Nos idos da década de 1980, a exemplo de inúmeros países, o Brasil foi fisgado pelo discurso neoliberal de que ao estado caberia apenas ser responsável pela saúde, segurança e educação da população. Do resto cuidariam – e ganhariam muito com isso – os grupos privados. Para onde você olhasse ou lesse, era essa a cantilena dita e defendida diuturnamente, não deixando espaço para opiniões divergentes. Ou era isso ou o caos.
E assim foi feito. Mas com o passar do tempo – e não foi preciso muitos anos para isso -, vimos que a coisa não era bem assim, pois a cartilha em voga não entregava o prometido, nem lá nem aqui. O próprio discurso foi, aos poucos, sendo alterado e, na prática, nem saúde, educação e segurança contavam mais com a ‘proteção’ da tal escola econômica.
Passados 40 anos, com exceção de curtos períodos, os gaúchos e gaúchas têm experimentado, ano a ano, esse resultado na própria carne. Por aqui, o número de matrículas no ensino público estadual tem caído de forma contínua – foram 38 mil a menos entre 2022 e 2023 – e muitas escolas não se encontram sequer em condições – obras paradas, outras sequer iniciadas, manutenções de qualidade duvidosa, educadores em falta e mal remunerados.
Talvez a Segurança, por conta dos investimentos em equipamentos e nas carreiras dos seus servidores, concedidos e garantidos uma década atrás pelo governo Tarso Genro, seja a única a ‘respirar sem aparelhos’. Na verdade, o mesmo poderia estar acontecendo com os professores estaduais se a política de recomposição salarial tivesse sido mantida pelos governos Sartori e Leite, assim como os investimentos em melhorias das estruturas físicas.
E a Saúde, a outra perna daquele tripé falsamente jurado como prioridade a ser mantida, respira hoje por aparelhos no RS, tamanho é o descaso e a falta de traquejo do atual governador, que nunca mostrou simpatias por questões sociais – com exceção nos períodos eleitorais, por marketing e sobrevivência política.
No início desta semana, juntamente com a bancada do PT no Parlamento estadual, voltamos a pautar o tema na Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, espaço que acreditamos, por sua heterogênea composição, ter a legitimidade necessária para que o problema não seja visto apenas como uma bandeira da oposição, mas de uma questão de suma importância e que cala fundo na alma da sociedade.
Não bastasse usar de subterfúgios para não aplicar os 12% constitucionalmente obrigatórios na área, o que retira milhões por ano do segmento, o governador lançou o Programa Assistir como forma de ‘fazer justiça’ e aumentar repasses a alguns hospitais. O problema é que fez isso com a mesma receita, no melhor modo ‘cobertor curto’, que ao cobrir o peito do vivente deixa seus pés descobertos e vice-versa.
Assim, para que alguns ganhassem mais – o que é justo e necessário – outros tantos tiveram de perder importantes receitas. Mas ao mirar em supostas incompetências dos gestores administrativos das entidades ou premiar as unidades pelo número de atendimentos realizados, errou o alvo e acertou em cheio o peito da população, que acabou por ficar sem atendimento ou tiveram redução no acesso.
Se antes o dinheiro não era suficiente, ao perderem parte dos repasses as direções não tiveram dúvida, fecharam alas inteiras, extinguiram serviços e suspenderam atendimentos antes prestados. Como diz o ditado, a corda arrebentou do lado mais fraco.
Mas a crise não para por aí. As populações de Alvorada, Cachoeirinha e Tramandaí iniciaram a semana vendo o caos se instalando em hospitais públicos com gestões privadas. Os dois primeiros, até então administrados pela Fundação Universitária de Cardiologia (também responsável pelo Hospital Regional de Santa Maria), contarão com outras gestões. E no Litoral Norte, o contrato da empresa terceirizada que o fazia, terminou.
Assim, no lugar de acolhimento (os atendimentos ficaram restritos a pessoas com risco de morte), o que homens, mulheres e crianças viam ao chegar nesses hospitais era paralisação de profissionais para garantir o recebimento de suas rescisões trabalhistas (que a Fundação alega não ter), protestos devido às péssimas condições de trabalho, falta de recursos e novos administradores batendo cabeça, perdidos numa transição capenga.
E nesse carrossel de desmandos e de busca apenas do lucro, o governo estadual mostrou toda a sua incompetência e falta de compromisso com a saúde pública, esquecendo que ele é o verdadeiro e principal responsável pela manutenção e continuidade do funcionamento dos hospitais.
Não defendo o estado máximo, muito menos o mínimo. O que aprendi em meio século de caminhada é que ele precisa ter o tamanho da necessidade do povo, dos anseios da sociedade e das obrigações que constam nas nossas constituições. E aprendi também que a Saúde, tão menosprezada quanto essencial, precisa receber toda a atenção de um governante, pois aquilo que chamamos de vida depende dela para continuar sendo vida.
* Deputado estadual pelo PT
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira